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STJ - TV Globo terá de pagar indenização por danos morais à indústria de palmito

A 3ª turma do STJ rejeitou recurso interposto pela TV Globo Ltda. contra decisão do TJ/SP que condenou a emissora a pagar uma indenização por danos morais, de 100 salários-mínimos, por negligência, ao veicular matéria de interesse público sem a necessária verificação da veracidade do fato.

9/9/2010

Danos morais

STJ - TV Globo terá de pagar indenização por danos morais à indústria de palmito

A 3ª turma do STJ rejeitou recurso interposto pela TV Globo Ltda. contra decisão do TJ/SP que condenou a emissora a pagar uma indenização por danos morais, de 100 salários-mínimos, por negligência, ao veicular matéria de interesse público sem a necessária verificação da veracidade do fato.

Em 1º de agosto de 1999, o programa Fantástico exibiu em seu quadro Controle de Qualidade os resultados de análises feitas pelo Inmetro sobre as condições de consumo de palmitos em conserva de diversas marcas. Os palmitos da Richard Papile Laneza foram considerados impróprios para comercialização.

A empresa alega que houve sérios prejuízos a sua imagem. A matéria veiculada afirma que o palmito Lapap, comercializado pela importadora Richard Papile Laneza, estaria com sua venda proibida. Na época, o ministro da Saúde afirmou que os produtos vindos da Bolívia estavam proibidos no território brasileiro, pois havia um risco de estes produtos provocarem botulismo, uma intoxicação alimentar rara.

A TV Globo afirma que apenas veiculou informações públicas e oficiais passadas pelas autoridades do assunto, como a Anvisa, o Inmetro e o Ministério da Saúde. A emissora alega que há uma divergência jurisprudencial quanto à exclusão de responsabilidade dos meios de comunicação acerca de informações transmitidas por fontes oficiais.

O relator, ministro Sidnei Beneti, não conheceu do recurso, acompanhando a súmula 283 do STF, que afirma que é inadmissível o recurso extraordinário quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles.

A decisão do Tribunal paulista está fundamentada no artigo 27 da lei 5.250/1967 (lei de imprensa clique aqui) e no artigo 5º da CF/88 (clique aqui). Na defesa, os advogados da TV Globo não citam a CF/88; apontam apenas o artigo 27 da lei de imprensa e os artigos 186 e 927 do novo CC (clique aqui).

Confira abaixo a decisão na íntegra.

_______________

RECURSO ESPECIAL Nº 1.193.782 - SP (2010/0084819-8)

RELATOR : MINISTRO SIDNEI BENETI

RECORRENTE : TV GLOBO LTDA

ADVOGADOS : JOSÉ PERDIZ DE JESUS E OUTRO(S)

RODRIGO NEIVA PINHEIRO E OUTRO(S)

RECORRIDO : RICHARD PAPILE LANEZA

ADVOGADO : LUIS HENRIQUE BARBANTE FRANZE

DECISÃO

1.- TV GLOBO LTDA interpõe Recurso Especial com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas "a" e "c" da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Rel. Des. ELCIO TRUJILLO), proferido nos autos de ação de indenização, assim ementado (e-STJ fls. 282):

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - IMPRENSA -Veiculação de informação inveridica - Negligência do querelado ao publicar matéria de interesse público sem necessária verificação da veracidade do fato - Responsabilidade da ré pelo ato ilícito caracterizada - Indenização devida - Valor a título de danos morais excessivo - Juros a partir do evento danoso -Súmula 54 do STJ - Atualização monetária a partir da fixação da indenização - Sentença parcialmente reformada – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

2.- Embargos Declaratórios e Infringentes do recorrido foram rejeitados (e-STJ fls. 314/318 e 354/365).

3.- A recorrente alega ofensa aos arts. 27, VI, da Lei n. 5.250/1967 (Lei de Imprensa), 186, 927, do Novo Código Civil. Aponta divergência jurisprudencial quanto à exclusão da responsabilidade dos meios de comunicação acerca de informações transmitidas por fontes oficiais.

Sustenta ausência de ilicitude e dano passível de indenização, porque No caso concreto, não foi a Recorrente a responsável por eventual dano causado à Recorrida. Muito pelo contrário, a TV Globo apenas veiculou informações públicas e oficiais passadas pelas maiores autoridades do assunto, quais sejam, representantes da ANVISA, do INMETRO e do próprio Ministro da Saúde (e-STJ fls. 374), sendo indevida a indenização de 100 salários mínimos a título de danos morais.

