Migalhas Quentes

José de Alencar - intersecções entre o Direito e a literatura nacional - IV

2/8/2010


Intersecções entre o Direito e a literatura nacional

IV - Verso e Prosa no mundo do Direito

"Gastei uma hora pensando em um verso / que a pena não quer escrever.

No entanto ele está cá dentro / inquieto, vivo. ".

Carlos Drummond de Andrade

Por aflição parecida a de Drummond passou o autor de "O Diário de Lázaro", personagem de um dos Alfarrábios de José de Alencar.

Nosso protagonista é um estudante de Direito que sentia a pulsação viva da poesia sem saber ao certo como exprimi-la para a conformação de uma grande narrativa.

Buscava nas recordações históricas de Olinda, nas construções tombadas em pedras, algum tema possível, capaz de despontar na mente jovem o fio da trama que precisava armar.

Relatos de guerra, combates navais, a fundação da Vila... nada, entretanto, acendia-lhe como uma ideia inspiradora :

era justamente essa crônica do coração, esquecida pelos analistas do tempo, que eu pedia àquelas ruínas (...)

Quantas vezes sondei esses destroços de alvenaria, essas paredes nuas, procurando, nem sei o que, uma memória, um nome, uma inscrição, uma frase que me revelasse algum mistério, que me dissesse o epílogo de alguma lenda que a imaginação completaria!

Assim, aos dezenove anos, apanhou-se muitas vezes o estudante nas vigílias do estudo em "flagrante delito de literatura, a idear romances e fantasiar dramas, enquanto lá o outro, o estudante de carne e osso, tressuava às voltas com o Corpus Juris Civilis".

E essa "contravenção" não é isolada na obra de Alencar.

Com efeito, trata-se de reincidência, pois pousava também sobre Vaz Caminha, personagem de "As Minas de Prata", o mesmo sentimento amigo das letras.

Bacharel, mestre e doutor na jurisprudência, ele ganhou na sábia congregação de Coimbra a fama de "um dos mais profundos romancistas de seu tempo".

Todavia, Caminha não abandonou o Direito. Absorveu-se em escrever seu Comentário às Ordenações Manuelinas, obra que investigava as verdadeiras fontes do código do Direito português. Correram-se anos e longas vigílias até que os escritos estivessem prontos. Terminado o feito, considerou o jurisconsulto que aquele era, sem dúvida, "o maior serviço que podia prestar ao seu país".

E o fato de termos bacharéis mais apaixonados pela literatura do que pelo Direito ganha depois, com Machado de Assis, personagens célebres.

Interessados no profícuo resultado que pode ter a união entre Direito e Literatura, convidamos todos os migalheiros a enviar o verso inquieto e vivo que, conforme bem expressou Drummond, por vezes nos inunda a alma.

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Intersecções entre o Direito e a literatura nacional

II - A lei de Talião em O Guarani

"- A mais bela de sua tribo."

Foi assim que José de Alencar resumiu em uma frase os encantos da índia Aimoré, fatalmente atingida pela espingarda de Dom Diogo.

Este, por sua vez, era filho do fidalgo português Dom Antônio de Mariz, residente no Brasil desde que Portugal perdera sua independência política em 1580.

O trágico episódio narrado em O Guarani aconteceu no fim da lua das águas, quando uma tribo de Aimorés deixou as eminências da Serra dos Órgãos para fazer a colheita dos frutos e preparar os vinhos, bebidas e diversos alimentos de que costumava fazer provisão.

Enquanto os selvagens tratavam de seus afazeres às margens do rio Paraíba, Dom Diogo, acompanhado de dois aventureiros, se embrenhava pela floresta. Caçava. Na voz de Alencar, a casualidade do fato :

"o moço ia atirar a um pássaro, e a índia que passava nesse momento, recebera a carga da espingarda e caíra morta".

O capricho do caçador, que não desejava perder sua pontaria, terminava tristemente com a morte da índia.

Findava uma vida, começava uma guerra.

Diante do corpo caído sobre o solo, Dom Diogo volveu um olhar piedoso. Enquanto isso seus companheiros riram do acontecido, caçoando da mira falha e desdenhando a qualidade da caça que o nobre cavalheiro havia escolhido.

A "caça", porém, era "uma bela índia, cuja posse se disputavam todos os guerreiros aimorés; seu pai, o chefe da tribo, sentia o orgulho de ter uma filha tão formosa, como a mais linda seta do seu arco, ou a mais vistosa pena do seu cocar".

Não demorou para que a tragédia viesse ao conhecimento da família da jovem índia. Os selvagens haviam encontrado o corpo e reconhecido o sinal mortífero da bala. Logo teve início a procura pelos caçadores. E a vingança não tardaria.

Conhecido o assassino, os indígenas passaram a rondar a habitação de Dom Antônio, e vendo sair da casa as duas moças filhas do fidalgo decidiram pela aplicação da lei de talião, o único princípio de Direito e Justiça que conheciam. José de Alencar explica com simplicidade o raciocínio selvagem : "tinham morto sua filha; era justo que matassem também a filha do seu inimigo; vida por vida, lágrima por lágrima, desgraça por desgraça".

E toda tribo Aimoré teria de fato se levantado contra a casa do fidalgo não fosse a lealdade do índio Peri, ou mais precisamente sua adoração por Ceci, filha de Dom Antônio e alvo da ameaça.

Embora o espetáculo da morte da jovem índia, ao qual na artimanha do escritor Peri tinha presenciado como uma testemunha muda, o entristecesse profundamente, fazendo-lhe lembrar de sua tribo, de seus irmãos que ele havia abandonado há tanto tempo, e que naquela hora podiam ter sido a vítima dos conquistadores de sua terra, Cecília era sua senhora, alguém para quem devia viver a fim de salvá-la. De modo que Peri cumpriu o seu dever para com aquela que julgava ser a própria mãe das águas, Ceci.

Não houve guerra. Mas houve mortes. De fato, para que a notícia sobre a índia não alcançasse o restante da tribo, silenciou Peri toda a família da jovem. Por vezes agiu em defesa de Ceci, a fim de poupar-lhe a vida em vista de emboscadas ; por vezes perseguiu o perigo selvagem, a fim de eliminar-lhe a vida antes que a perda da jovem chegasse aos ouvidos Aimorés.

Bem maior que a vingança da tribo ou a identidade selvagem do índio, falou mais alto no coração nobre de Peri a adoração por sua Ceci.

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