Excesso de linguagem
STJ anula decisão de pronúncia por excesso de linguagem de juiz de SC
Em setembro de 2005, em Florianópolis, Valmir Gonçalves, conhecido como Miró, entrou em luta corporal com Carlos Alberto, matando-o a facadas. Durante a briga, agrediu a esposa da vítima, empurrando a mulher contra um portão. Miró foi denunciado pelos crimes previstos no artigo 121 do CP (clique aqui) e aguarda julgamento pelo tribunal do júri.
Inconformada com o teor da decisão de pronúncia, na qual o juiz teria se excedido na linguagem, utilizando juízo de valor que poderia influenciar os jurados que irão compor o Conselho de Sentença, a defesa de Miró recorreu ao TJ/SC. Entretanto, o TJ/SC não acolheu a tese de constrangimento ilegal e da nulidade da sentença, mantendo-a integralmente.
Os advogados de Miró apelaram, então, ao STJ, alegando ser "flagrante o excesso de linguagem utilizada pelo juízo singular". De acordo com o pedido, a forma como a decisão foi redigida prejudicaria a defesa, pois teria se aprofundado no exame das provas e exposto a convicção do magistrado sobre as circunstâncias dos fatos descritos na denúncia. Em face dessas irregularidades, pedido de habeas corpus requereu a suspensão dos prazos recursais até o julgamento definitivo do recurso e a concessão da ordem para que fosse decretada a nulidade da sentença de pronúncia. No pedido, foi solicitada, ainda, a elaboração de uma nova decisão provisional.
Em seu voto, o ministro Jorge Mussi, relator do processo, explicou que os jurados podem ter acesso aos autos e, consequentemente, à sentença de pronúncia do réu. De posse da sentença e do relatório do processo, feito por escrito pelo juiz, os jurados podem se situar no cenário do caso a ser julgado e dirigir perguntas às testemunhas e ao acusado. "Nesse caso, é mais um fator para que decisão de juízo singular seja redigida em termos sóbrios e técnicos, sem excessos, para que não se corra o risco de influenciar o ânimo do tribunal popular, bem justificando o exame da existência ou não de vício na inicial contestada", disse o ministro.
Para o relator, os argumentos da defesa de Valmir Gonçalves procedem. "Baseado nas considerações feitas e na leitura da peça processual atacada, verifica-se que, na presente hipótese, o juízo singular manifestou verdadeiro juízo de valor sobre as provas produzidas nos autos, ao expressar, claramente e de forma direta, que seria impossível o acolhimento da tese de legítima defesa. Desse modo, afrontou a soberania dos veredictos da corte popular ao imiscuir-se no âmbito de cognição exclusivo do tribunal do júri".
Ao concluir o voto, o ministro ressaltou que, "sem sombra de dúvida", a decisão de pronúncia, de fato, se excedeu ao aprofundar a análise do conjunto de provas, invadindo a competência constitucional atribuída ao tribunal do júri, que julga os crimes dolosos contra a vida. "O juízo singular teceu manifestações diretas acerca do mérito da acusação capazes de exercer influência no espírito dos integrantes do Conselho de Sentença, principalmente em razão da falta de cuidado no emprego dos termos, sendo constatado o alegado excesso de linguagem na decisão singular, motivo pelo qual se vislumbra o aventado constrangimento ilegal".
O relator concedeu o pedido de habeas corpus em favor de Miró, para anular a decisão de pronúncia, determinando que outra seja proferida com a devida observância dos limites legais. O voto do ministro foi acompanhado pelos demais ministros da 5ª turma.
Confira abaixo a decisão na íntegra.
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Processo Relacionado : HC 142803 - clique aqui.
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HABEAS CORPUS Nº 142.803 - SC (2009/0142829-4)
RELATOR : MINISTRO JORGE MUSSI
IMPETRANTE : LEONARDO P DE OLIVEIRA PINTO E OUTROS
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
PACIENTE : VALMIR GONÇALVES
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar, impetrado em favor de VALMIR GONÇALVES, contra acórdão proferido pela Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina que, ao negar provimento ao Recurso em Sentido Estrito n. 2008.050717-5, manteve a decisão de pronúncia pela qual o paciente foi dado como incurso nas sanções dos artigos 121, caput, e 129, § 1º, inciso I, ambos do Código Penal.
Sustenta o impetrante que o paciente é vítima de constrangimento ilegal, argumentando que o decisum que pronunciou o paciente é nulo, por ser flagrante o excesso de linguagem utilizado pelo Juízo sentenciante, altercando que a forma como foi redigida a decisão provisional prejudicaria a defesa, uma vez que adentra em aprofundado exame de prova e expõe a convicção do magistrado sobre as circunstâncias do fato descritos na denúncia.
Requer, assim, o deferimento da liminar para que sejam suspensos os prazos recursais até o julgamento definitivo deste writ, e a concessão da ordem, para que seja decretada a nulidade da sentença de pronúncia, pleiteando a renovação da decisão provisional ora impugnada.
É o relatório.
Não obstante a excelência dos argumentos expostos pelo impetrante, inviável acolher-se a medida sumária almejada, pois a fundamentação que lhe dá suporte, qual seja, a nulidade da sentença de pronúncia em razão do alegado excesso de linguagem, confunde-se com o mérito do habeas corpus, o qual, sem sombra de dúvida, diante dos elementos colacionados, exige exame mais detalhado, que se dará por ocasião da apreciação definitiva do mandamus .
Além disso, não se pode olvidar a peculiaridade e especialidade no procedimento referente à apuração dos crimes dolosos contra a vida que, diferentemente do rito ordinário, demanda a execução prévia de diversos atos processuais, motivo porque não se mostra razoável e oportuna a suspensão dos prazos recursais da ação penal em tela.
É cediço que o deferimento do pleito liminar em sede de habeas corpus, em razão da sua excepcionalidade, enseja a comprovação, de plano, do alegado constrangimento ilegal, com a necessária demonstração dos requisitos inerentes às medidas cautelares, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora, o que não se verifica na hipótese em apreço.
Ante o exposto, indefere-se a liminar.
Solicitem-se, com urgência e via telex, informações à autoridade impetrada, e para que esta providencie junto ao Juízo de Primeiro Grau os esclarecimentos necessários ao deslinde da questão.
Após, encaminhem-se os autos ao Ministério Público Federal.
Publique-se e intimem-se.
Brasília, 29 de agosto de 2009.
MINISTRO JORGE MUSSI
Relator
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