4. - Contrarrazoado (e-STJ fls. 442/447), o Recurso Especial (e-STJ fls. 368/378) não foi admitido (e-STJ fls. 449/451), tendo provimento o Agravo de Instrumento 1.221.647/SP, para melhor exame das questões suscitadas (e-STJ fls.486).

É o relatório.

5.- Não merece acolhida a irresignação.

6.- De início, ressalta-se que esta Corte, após o Supremo Tribunal Federal declarar que a Lei de Imprensa não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, estabeleceu os critérios a serem aplicados no julgamento dos Recursos Especiais nos quais essa matéria foi debatida, antes da não-recepção da Lei,cujo acórdão restou ementado nestes termos:

PROCESSO CIVIL. LEI DE IMPRENSA. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. PROCEDÊNCIA.RECURSO ESPECIAL VISANDO A REDUZIR A INDENIZAÇÃO COM FUNDAMENTO NO ART. 53, III, DA LEI DE IMPRENSA. HIPÓTESE EM QUE HOUVE IMEDIATA RETRATAÇÃO, POR PARTE DO JORNAL, QUANTO À NOTÍCIA REPUTADA OFENSIVA. NÃO-RECEPÇÃO DA LEI DE IMPRENSA, DECIDIDA PELO STF NO JULGAMENTO DA ADPF 130/DF. REPERCUSSÃO NOS PROCESSOS EM TRÂMITE.

- Com o julgamento, pelo STF, da ADPF 130/DF, que declarou não-recepcionada a Lei de Imprensa, é necessário estabelecer como deverá ser promovido o julgamento de recursos especiais nos quais essa matéria foi debatida, antes da não-recepção.Nesse sentido, quatro hipóteses podem ser identificadas:

(a) Processos em que a Lei de Imprensa foi utilizada como fundamento do acórdão e em que o recurso especial discute a interpretação e a aplicação dessa Lei;

(b) Processos em que a Lei de Imprensa foi aplicada e nos quais o recurso pleiteia o afastamento dessa Lei;

(c) Processos em que a Lei de Imprensa não foi aplicada pelo Tribunal e o recurso pleiteia que ela incida;

(d) Processos em que o acórdão ou o recurso contém duplo fundamento, ou seja: o mesmo resultado foi amparado por dispositivos da Lei Civil e da Lei de Imprensa.

- Em todas as hipóteses deve-se buscar, na máxima medida, o aproveitamento do recurso e o julgamento do processo. Assim, na primeira hipótese, de aplicação da Lei de Imprensa e de recurso discutindo-a, deve-se procurar decidir a causaaplicando o direito à espécie (art. 257 do RI/STJ).

- Na segunda hipótese, em que a parte pleiteia o afastamento da Lei de Imprensa aplicada pelo Tribunal, dá-se provimento ao recurso, salvo hipóteses excepcionais, privilegiando-se a aplicação da norma constitucional em detrimento da norma não recepcionada.

- Na terceira hipótese, em que a parte pleiteia a aplicação da Lei de Imprensa contra acórdão que não a aplicou, não se conhece do recurso especial, salvo alguma excepcionalidade a ser apurada em cada processo.

-Na quarta hipótese, de acórdão fundamentado concomitantemente pela Lei de Imprensa e por outra Lei válida,adora-se uma das seguintes providências:

(i) Se o duplo fundamento se refere ao mesmo tema e, no recurso especial, apenas a Lei de Imprensa tenha sido abordada no recurso, mantém-se o acórdão recorrido por força do óbice da Súmula 283/STF, privilegiando-se a aplicação, pelo Tribunal,da lei válida em detrimento da discussão da lei inválida;

(ii) Se o duplo fundamento se refere ao mesmo tema e só a parcela da legislação civil for impugnada, conhece-se do recurso especial para discussão desta parcela, descartando-se o fundamento inconstitucional não impugnado, no acórdão;

(iii) Se o duplo fundamento se refere a temas diversos, aprecia-se a questão caso a caso, anulando-se o acórdão somente se a aplicação da Lei de Imprensa, devidamente impugnada pela parte, comprometer de maneira definitiva o julgamento, privilegiando a manutenção da um acórdão fundamentado por Lei não-recepcionada.

