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Justiça de São Paulo considera irregular decisão de Tribunal Arbitral

A juíza da 13ª vara da Fazenda Pública da capital, Maria Gabriella Pavlópoulos Spaolonzi, vislumbrou indícios de irregularidade na escolha do Juízo Arbitral como meio de solução de litígio decorrente do contrato firmado entre a Companhia do Metropolitano de São Paulo - Metrô e o Consórcio Via Amarela.

24/9/2010

Irregularidade

Justiça de São Paulo considera irregular decisão de Tribunal Arbitral

A juíza da 13ª vara da Fazenda Pública da capital, Maria Gabriella Pavlópoulos Spaolonzi, vislumbrou indícios de irregularidade na escolha do Juízo Arbitral como meio de solução de litígio decorrente do contrato firmado entre a Companhia do Metropolitano de São Paulo - Metrô e o Consórcio Via Amarela.

O Tribunal Arbitral, instituição que funciona como uma Justiça privada, havia reconhecido o direito do consórcio à indenização pelos prejuízos sofridos com a modificação do método de construção efetivamente utilizado em relação ao previsto no contrato. O laudo arbitral relegou para liquidação a apuração do valor total do débito. O Metrô, inconformado com o deferimento exclusivo da perícia contábil, ajuizou MS para garantir seu direito de produzir prova pericial de engenharia. Esta divergência traz uma discordância quanto ao valor da condenação em quase R$ 1 bilhão.

Para a magistrada nem toda situação que se relaciona com as empresas paraestatais pode se sujeitar ao Juízo Arbitral. Nesses casos, é preciso verificar se o objetivo do contrato celebrado por essas empresas diz respeito à prestação de serviço público ou ao exercício da atividade econômica. "Em sendo serviço público existe, sim, a supremacia do interesse público – o que torna o direito indisponível", diz Maria Gabriella em sua decisão.

Ainda segundo a decisão, os documentos juntados no processo indicam que "o contrato firmado entre o Metrô e o Consórcio Via Amarela é desprovido de cunho meramente comercial. A sociedade de economia mista gere interesse público essencial – o que sugere tornar indisponível o patrimônio envolvido". A magistrada determinou a remessa de cópia dos autos ao MP para adoção das medidas que entender cabíveis.

Confira abaixo a decisão na íntegra.

____________

Processo nº: 053.10.017261-2

Classe - Assunto Mandado de Segurança - Organização Político administrativa/ Administração Pública

Impetrante: Companhia do Metropolitano de São Paulo - Metrô

Impetrado: Tribunal Arbitral do Proc. Nº 15.283/JRF da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara Internacional de Comércio - ICC

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Maria Gabriella Pavlópoulos Spaolonzi

Vistos.

O presente Mandado de Segurança foi impetrado pela COMPANHIA DO METROPOLITANO DE SÃO PAULO – METRÔ contra ato do TRIBUNAL ARBITRAL DO PROCESSO Nº 15.283/JRF DA CORTE INTERNACIONAL DE ARBITRAGEM DA CÂMARA INTERNACIONAL DO COMÉRCIO – ICC. Busca-se o decreto de nulidade do ato que indeferiu a produção da prova pericial de engenharia como forma de liquidação da decisão proferida pelo Tribunal e que, assim, restringiu a apuração do valor da condenação da impetrante à prova pericial contábil. Com isso, o pólo ativo objetiva o reconhecimento de seu direito à produção de prova pericial de engenharia para que seja verificado:

a) se o Consórcio Via Amarela sofreu prejuízo com a modificação da metodologia construtiva e

b) qual a diferença dos custos da obra entre a sua realização com a metodologia “shield” conforme estava prevista, e com a metodologia NATM.

Por decisão proferida a folhas 857/861, a medida liminar restou deferida para garantir ao impetrante a realização da prova pericial de engenharia no curso do processo que tramita perante o Tribunal Arbitral. Na mesma oportunidade, determinou-se ao pólo ativo para que se manifestasse sobre o teor de folhas 832/855, requerendo o que de direito para regular inclusão do terceiro interessado na presente relação jurídico-processual.

O CONSÓRCIO VIA AMARELA interpôs Recurso de Agravo de Instrumento nos termos de folhas 915/917 – oportunidade em que noticía a omissão do Metrô quanto à informação de que ajuizou Ação Anulatória do laudo arbitral em trâmite perante a 1ª Vara da Fazenda Pública. Ainda indica que a decisão arbitral já transitou em julgado. Neste segmento, requer a aplicação dos termos do verbete 268 da Súmula do Supremo Tribunal Federal por força da inadequação da ação mandamental contra decisão judicial com trânsito em julgado.

