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IAB repudia PL que confere poder judicial à Fazenda

IAB - Instituto dos Advogados Brasileiros repudia PL 5080/09 de iniciativa do Poder Executivo que, conforme sua justificativa, pretenderia modificar, em sua quase totalidade, o processo de execução fiscal previsto na lei 6.830/80, conduzido por juiz, e, portanto, travestindo o processo judicial em processo administrativo, sob a regência das procuradorias Federais e Estaduais.

4/8/2010

Parecer

IAB repudia PL que confere poder judicial à Fazenda

O IAB - Instituto dos Advogados Brasileiros repudia o PL 5080/09 (clique aqui) de iniciativa do Poder Executivo que, conforme sua justificativa, pretenderia modificar, em sua quase totalidade, o processo de execução fiscal previsto na lei 6.830/80 (clique aqui), conduzido por juiz, e, portanto, travestindo o processo judicial em processo administrativo, sob a regência das procuradorias Federais e Estaduais.

A proposta do Poder Executivo está apontado no parecer da Prof.ª Dora Martins de Carvalho, presidente da comissão de Direito Civil do IAB - Instituto dos Advogados Brasileiros. A aprovação do plenário foi unânime na sessão ordinária de 28/7.

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INSTITUTO DOS ADVOGADOS BRASILEIROS

Indicação nº 009/2010

Autoria – Projeto de lei nº 5.080/ 2.009 do Poder Executivo Ementa – projeto de lei 5.080/2009,de autoria do Poder Executivo, que modifica a Lei 6.830 de 22.09.1980. Inconstitucionalidade.

1. O digno Sr. Presidente do IAB, Dr. FERNANDO FRAGOSO , envia para exame e parecer o projeto de lei 5.080/2009, que, por sua relevância, foi convertida na indicação acima enumerada.

2. O projeto de lei tem a seguinte ementa :

“ Dispõe sobre a cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública e dá outras providencias “

3. Esse projeto, de autoria do Poder Executivo, conforme sua justificativa, objetivaria, pretenderia modificar, em sua quase totalidade, o processo de execução fiscal da Lei 6.830, de 22 de setembro de 1980, conduzido por Juiz , e, portanto, travestindo, o processo judicial em processo administrativo, sob a regência das procuradorias federais e estaduais. E a justificativa é a de que , na atualidade, o processo judicial se reveste de excesso de formalismo e morosidade, o que enseja a existência, nos tribunais, de execuções fiscais equivalentes a mais de 50% (cinquenta por cento ) dos processos judiciais.

4. Nessa sequencia, o Poder Executivo, em trabalho da autoria do Ministro da Fazenda, Sr. Guido Mantega, e do então Sr. Procurador Geral, José Antonio Dias Toffoli, hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, oferecem o anteprojeto, convertido em projeto de lei 5.080/2.009 , ora na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.

5. Antes de iniciar nosso parecer, esclarecemos que o teor da a matéria, desde que veio a público em 2009, foi examinado no magnífico estudoo e parecer da OAB/S.Paulo, enviado à Câmara dos Deputados, e assinado pelos Advogados : i) Luiz Flávio Borges D’Urso, presidente da OAB/S.P.; ii), Walter Carlos Cardoso Hencia, Prof. Da PUC/S.P. e Presidente da Comissão Especial de Assuntos Tributários da OAB/S.P.'; iii) Ives Gandra da Silva Martins, Prof. Emérito da Universidade Prebisteriana Mackensie ; iv) André Ramos Tavares, Prof. de Direito Constitucional da USP –S.P.; v) Luis Eduardo Schoueri, Professor . Titular de Direito Tributário da USP/S.P.; e ainda vi ) Roque Antonio Carraza, Prof. Titular de Direito Tributário da `.U.C/S.P. ( cf. parecer publicado na Internet : WWW.conjur.com.br/parecer-poejuristas-execução administrativa-transação-fiscal )

6. Além do excelente parecer, dos juristas paulistas, há ainda naInternet, inúmeros outros estudos, como, por ex., dos Advogados Antonio Carlos da Cunha Gonçalves e Antonio Henrique Albani Siqueira . ( cf. Jus Navegandi nº 2447, de 14.03.2.010, disponível em https://jus2.uol.com.br/doutrina/texto ) Ou ainda entrevista, como a do Dr. Gilberto Fraga, membro da Comissão de Assuntos Tributários da OAB/RJ, concedida ao “ Consultor Jurídico “

7. E, de não menor importância, temos ainda, o conciso e bem lançado parecer do distinto colega e consócio do IAB , Dr. ARÃO LACHMAN, que foi apresentado, no mês de junho passado, ao Conselho de Assuntos Jurídicos e Tributários, da Associação Comercial do Rio de Janeiro, e aprovado por todos os seus membros, cuja cópia temos o prazer de fazer integrar o nosso parecer, conforme cópia xerox em anexo.