-Na hipótese deste processo, a parte procura reformar o acórdão aplicando uma limitação disciplinada na Lei de Imprensa, enquadrando-se na segunda hipótese arrolada acima.

7. Extrai-se do acórdão recorrido que o Tribunal de origem decidiu a controvérsia assim (e-STJ fls. 283/284):

O recurso merece parcial provimento Busca o autor a reparação de danos morais por divulgação de informação inverídica prestada pelo réu ao colocá-lo como uma das empresas que teria a distribuição do seu produto, no caso, palmito de origem boliviana de marca "Lapap", interditada, considerados os surtos de botulismo registrados no Estado de São Paulo nos últimos anos.

Comprovou o autor que se diligenciou para provar que seu produto estaria isento de qualquer contaminação, realizando vários testes em laboratórios que constataram estar o produto próprio para consumo (fis 25/38), tendo consequentemente seu produto liberado pela vigilância sanitária para comércio e distribuição a partir de 10 de junho de 1 999 (fis 39/41).

Contudo, em 1o de agosto de 1 999, a re, através de seu programa "Fantástico", no quadro de testes realizados pelo "Inmetro", onde se verifica freqüentemente se determinados produtos estão próprios para consumo, divulgou o problema do botulismo, normalmente causado pelo consumo de palmitos, informando que principalmente quatro marcas de origem boliviana estariam comprometidas Colocou o alerta á população e acrescentou que o palmito destas quatro marcas, inclusive a marca "Lapap", do autor, nem entraram no teste do "Inmetro" por se encontrarem proibidas de comercialização no Brasil.

Acontece que na data da transmissão do programa, o produto do autor já se encontrava há algum tempo liberado pela vigilância sanitária para comercialização e distribuição.

Após a divulgação dessa informação negativa referente ao produto do autor, os seus clientes se recusaram a adquirir a mercadoria, dada a dúvida de sua qualidade.O autor alega que com a notícia inverídica u veiculada pela ré,foram violadas sua honra e imagem, gerando-lhe graves prejuízos de ordem moral.A ré alega que divulgou a informação com base em fontes oficiais, como aquela prestada pelo gerente da "Anvisa", através de fax encaminhado informando as quatro marcas bolivianas proibidas de comercialização (fls 137), corroborada pela declaração prestada pelo então Ministro da Saúde José Serra.Pela transcrição da entrevista, o Ministro da Saúde, colocou apenas de forma generalizada, sem mencionar especificamente as marcas, a preocupação em fiscalizar os produtos originários da Bolívia.

É certo que a divulgação, pela imprensa, de fato ocorrido, sem qualquer sensacionalismo ou afetação na privacidade e apenas com o intuito de informar dados verídicos, não gera indenização, se constituindo no seu dever de bem informar, dado o caráter de interesse público do qual se reveste a notícia, e que deve prevalecer sobre o interesse particular

A Lei n° 5 250/1967, em seu art 27 estabeleceu as causas justificadoras da manifestação do direito de crítica e do exercício regular do direito de informar ou narrar acontecimentos de interesse coletivo, nos limites do 'animus narrandi', as quais não constituem abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e da informação. A Constituição Federal, em seu artigo 5°, incisos IX e XIV, assegura a plena liberdade de informação e expressão, independentemente de censura No entanto, o mesmo texto constitucional também garante o direito à honra e à imagem através do mesmo artigo, no inciso X, tendo a mesma importância e relevância que a liberdade de informação. É sabido que do exercício desses direitos, de informar, de um lado e, de outro, o direito à honra e à imagem, podem surgir conflitos.A Constituição protege a ambos, e nenhum deles poderá ser anulado para que prevaleça o outro, deverá haver um equilíbrio, uma harmonização. Nos autos em questão, há de se reconhecer que a empresa apelante agiu de forma negligente. Vê-se que o acórdão tem duplo fundamento, na Lei de Imprensa e na Constituição Federal, no entanto a recorrente não interpôs Recurso Extraordinário, o que inviabiliza o conhecimento do Recurso Especial por aplicação da Súmula STF/283: É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles.

8.- Ante o exposto, nega-se seguimento ao Recurso Especial.

Intimem-se.

Brasília (DF), 19 de agosto de 2010.

MINISTRO SIDNEI BENETI

Relator

_______________

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