Da mesma forma, suscita o descabimento do mandado de segurança em sede de arbitragem diante do disposto pelo artigo 6º, parágrafo 5º, da nova Lei do Mandado de Segurança.

Ao Recurso de Agravo de Instrumento foi concedido o efeito suspensivo para suspender os efeitos da medida liminar deferida a fim de, ad cautelam, evitar dispêndio financeiro com o início de perícia de engenharia que se encontra sub judice até final decisão do recurso.

A folhas 1148/1161, o TRIBUNAL ARBITRAL DO PROCESSO N. 15.283/JRF DA CORTE INTERNACIONAL DE ARBITRAGEM DA CÂMARA INTERNACIONAL DE COMÉRCIO – ICC,por seu presidente Dr. Carlos Alberto Carmona, presta suas informações. Relata que os árbitros acolheram, por sentença parcial, os argumentos do Consórcio Via Amarela quanto à existência do direito à indenização pleiteada. Abrigaram, ainda, o argumento do Consórcio Via Amarela no sentido de que a respectiva liquidação deveria ser feita por meio de perícia contábil com a rejeição do argumento do Metrô no sentido de que a liquidação deveria ser feita por perícia de engenharia. É o que se extrai do item 212 da decisão arbitral.

O Consórcio Via Amarela, nos termos de folhas 1284/1331, reclama seu ingresso nos autos na condição de litisconsorte passivo necessário. Ato contínuo, suscita a incompetência absoluta deste Juízo bem como a preliminar de falta de interesse de agir. Considerando, ainda, a existência de decisão com trânsito em julgado proferida pelo Tribunal Arbitral, reitera a impossibilidade de sua revisão por parte do Poder Judiciário. Afirma a configuração do prazo decadencial para, em seguida, negar a indisponibilidade do patrimônio do Metrô. Por conseguinte, nega tenha que lhe ser reconhecida a supremacia de seu interesse sobre o privado.

Pois bem.

De plano, defiro o ingresso do Consórcio Via Amarela como litisconsorte passivo necessário e recebo o teor de folhas 1284/1331 como contestação. Providencie, a nobre Serventia, o necessário junto ao Cartório do Distribuidor e com as anotações de estilo.

Ato contínuo, o feito não está em fase de sentença.

Assim sendo, incabível, no presente momento, apreciar todas as questões preliminares bem como de mérito suscitadas pela defesa do ato que se pretende desconstituir.

Às partes pede-se escusas pela demora desta decisão.

Mais que o sofrimento experimentado com a morte de parente muito próximo, a inovação que a pretensão inicial expressa para as Varas da Fazenda Pública impôs, a esta magistrada, a necessidade de estudo aprofundado da matéria. Em poucas palavras, tem-se que o Metrô e o Consórcio Via Amarela elegeram no contrato celebrado a arbitragem como meio extrajudicial para resolverem os conflitos de ordem patrimonial. E por esta razão, o Consórcio Via Amarelo pleiteou a diferença que entende ser cabível com base na troca do método contratualmente previsto, sob a tese de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro.

Reconhecido o direito do Consórcio Via Amarela à indenização postulada pelo Laudo Arbitral, relegou-se à liquidação a apuração do montante efetivamente devido. O Tribunal Arbitral, assim, deferiu, apenas, a liquidação por perícia contábil. E contra esta decisão rebela-se o Metrô.

A Lei n. 9.307/96, em seu artigo inaugural, estipula que as pessoas capazes de contratar poderão valer-se de arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

O Professor Carlos Alberto Carmona, inclusive, em sua obra Arbitragem e Processo, um Comentário à Lei n. 9.307/96, 3ª edição, 2009, Editora Atlas S.A, leciona que :

“Um direito é disponível quando ele pode ser ou não exercido livremente pelo seu titular, sem que haja norma cogente imposto o cumprimento do preceito, sob pena de nulidade ou anulabilidade do ato praticado com sua infringência. Assim, são disponíveis (do latim disponere, dispor, pôr em vários lugares, regular) aqueles bens que podem ser livremente alienados ou negociados, por encontrarem-se desembaraçados, tendo o alienante plena capacidade jurídica para tanto. (…)

São arbitráveis, portanto, as causas que tratem de matérias a respeito das quais o Estado não crie reserva específica por conta do resguardo dos interesses fundamentais da coletividade, e desde que as partes possam livremente dispor acerca do bem sobre que controvertem. Pode-se continuar a dizer, na esteira do que dispunha do Código de Processo Civil (art. 1.072, revogado), que são arbitráveis as controvérsias a cujo respeito os litigantes podem transigir”(página 38/39).