8. Elucide-se que os pareceres referidos, de diferentes autores, convergem para a mesma conclusão, qual seja, o da sua ostensiva inconstitucionalidade.. Registre-se, por igual, a manifestação do Sr. Procurador Chefe da Fazenda Nacional de São Paulo, Sr. José Roberto Marques Couto, o qual embora acolha, em termos, alguns aspectos do projeto, investe, contudo, contra a pretendida solução, para corrigir a morosidade judicial, eis que, na forma da redação do projeto, haverá maior demora na execução fiscal do que a que já existe; e que há, na verdade é a necessidade de maior e mais eficiente aparelhamento para as execuções, maior número de Juízes, e adequada estrutura cartorária. ( cf.síntese do trabalho no datafanning@ig.com.br- categoria- tributário )

9. Com esses esclarecimentos, passamos a dar o PARECER

10. A despeito do excesso de leis existentes, o que deve levar os Advogados e nossas entidades, a trabalho de consolidação de normas, e em que pese a simpatia com que, mesmo com esse excesso de leis, ainda , examinemos textos de projetos, data máxima vênia, o ora em foco peca por sua inaplicável justificativa e, mais grave, por sua ostensiva inconstitucionalidade.

11.. Senão, vejamos.

12. A principal – e única - efetiva alegação, para lastrear o projeto, é a morosidade do Poder Judiciário. ( cf. EM Interministerial nº 186/2008- MF/AGU, §§ 2, 3,, 4, 5, 6, 7, 8, 9,12, 13, 14, 29).

13. Ora bem, a morosidade do processo judicial decorre de diversos fatores. Entre estes pode-se citar as falhas nas petições iniciais, no mais das vezes, principalmente em processos fiscais, com erros tanto na forma quanto na substancia, sem conhecimento de causa e até desprovidos de sentido, e em desacordo com normas do próprio Fisco, ou em divergência com a Lei e julgados das Cortes Maiores.

14. Outro fator que pesa nessa morosidade, é oriunda da falta de estrutura nos Cartórios, falta de recursos humanos, tanto de juízes como de funcionários, e com juízes, por vezes, sem experiência anterior na advocacia e com poucos assistentes, e esses poucos ineficientes... Não desejando em absoluto generalizar, eis que ainda há grandes magistrados, , acrescente-se a esse rol de fatores, causadores da morosidade, tambem a existência de juízes negligentes, omissos, que não comparecem às audiências ou estão sempre atrasados etc. Enfim, há falta de recursos humanos, falta de estrutura física, falta de capacitação para a magistratura, e desorganização cartorial, fatores esses que conduzem ao excesso de processos e morosidade no andamento dos feitos .

Resume-se : há premente necessidade de melhoria na educação e na moral, na capacitação de magistrados, e no maior número de juízes, de aumento e melhoramentos nas estruturas e de maior volume de recursos.

15. E há soluções imediatas para isso.

16. Exemplificativamente, Advogados aposentados podem auxiliar no trabalho titanico dos bons juízes, ainda que com remuneração simbólica, como acontece, por ex., na Inglaterra. No tocante à educação, devem ser providenciados cursos de atualização, tanto para juízes e assessores, como de aprimoramento para os funcionários cartoriais, oficiais de Justiça etc. Com referência a estruturas, não há necessidade de se fazerem palácios, bastando uma boa estrutura física com o conforto adequado para seu funcionamento; e os recursos devem ser divididos de modo mais equânime em todo o Poder Judiciário. Como expressa o dito popular “Querer é poder “...

