Migalhas Quentes

José de Alencar - intersecções entre o Direito e a literatura nacional - III

José de Alencar em ação com bacharel. Conheça na matéria de hoje a defesa do jurisconsulto numa das mais conturbadas questões pelas quais passou o país.

30/7/2010


Intersecções entre o Direito e a literatura nacional

III - Liberdade do corpo, liberdade da alma

Senhores de terra e escravos, sinhás e mucamas. Relações que se estabeleceram em anos de escravidão no país são abordadas por José de Alencar em romances regionalistas como "O Tronco do Ipê" e "Til".

Além da literatura, expressou o autor sua posição quanto à discussão acerca da abolição da escravatura, que se travava no plano da realidade, na esfera política da época.

O combate à emancipação direta, feita por José de Alencar, foi interpretado como uma tendência retrógrada de seu espírito.

O deputado cearense, então, logo tomou a palavra e explicou os motivos que o levaram a colocar-se contra a ideia que seguia coroada pelos gabinetes.

Com a palavra, o nobre deputado :

O sr. José de Alencar - "Senhores, combatendo a ideia da emancipação direta perante o parlamento, devo repelir uma pecha que os mais intolerantes promotores da propaganda costumam lançar sobre aqueles que, como eu, têm levantado a voz para protestar energicamente contra a imprudência e precipitação com que se iniciou esta reforma.

Entretanto, senhores, nesta luta que infelizmente se travou no país, a civilização, o cristianismo, o culto da liberdade, a verdadeira filantropia estão do nosso lado. (Muitos apoiados da oposição). Combatem por nossa causa (Apoiados).

São eles que nos inspiram esta calma e firmeza de convicção, que não se assusta com as ameaças do poder; e não se irrita com as injustiças de seus imprudentes amigos (Muitos apoiados da oposição).

Vós, os propagandistas, os emancipadores a todo o transe, não passais de emissários da revolução, de apóstolos da anarquia. (Apoiados da oposição).

Os retrógrados sois vós, que pretendeis recuar o progresso do país, ferindo-o no coração, matando a sua primeira indústria, a lavoura (Muitos apoiados da oposição).

E senão, comparemos. Vede o que vós quereis, vede o que queremos nós.

Vós quereis a emancipação como uma vã ostentação. Sacrificais os interesses máximos da pátria a veleidades de glória. (Muitos apoiados da oposição). Entendeis que libertar é unicamente subtrair ao cativeiro, e não vos lembrais de que a liberdade concedida a essas massas brutas é um dom funesto, é o fogo sagrado entregue ao ímpeto, ao arrojo de um novo e selvagem Prometeu ! (Muitos apoiados da oposição)

Nós queremos a redenção de nossos irmãos, como a queria o Cristo. Não basta para nós dizer à criatura, tolhida em sua inteligência, abatida em sua consciência :

- ‘Tu és livre ; percorre os campos como uma besta-fera...

Não, senhores, é preciso esclarecer a inteligência embotada, elevar a consciência humilhada, para que um dia, no momento de conceder-lhe a liberdade, possamos dizer:

- ‘Vós sois homens, sois cidadãos. Nós vos remimos não só do cativeiro, como da ignorância, do vício, da miséria, da animalidade em que jazíeis!

Vozes da oposição – Muito bem !

O sr. Gama CerqueiraA razão vos fará livre é o que se quer.

O sr. Presidente do Conselhoo status quo não é cidadão.

O sr. José de Alencar – Eis o que nós queremos. É a redenção do corpo e da alma; é a reabilitação da criatura racional; é a liberdade como símbolo da civilização, e não como um facho de extermínio.

Queremos fazer homens livres, membros úteis da sociedade, cidadãos inteligentes, e não hordas selvagens atiradas de repente no seio de um povo culto".

A solução que José de Alencar desejava para a questão da abolição era, certamente, impraticável. O próprio tempo veio demonstrar-lhe que errara em seu devaneio, mas, mostrou igualmente que não andaram totalmente certos os interlocutores do deputado.

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* Matéria produzida com base na obra "O espelho das grandes vidas – a vida de José de Alencar", de Oswaldo Orico.

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