Não se discute, aqui, que o Metrô – como sociedade de economia mista que é, possui personalidade jurídica de direito privado. E, após muito tempo de discussão, dirimiu-se a divergência acerca da possibilidade de as empresas públicas ou sociedades de economia mista sujeitarem-se ao Juízo Arbitral.

Acerca desta questão, inclusive, o Supremo Tribunal Federal deixou consignado ser irrelevante que a empresa estatal (sociedade de economia mista ou empresa pública) possua personalidade jurídica de direito privado, pois o que releva necessário perquirir é se ela, nos seus objetivos, se destina à exploração de serviço público ou à consecução da exploração de atividade econômica. Somente com este critério faz-se possível aferir se estamos diante de direitos patrimoniais disponíveis ou não. A esse propósito, avoca-se a exposição feita por Selma M. Ferreira Lernes, em sua obra A Arbitragem e os Novos Rumos Empreendidos na Administração Pública – a Empresa Estatal,, o Estado e a Concessão de Serviço Público, in Aspectos Fundamentais da Lei de Arbitragem, editora Forense, 1999, página 178. No julgado a seguir mencionado, o Supremo Tribunal Federal analisou a redação inicial do artigo 173, parágrafo 1º, da Constituição Federal, antes da reforma trazida pela Emenda Constitucional n. 19/98, e acolhendo o voto do E. Ministro Celso de Mello, firmou o seguinte entendimento:

“…as empresas públicas, as sociedades de economia mista e quaisquer outras entidades que explorem atividade econômica, sem monopólio, sujeitam-se à legislação trabalhista das empresas privadas, dada que o fazem em concorrência com estas. Se ocorre monopólio, não há concorrência”.

Conclui, o Eminente Ministro:

“É certo que a empresa pública e sociedades de economia mista são constituídas para a exploração de atividade econômica, em sentido estrito, dado que elas são os instrumentos da intervenção do Estado no domínio econômico. Pode existir, entretanto, empresa pública ou sociedade de economia mista prestadora de serviço público (…)

O artigo 173, parágrafo 1º, da Constituição Federal, está cuidando da hipótese em que o Estado esteja na condição de agente empresarial, isto é, esteja explorando, diretamente, atividade econômica em concorrência com a iniciativa privada (…). O que a Constituição quer é que o Estado empresário não tenha privilégios em relação aos particulares. Se houver monopólio não haverá concorrência; não havendo concorrência desaparece a finalidade do disposto no parágrafo 1º, do artigo 173” (STF, Adin – MC n. 1552-4, Rel. Min. Celso de Mello, plenário, julgado em 17.04.1997, DJ de 07.04.1998).

Do teor do v. acórdão acima transcrito, tem-se por pacífico que nem toda situação que se relaciona com as empresas paraestatais pode sujeitar-se ao Juízo Arbitral. Mister, para tanto, aferir se o objeto social da empresa paraestatal consiste na prestação do serviço público ou no exercício da atividade econômica. Em sendo serviço público existe, sim, a supremacia do interesse público – o que torna o direito indisponível. Para a hipótese de atividade econômica, o direito já passa a ser disponível. Com base nesta distinção, avocam-se os termos do artigo inaugural da Lei de Arbitragem para aferir a possibilidade de o contrato celebrado entre o Metrô e o Consórcio Via Amarela admitir, ou não, a arbitragem como forma de solução de controvérsia.

Na decisão de nº 112/96, veiculada pelo DOU de 26.03.21996, página 5.026, o Tribunal de Contas da União definiu ser obrigatória a inclusão, nos contratos, de todas as cláusulas necessárias nos termos da Lei 8.666/93. E o artigo 55 da Lei n. 8.666/93 estipula quais são as cláusulas necessárias para todo contrato administrativo.

Por serem cláusulas necessárias, elas não poderão ser analisadas pelo Juízo Arbitral. Aos olhos desta Magistrada, admitir a sujeição destas cláusulas ao Juízo Arbitral traduz-se na invasão de direito indisponível – defeso pelo mesmo artigo 1º da Lei n. 9.307/96.

