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Em discurso de posse, Fernando Fragoso defende a independência do IAB para pleno exercício dos objetivos acadêmicos

O advogado e professor titular de Direito Penal, no Rio de Janeiro, Fernando Fragoso, tomou posse da presidência do Instituto dos Advogados Brasileiros, IAB, na última sexta-feira, 14/5. Veja abaixo o discurso de posse.

17/5/2010


Nova presidência

Em discurso de posse, Fernando Fragoso defende a independência do IAB para pleno exercício dos objetivos acadêmicos

O advogado Fernando Fragoso tomou posse na presidência do IAB - Instituto dos Advogados Brasileiros na última sexta-feira, 14/5.

 

 

 

 

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INSTITUTO DOS ADVOGADOS BRASILEIROS

Presidente FERNANDO FRAGOSO

14 de maio de 2010

Vivemos nesta bela noite a solenidade de transferência de comando da mais antiga e tradicional entidade da advocacia brasileira, cerimônia que resulta da mais salutar reafirmação do princípio democrático da alternância no poder. É consequente a uma disputa eleitoral ampla, livre, que contou com a participação maciça de inédita quantidade de membros efetivos, em todo o país, os quais, por significativa e eloqüente maioria, estão a exigir da nova diretoria a consecução do compromisso de avanço construtivo e restaurador.

Agradeço, em nome de meus queridos parceiros agora empossados, a confiança que nos depositam os membros do Instituto, que, de nós, esperam a renovação da Casa fundada em 1843 e cujo primeiro presidente foi Francisco Gê Acaiaba de Montezuma. Daí porque denominamos o Instituto dos Advogados Brasileiros de Casa de Montezuma.

Proclamados os resultados, ao cabo daquela natural conflagração de ideias e propostas, está encerrada a disputa e aqui nos encontramos para dizer à Nação que somos uma indissolúvel união de advogados. Todos nós – não mais considerados vencidos ou vencedores – estaremos movidos, intransigentemente, pelo ânimo de realizar o estudo do Direito, difundir o conhecimento jurídico, trabalhar pela realização da justiça social, pela preservação dos direitos humanos e do Estado Democrático de Direito.

Instituto e Ordem dos Advogados têm história em comum. O primeiro foi fundado tendo como objetivo principal a futura criação da segunda. Ao longo de décadas, tem sido harmônico o relacionamento entre estas entidades, cada qual trilhando seu caminho e levando adiante seus objetivos estatutários e legais. São, no entanto, órgãos independentes, que se devem absoluto respeito.

Seria indébita a interferência de uma em questões internas de outra. Por seus próprios e gloriosos passados, as duas instituições devem-se mútuo auxilio que transcende as vontades pessoais de seus dirigentes.

Conclamo, por conseguinte, o universo de membros do Instituto ao trabalho comum, assim entendido como exercício concreto do dever, que o grau de bacharel em Direito nos impõe, de buscar o aperfeiçoamento da ordem jurídica em nosso país. Precisamos recuperar, em sua plenitude, o espaço e o acatamento que nossa centenária instituição ocupava e merecia na cena jurídica.

E, para isto, mister que nossas portas estejam abertas para a manifestação e a produção intelectual de variada origem, sem preconceitos doutrinários, filosóficos ou políticos.

Uma Casa que estará sempre totalmente franqueada ao debate sério, sem sectarismo, sem compromissos com interesses ideológicos e disputas político-partidárias. A advocacia exige competência e independência, para o exercício reto de seus compromissos com a sociedade civil, não importa quem se encontre no exercício dos poderes da Republica.

Nas suas manifestações, deve o advogado ser inteiramente livre, para poder ser completamente escravo do dever profissional. O único juiz de sua conduta há de ser a própria consciência. Desta forma, é inadmissível que os órgãos que nos congregam atuem em dissonância com esta exigência.

A independência do Instituto dos Advogados Brasileiros é indispensável ao efetivo exercício de nossos objetivos acadêmicos e constitui o marco da reconquista de estreito relacionamento com o Congresso Nacional e com a comunidade jurídica, a ser fixado em bases de excelência, tecnicamente sólidas e construtivas. O IAB há de retomar o lugar que historicamente ocupou, de efetivo contribuinte da produção legislativa, tanto que reúne o melhor patrimônio da cultura jurídica de nosso país. Seja pela qualidade intelectual de nossos associados, seja pelo excepcional acervo de nossa preciosa biblioteca.