17. Enfim, não há nada no teor da justificativa que faculte o surgimento desse malfadado projeto de lei.

18. De fato, a leitura do texto mostra, desde logo, que a execução fiscal administrativa, como almejada, implanta uma transação fiscal, mediante transferência do patrimônio particular, privado para o patrimônio público e sem a interferência do Poder Judiciário ( cf. parecer da OAB/S.P., acima referido )

19. O projeto, nos primeiros artigos, dispõe sobre a dívida ativa da União Estados e Municípios, suas autarquias e fundações ; explicita que a dívida da Fazenda Pública, será apurada e inscrita pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional ; a dívida devida às autarquias e fundações públicas será apurada e inscrita pela Procuradoria Geral Federal; e aquelas devidas ao Banco Central serão apuradas e inscritas pela Procuradoria Geral própria. A seguir, esclarece sobre a inscrição dessas dívidas, teor da inscrição e sua certidão, que constituirá “... o título executivo apto a aparelhar a cobrança executiva do crédito público, bem como para a constrição preparatória ou provisória, no registro de imóveis, registro de veículos, ou registro de outros bens ou direitos sujeitos à penhora ou arresto”.( cf. arts. 1º e 2º )

20. A seguir, se esclarece que os atos de constrição, preparatória e provisória serão praticados pela Fazenda Pública, devendo o devedor ser notificado do inteiro teor da certidão da dívida. (cf. arts. 3º, 5º e 6º )

21. Essa constrição, como se infere pela leitura do projeto, e Arão Lachman registra no seu parecer, tem como objetivo a apreensão de bens suficientes para o pagamento da dívida e seus acessórios; a constrição é, na verdade , a mesma penhora do Código Processo Civil.

22. Paralelamente ao preparo dessa notificação, é feita uma investigação sobre o patrimônio dos devedores , em novo órgão, que , com mal gosto, será denominado “ Sistema Nacional de Informações Patrimoniais dos Contribuintes – S.N. I.P.C. “, que faz devassa total na vida do contribuinte.( cf. art. 4º )

23.. Preparada a notificação da constrição ao devedor, para pagar, aquela será feita por carta, “ presumindo-se válida a notificação entregue no endereço informado pelo devedor à Fazenda Pública ...”. e quando não recebida, nova notificação será feita, pessoalmente pelo oficial da Fazenda Pública, ou por edital.( cf. arts. 5º e 6º, § 1º e § 3º )

24. Pela leitura de apenas poucos artigos, já se infere, cristalinamente, que as atribuições do Poder Judiciário são transferidas para a área administrativa : a penhora, o edital, e a atribuição do Oficial de Justiça, passam para a incumbência do oficial administrativo, ao qual se confere, por cima, a fé pública...com poderes até de arrombamento...( cf. arts. 6º c/c art. 31, 32 e 33 )

25. Como também salienta Abrão Lachman, desperta atenção maior o fato do Fisco poder realizar a denominada “ constrição provisória” após o ajuizamento da execução fiscal “, ou seja, o Fisco atua com “manu militari “ no processo judicial, que é do Juiz...( cf. art. 15 , § 1º )

26. A devassa, - mais grave do que a da Inconfidência Mineira – avulta na faculdade dada ao Fisco de requisitar de pessoas jurídica, e/ou físicas, e de entes públicos quaisquer informes que sejam do seu interêsse... ( cf. art. 16 )

27. A denominada penhora “ on line “ será também atribuição da Fazenda Pública...E se houver penhora em percentual do faturamento da empresa, o representante legal da empresa deve prestar contas ao Fisco e não ao Juizo ...( cf. art. 17 ; art. 18 , § 1º )

28. Há mais dispositivos estranhos, como, por ex., aquele que permite que o Fisco emende a certidão mesmo depois de embargada judicialmente a execução, o que além de interferir na atuação do magistrado, resulta em tratamento desigual perante a Constituição Federal... Outro dispositivo mais estranho, é o que dispõe que, face a inexistência de bens para penhora, o juiz pode decidir pela baixa da execução, “ determinando a remessa dos autos à Fazenda Pública... A que propósito essa remessa de documentos, de autos do Poder Judiciário para repartição do Poder Executivo?( cf. arts 5º § 9 ; e. 21 )

29. Nessa sequencia de inovações infelizes, há ostensivo cerceamento de defesa, para os executados, no dispositivo que limita o oferecimento de exceções. ( cf. art. 22 § 2º e comparar com C.P.C. art. 618 ).

30. Há muitas outras observações no parecer do Dr. ABRÃO LACHMAN que põe em relevo a total injuricidade do projeto. Como o parecer do Dr. LACHMAN integra este, fazemos nossas tambem as suas bem alinhadas opiniões.

31. Resta, portanto, enfatizar, reiterar sobre a injuricidade do projeto.

32. Em primeiro, cumpre relembrar A.ROBERTO SAMPAIO DÓRIA quando expressa que as exações fiscais, opressões e revoltas, fontes de intranqüilidade, civilizam-se apenas quando surge o Estado de Direito (A.R. Sampaio Dória, “ Direito Constitucional Tributário e “ Due Processo f Law “ , Edit. Forense, 1986, 2ª. Ed., p.1 ).

