Intersecções entre o Direito e a literatura nacional
VIII - Críticas ao Tribunal do Júri
São todos crimes dolosos contra a vida e, por isso, consumados ou não, passíveis de serem julgados pela própria sociedade.
O julgamento do cidadão por seus pares começou no Brasil em 1822 e tinha por objetivo os crimes de imprensa.
Que perigo para este rotativo, dira o migalheiro !
O fato é que em 1824 o Tribunal do Júri teve sua esfera ampliada para julgar também as infrações civis e criminais. Mantida na Constituição de 1891 e nas demais Cartas e Emendas Constitucionais brasileiras que vieram posteriormente, o Tribunal do Júri permanece firme e forte até os dias de hoje.
José de Alencar, que foi um admirável bacharel em Direito, lançou em seus desconhecidos "Esboços Jurídicos", publicado postumamente em 1883, as críticas que julgava merecer a instituição em sua época.
Para ele, o princípio cardeal do júri estava comprimido por um acervo de formas nocivas, configurando-se como garantias inúteis e motivo de vexame. Embora julgasse a instituição como uma doutrina sã, lamentava o processo intrincado e vicioso que na época a estragava.
Vamos, então, aos temas ponderados pelo autor, capazes de revelar particularidades da Justiça praticada então e lançar lampejos de luz em tempos atuais :
Censo
"O julgamento do cidadão por seus pares, ou a sociedade julgada por si mesma, desapareceu desde que se excluiu uma parte da população de entrar na composição do tribunal".
A implantação do censo nos dias de Alencar havia restringido consideravelmente a base do júri, exigindo a lei, para o cargo de jurado, as condições do eleitorado. Para o bacharel, esse foi o primeiro erro da legislação. Em decorrência disso, ao invés de refletir a consciência pública, a decisão reproduziria apenas a solidariedade de uma classe, constituindo o que ele chamou de "tirania odiosa na distribuição da justiça".
Analisando de acordo com o período, é preciso notar que nem todos, naquele tempo, poderiam votar. Assenta-se aí a crítica de Alencar.
Ônus
"Outro erro foi inverter o caráter do júri, transformando um direito em ônus (...) O legislador brasileiro amesquinhou o júri, dando-lhe o caráter sempre repugnante de um ônus. O Código do Processo estabelecera a multa de 20$000 a 40$000 por cada falta não justificada do cidadão às sessões do júri – art. 333. Levará o rigor a ponto de inabilitar para os empregos públicos, aquele que recusasse o honroso cargo J.".
Acreditava nosso autor que o único meio infalível para radicar uma ideia no seio de qualquer povo era não degradá-la aos olhos do cidadão, pela compressão, mas, sim, enobrecendo-a elevando-a bem alto, pelo influxo da liberdade.
Vencimentos
"Realmente, o indivíduo que alimenta sua família com seu trabalho, há de sofrer uma, duas vezes no ano a perda de oito ou dez dias de vencimentos ; ou sujeitar-se à multa ; é uma capitação violenta, que, se continuar, destruirá completamente a instituição do júri em nosso país".
Queria o bacharel que o cidadão pudesse agir em liberdade e não sob compulsão. Incomodava-o igualmente que a provisão das famílias fosse prejudicada pela escolha do cidadão querer gozar de seus direitos, participando do júri. A atuação no júri, então, deveria ser remunerada. Mesma queixa faz Machado de Assis e uma de suas crônicas.
Fórmulas, incomunicabilidade e morosidade
"A legislação brasileira, para envolver a decisão dos jurados da maior reserva e segredo, adotou vários meios : o primeiro sorteio dos 48 jurados que devem formar o conselho geral ; o segundo sorteio dos 12 jurados para formar o conselho especial de julgamento ; a incomunicabilidade dos membros deste conselho, durante todo o processo, embora se prolongue, com há exemplo, cerca de 72 horas ; finalmente, a votação em conselho não só em lugar vedado, com por escrutínio secreto".
De acordo com o autor dos "Esboços Jurídicos", se o jurado fosse um homem bom, compenetrado em sua alta missão e dirigido por uma consciência reta, todo o aparato de fórmulas não serviria senão para fatigá-lo. Do contrário, se se tratasse de um mau homem, de índole pervertida, poderia impunemente, a salvo de qualquer responsabilidade moral, satisfazer seus instintos depravados.
Quanto à incomunicabilidade, se ela não existisse, o cidadão poderia estar sujeito a diversas correntes da opinião e a consciência do jurado, esclarecida por essa discussão prévia e espontânea, poderia decidir melhor.
Por fim, a morosidade fatigante. A leitura cansada de autos volumosos, a inquirição de testemunhas à tropelia e os debates intermináveis, no julgamento de Alencar, apenas servia para moer o tempo e a atenção dos jurados.
Uma reforma.
Não era outra coisa o que postulavam os "Esboços Jurídicos" de José Alencar.
Uma reforma capaz de libertar a legislação dos defeitos que a tolhiam e de restaurar o sistema representativo, pois para ele
"o parlamento, donde sai a lei ; é o cérebro da nação ; mas o júri, que pronuncia a sentença, é o coração da sociedade".
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