Enorme será o esforço deste compromisso. O desafio que se apresenta para a diretoria está na recuperação da participação do corpo de associados, restaurando-lhes a antiga fibra para o trabalho cultural.

Meus caros colegas: não basta escolher aquela que lhes pareça ser a melhor proposta para os órgãos diretivos de nossa entidade, senão que haja, no voto, adicionalmente, o comprometimento com o desenvolvimento do Instituto.

Plenário e Comissões haverão de reforçar suas tradicionais atividades, recuperando vida plena! Nossos associados esperam que rompamos as tradições de prorrogação de nomeações. Queremos todos na atividade, notadamente o retorno de muitos valorosos colegas que, ao longo do tempo, foram nos deixando.

Animem-se! Animem-se, porque eu e meus diretores estamos plenos deste ânimo e repletos de esperanças.

Queremos ampliar fartamente o quadro de membros, pois não temos atraído, na quantidade desejável, a excepcional geração de mestres e doutores, que as faculdades de Direito do país têm laureado.

O saudoso amigo, presidente Paulo Eduardo de Araújo Saboya, honrou-me no inicio de seu mandato com o convite para tomar as rédeas da Comissão Permanente de Direito Penal. E foi uma experiência formidável porque conseguimos reunir jovens penalistas, advogados militantes, magistrados, defensores públicos, professores, e inscrevê-los no IAB. Aqui, unidos a antigos membros, realizamos, sem modéstia, um dos melhores trabalhos da história desta Casa, elaborando, em reuniões quase semanais, durante vários meses, um parecer completo e acabado, já remetido ao Senado Federal, com sugestões e críticas, ao vasto projeto de Código de Processo Penal.

Se conseguirmos desenvolver idêntica atração para reacender cada uma de nossas Comissões Permanentes, aí teremos pavimentado o caminho de recomposição plena da produção intelectual que almejamos.

Iremos interagir com as Universidades. Apresentar nosso Instituto aos estudantes, realizando projetos comuns com as direções das faculdades de direito. Posso adiantar que já iniciamos contatos com diretores e professores, alguns dos quais integrantes do IAB, todavia nunca chamados a este padrão de parceria. De todos ouvi entusiasmada receptividade e promessa de intercâmbios.

É nosso firme propósito manter com a Ordem dos Advogados o mais estreito relacionamento, em todos os níveis, oferecendo propostas de trabalho comum, como, por exemplo, com as Escolas Superiores de Advocacia e nos disponibilizando para atividades no campo cultural e no campo institucional, no interesse da classe e da sociedade.

Estimo e aspiro, na nossa administração, uma atividade real, concreta, de dentro para fora e permitindo o mais amplo vínculo com entidades da sociedade civil e segmentos culturais para adequada produção conjunta de trabalhos interdisciplinares. Sairemos ao encontro destas entidades, propondo e aderindo a seminários, debates, mesas redondas.

Os recursos da informática, cuja base técnica já está bem avançada por obra excelente das diretorias antecedentes, precisarão ser utilizados não só como órgão de divulgação de nossas atividades, mas especialmente para colher iniciativas e sugestões de nossos associados, estudantes, professores e dos variados operadores da ciência jurídica. Aqui e em outros Estados da Federação. Nossas reuniões e palestras podem ser, via internet, levadas a um universo de pessoas. Assim como importadas as participações externas para completa circulação da informação e da cultura. E, assim, creio, imprimiremos visibilidade satisfatória, de modo a estimular o melhor e mais amplo debate no ambiente científico.

Tantos e tão importantes temas de interesse nacional estão a demandar a atenção e a atividade dos juristas. De pronto, cabe citar reformas na legislação tributária, na legislação trabalhista e sindical. A reestruturação do Estado é tema urgente e já tarda. Há nítidas evidências de que a desordem nestes setores emperra a vida nacional e retarda o desenvolvimento do país.

É grave a preocupação com as atuais propostas de alteração das regras nos procedimentos judiciais, que visam abortar os recursos, impedindo o acesso às instâncias superiores, com a imposição de requisitos cada vez mais inatingíveis ao recorrente.

Os tribunais adotaram como defesa, para sua morosidade e reclamada eficiência, a inculpação da advocacia como obstáculo à realização de justiça rápida. É preciso que se dê resposta a esta injusta acusação. Não podemos aceitar a imputação, quando está claro que o Judiciário precisa adequar-se, a cada instante, às novas demandas da sociedade, ao invés de profligar por diminuição de recursos, como meio de desafogar seus serviços, causando, aí sim, obstáculo à garantia constitucional de exercício da cidadania.