33. Na atual conjuntura brasileira, de Democracia, que se diz plena..., caem mal projetos como esse, que ferem a Constituição Federal, mediante ofensa ao principio maior da divisão de poderes, tratam desigualmente as partes, cerceiam a liberdade do cidadão e ofendem a sua privacidade. E diante de inúmeras outras investidas contra a C. Federal , de autoria do Poder Executivo, indaga-se : estamos mesmo em Estado de Direito ? ( cf. exemplificativamente , Emenda Constitucional 62/2009, que altera a forma dos precatórios, o denominado P.E.C do “ calote “ ; o projeto de Lei Complementar 469/2009, que privilegia o pagamento de tributos em

desfavor de outros créditos e insere dispositivo novo no C.T.N., invertendo o ônus da prova, que é imposta ao administrador de empresa para provar que agiu de boa fé e diligenciou e, em não o fazsendo será co-reponsável com aquele que agiu mal...; ora, como provar que não se praticou algo ? )

34. Relembre-se que não há poder absoluto, e que o Poder Executivo não pode – e nem deve – obter benefícios e favores em seu próprio proveito, facultando arbitrariedades, incompatíveis com ao verdadeira democracia..

35. Os membros do Poder Executivo, como, de qualquer dos outros dois Poderes, estão sujeito a “ rule of the Law “, ou seja, devem se submeter à Lei.

36. E o princípio maior da Constituição, da divisão dos poderes, é principio fundamental, que exprime a atribuição das funções de cada Poder, Legislativo, Executivo e Judiciário, a órgãos diferentes, exceção feita ao Poder Judiciário. É principio sugerido por Aristóteles, concebido por John Locke, aprofundado por Montesquieu e J.J.Rousseau. ( cf. J.Afonso da Silva, “ Curso de Direito Constitucional Positivo “,Malheiros Editores Ltda., 9ª. Ed.1992, p.97/98 )

37. Essa tripartição de poderes é o princípio básico, essencial, fundamental no sistema de freios e contrapesos, no D. Anglo-saxão , o principio de “checks and balances “. Na nossa Constituição é cláusula pétrea, que não pode ser abolida ou alterada. ( cf. C.Fed. art. 2º ; art. 60, § 4º , inc. III )

38.. Contudo, na atualidade, o princípio não oferece a rigidez inicial, motivo pelo qual a Const. Federal expressa que os poderes da União “...são independentes e harmônicos entre si “ ( cf. C.Fed. art. 2º )

39. A independência concede autonomia aos órgãos dos Poderes que ficam livres no exercício de suas atribuições e serviços, observadas as disposições constitucionais . E a harmonia significa que os três Poderes devem manter entre si obediência aos direitos e deveres determinados constitucionalmente, significando que nenhum dos Poderes poderá ter domínio de um sobre o outro ou usurpar atribuições.

Resumindo : a Constituição Federal veda a que qualquer um dos três Poderes interfira na competência do outro

40. Ora, no projeto em exame, o Poder Executivo fere, ofende a Constituição : ao se arrogar atribuições do Poder Judiciário ao autorizar constrições por oficiais da Fazenda Pública, dando-lhes fé pública ; ao efetivar a execução patrimonial forçada, sem o crivo do Poder Judiciário ; ao cercear o direito de defesa do contribuinte , ao obrigá-lo a depositar valores, de imediato e administrativamente , que não pode suscitar inconstitucionalidade na esfera administrativa, sem o devido processo legal; e, assim por diante; e, por cima, o projeto sujeita esses atos apenas posteriormente ao Poder Judiciário, o que é inadmissível. ( C.Fed. arts. 1º, 2º; art. 5º, caput, incs. XXII, XXXV, LIV e LV ).

41. Concluindo, é nossa modesta opinião :

a) os projeto está eivado de vicios de inconstitucionalidade ;

b) os vícios de inconstitucionalidade obstaculizam sua conversão em Lei;

c) a lei deve estar sempre em perfeita consonancia com a Constituição Federal , tanto formal como materialmente ;

d) o projeto de lei, sob exame, tanto formal como materialmente é inconstitucional.

É a nossa opinião, S M..J.

Rio de Janeiro, 21 de julho de 2.010

Dora Martins de Carvalho

Advogada- OAB/RJ – 9.663 0

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