O próprio Superior Tribunal de Justiça decidiu que se uma sociedade de economia mista atua sob o regime de direito privado e celebrando contratos situados nesta seara jurídica, não parece haver dúvida quanto à admissibilidade da cláusula compromissória por ela convencionada. Assim sendo, no RESP 606..345-RS o mesmo Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que “quando as atividades desenvolvidas pela empresa estatal decorram do poder de império da Administração Pública, e, consequentemente, na sua consecução esteja diretamente relacionada ao interesse público primário, estarão envolvidos direitos indisponíveis e, portanto, não sujeitos à arbitragem”.

Ou seja, o Superior Tribunal de Justiça adotou, igualmente, a clássica distinção feita pelo Ministro Eros Grau entre atividade econômica em sentido amplo e em sentido estrito (A Ordem Econômica na Constituição de 1988, Malheiros Editora).

Os documentos carreados aos autos indicam que o contrato firmado entre o Metrô e o Consórcio Via Amarela é desprovido de cunho meramente comercial. A sociedade de economia mista gere interesse público essencial – o que sugere tornar indisponível o patrimônio envolvido. Não compete a este Juízo, dentro dos limites do litígio estabelecido entre as partes, definir a validade ou eficácia da eleição do Juízo Arbitral no contrato firmado entre as partes. Da mesma forma, esta decisão não busca antecipar a prestação jurisdicional a ser concretizada quando da prolação da sentença. No entanto, o dever de ofício impõe a esta Magistrada consignar que, por este Juízo, tramitam as ações cautelares de sequestro e de exibição de documentos promovidas pelo Ministério Público em face de diversas

pessoas físicas e jurídicas, incluído Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, provocadas por comunicação espontânea do Ministério Público da Suíça (autos nº 053.09.026976-7 e 053.10.030288-5). De acordo com esta comunicação, um grande esquema de “gratificações” ilícitas foram negociadas e pagas indiretamente por empresas do grupo Alstom, depositadas em contas de empresas offshore que, por sua vez, as encaminhavam para seus destinatários finais. Tais gratificações, de acordo com as investigações feitas, decorreram de desvios durante a execução de projetos que afetaram cofres de empresas estatais – dentre elas, da Companhia do Metropolitano de São Paulo. Daqueles autos constam cópias de depoimentos prestados junto ao Ministério Público, inclusive, pelo então presidente do Metrô.

Veja-se, por outro lado, que o Consórcio Via Amarela é composto, dentre outros, por empresa do mesmo grupo Alstom (ex. Folhas 78 e 888). E com esta, algumas construtoras que figuram no pólo passivo de Ação de Improbidade Administrativa em litisconsórcio com Martha Teresa Suplicy (autos n. 053.09.045264-2 e 053.09.044385-6).

Fator relevante é o de que, de acordo com o teor de folhas 75, o contrato firmado entre o Metrô e o Consórcio Via Amarela é da modalidade Turn-Key, ou de empreitada completa. O item 212 da decisão arbitral acolheu o pedido formulado pelo Consórcio Via Amarela para reconhecer-lhe o direito à indenização decorrente da modificação do método construtivo, pelo valor a ser apurado por meio de perícia contábil (cotejo entre o custo da obra realizada com a nova metodologia construtiva e o valor contratado com base na antiga metodologia). Nas informações, o Sr. Presidente do Tribunal Arbitral destaca que o metro repetiu à exaustão, nos pedidos de esclarecimentos (bem como os repete neste mandado de segurança), que a prova pericial contábil é inadequada e insuficiente. No entanto, o Juízo Arbitral mantém sua decisão à qual impõe-se dar cumprimento

O Sr. Presidente do Tribunal Arbitral, em suas informações, reiterou a irresignação do Metrô contra o indeferimento da produção de sua prova pericial de engenharia pois discorda do dever de pagar uma quantia que se aproxima da casa do R$1.000.000.000,00!

Por todos estes motivos, antes mesmo da prolação da sentença, vislumbro indícios de irregularidade na eleição do Juízo Arbitral como meio de solucionar o conflito estabelecido entre o Metrô e o Consórcio Via Amarela em relação ao desequilíbrio econômico-financeiro e, por consequência, DETERMINO A REMESSA URGENTE DE CÓPIA O PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA PARA QUE AS MEDIDAS QUE ENTENDER CABÍVEIS.

Os mesmos motivos expostos nas linhas anteriores impõem-me a necessidade de manter a decisão guerreada, com o resguardo do direito do impetrante à produção da prova de engenharia como meio de liquidação do débito.

Sem prejuízo, ao Ministério Público para os fins do artigo 12 da Lei nº 12.016/2009.

Intime-se.

São Paulo, 20 de setembro de 2010.

MARIA GABRIELLA PAVLÓPOULOS SPAOLONZI

Juíza de Direito

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