Não culpem os advogados pelas mazelas da Justiça. Não queiram limitar, como pretende o legislador, a abrangência do habeas corpus. Não queiram flexibilizar o tratamento das nulidades que se verifiquem na produção da prova e na condução dos processos. Não se permita que a investigação sobre uma pessoa seja iniciada pela violação às garantias constitucionais de sigilo de comunicações, e das informações pessoais do pretenso suspeito.

Esperamos que cessem os procedimentos sigilosos, que relembram as investigações administrativas da execrável Comissão Geral de Investigação, criada nos negros tempos da ditadura militar. Hoje existem, tendo curso freqüente e incompreensivelmente numeroso, medidas cautelares postas em Juízo, desconhecidas do investigado e do próprio advogado que pretenda identifica-las. Delas se dá noticia, apenas, depois do objetivo consumado. E não raro após o decurso de vários meses. Anote-se que a ditadura não ousou utilizar o aparelho judiciário para autorizações de investigações secretas.

As reformas reclamadas não podem estreitar os caminhos para o Judiciário e muito menos o exercício da mais ampla defesa, com todos os meios a ela inerentes. Desde a Carta de João Sem Terra, o processo é a principal arma dos oprimidos contra os opressores. As reformas devem ter em mira o atendimento ao jurisdicionado e não o esvaziamento dos trabalhos dos Tribunais.

Desta nossa Casa de Cultura haverá voz permanente e altiva, fiel às suas melhores tradições e a seus deveres para com a Nação. Não somos servidores da legalidade vigente, pois isto nos transformaria em servos do poder. Nosso compromisso é com o aprimoramento da ordem legal vigente, o que nos põe em luta constante contra o arbítrio, a prepotência e a tirania.

Nosso compromisso é com o Estado de Direito e com o império da lei. Ela impõe a independência do Legislativo e do Judiciário, bem como a preservação da dignidade humana como valor supremo, assegurando-se o substrato moral das leis.

Nosso compromisso, senhores, é com um sistema de legalidade democrática, que corresponde à nossa vocação libertária!

Como dizia Edmond Picard, nossa profissão é o ideal de uma vida ativa, nobre e independente, inspirada por mentalidade crítica e combativa. E, sobretudo, pelos ideais do direito e da justiça, sem os quais os advogados se transformam em homens de negócios. Por isto mesmo se exalta, como qualidade marcante do advogado, a coragem, junto aos grandes ideais da profissão, a integridade, a competência e a dedicação ao serviço dos outros.

Frequentemente se exige, como parte integrante do ministério dos advogados, a “noble véhémence” e a “sainte hardiesse”, a nobre veemência e a santa ousadia, de que falava Séguier.

Exercemos os advogados uma doce e amarga profissão, como gostava de dizer o saudoso criminalista Serrano Neves, que tanto honrou a tribuna da defesa nos fóruns deste Estado. É doce quando temos consciência de concorrer para a realização da justiça, mesmo quando a sentença nos é desfavorável. E é amarga quando perdemos as causas imperdíveis, quando estamos certamente com o direito e não convencemos o julgador. Ou quando o processo já está previamente julgado e decidido, sendo o julgamento apenas um jogo de cartas marcadas.

É amarga esta profissão ainda quando o advogado é indevidamente confundido com o seu cliente, e não raramente com ele açoitado por certa parcela da mídia, que se atribui poder judicante, pretendendo exercer indébita pressão sobre a magistratura. Não toleramos julgamentos pela mídia e estaremos lado a lado com a Ordem dos Advogados na defesa da advocacia.

Agradeço, em nome dos antigos e novos dirigentes do Instituto dos Advogados Brasileiros, a prestigiosa presença de todos, certos de que nos enchem de alegria e estímulo.

Guardarei na minha memória esta noite impecável, com os sentimentos e a ternura que me inspiram os meus familiares, amigos e colegas, porque me fazem muito feliz por te-los junto a mim. Sinto-me no auge de minha carreira, e contando a idade com que, há exatos 25 anos, faleceu meu pai, que foi membro do Conselho Superior deste Instituto.

Gostaria, por fim, de dizer que, ao final desta noite, ao me deitar, estou certo de que ouvirei a fala, comovida, deste pai, exemplo permanente da batalha diária em que se constitui nossa vida de advogados, e de fé na justiça e na democracia.

Muito obrigado! posse na íntegra.

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