Terceirização
TRT se manifesta de forma favorável à terceirização de mão-de-obra de concessionária de serviços públicos
Ao reformar decisão que reconheceu vínculo empregatício entre a CPFL e um eletricista, a juíza relatora Andrea Gueldi Cunha, do TRT da 15ª região, se manifestou de forma favorável à terceirização de mão-de-obra de concessionária de serviços públicos.
Para a relatora, "havendo previsão legal para o uso da terceirização, evidente que a contratação de trabalhadores por empresas interpostas jamais poderia ser considerada ilegal."
Ainda de acordo com o voto da juíza, a lei 8.987/95, que disciplina as concessões de serviços públicos, permite a terceirização de atividade-meio, quando se estiver diante de concessão ou permissão de serviço público.
O escritório J. Bueno e Mandaliti Sociedade de Advogados atuou no caso, pela CPFL.
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Leia abaixo na íntegra a decisão.
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PROCESSO TRT/15ª REGIÃO - CAMPINAS - Nº 01666-2007-001-15-00-4
RECURSO ORDINÁRIO
1º RECORRENTE: ITRON SISTEMAS E TECNOLOGIA LTDA.
2º RECORRENTE: COMPANHIA PAULISTA DE FORÇA E LUZ - CPFL
RECORRIDO: A. R. DE Q.
ORIGEM: 1ª VARA DO TRABALHO DE CAMPINAS
JUIZ SENTENCIANTE: CARMEN LUCIA COUTO TAUBE
Da r.sentença prolatada às fls. 210/222, cujo relatório adoto, complementada pela decisão de fls. 262/263 e que julgou parcialmente procedente o pedido formulado por A. R. de Q. na reclamação trabalhista que move em face de Companhia Paulista de Força e Luz – CPFL e Itron Sistemas de Tecnologia ltda., as reclamadas interpuseram recurso ordinário, sendo a 2ª reclamada com as razões de fls. 265/290 e a 1ª reclamada com as razões de fls. 304/338 .
A 2ª reclamada alegou é incorreto o reconhecimento de vínculo diretamente com a 1ª reclamada; que a CPFL tem por objeto social a “produção, a transmissão, a transformação e a distribuição de energia elétrica nas áreas de concessão legal”; que o contrato de terceirização de prestação de serviços de medição de energia elétrica firmado entre as reclamadas possui objeto lícito; que os serviços prestados pelo reclamante estão diretamente ligados ao objeto social da recorrente; que 90% dos clientes da recorrente são companhias de energia elétrica; que havia subordinação e pessoalidade somente com a 2ª reclamada, não tendo havido fraude na contratação; que não houve terceirização de atividade-fim; que é inaplicável o acordo coletivo de trabalho juntado pelo reclamante com a inicial, porque o reclamante não foi empregado da CPFL; que o reclamante sempre recebeu vale-transporte e vale-refeição; que os valores recebidos pelo reclamante a este título devem ser deduzidos, sob pena de enriquecimento ilícito; que deve ser conferida validade ao acordo de compensação de horas celebrado entre o reclamante e a 2ª reclamada, afastando-se a condenação ao pagamento de horas extras; que o reclamante gozava de 1h12min de intervalo e não apenas de 1h, como reconhecido na sentença; que a prova oral demonstrou que os eletricistas que prestam serviços para a recorrente não eram submetidos a procedimentos de alta tensão, ou seja, com tensão superior a 1.000 volts em corrente alternada ou 1.500 volts em corrente contínua; que o reclamante não se enquadra na aplicação da NR 10; que não houve prova de que o reclamante tenha sofrido dano moral em razão da suposta violação de norma regulamentadora; que são indevidos honorários advocatícios; que deve ser excluída da condenação a multa imposta em sede de embargos declaratórios.
Procuração à fl. 183 pela 2ª reclamada.
Depósito recursal à fl. 291 (2ª reclamada). Custas pagas à fl. 292 (1ª reclamada).
À fl. 293 foi denegado processamento ao recurso ordinário interposto pela 2ª reclamada com fundamento no art. 518 do CPC.
A 1ª reclamada alegou ser parte ilegítima para figurar no pólo passivo da ação. Disse que firmou contrato com a 2ª reclamada para a “realização de serviços de visita às unidades consumidoras a serem inspecionadas, inspeção do padrão de entrada e do sistema de medição de energia elétrica das unidades consumidoras ligadas em baixa e média tensão”; que a 1ª reclamada não tem qualquer responsabilidade trabalhista pelos empregados contratados pela 2ª reclamada; que os serviços contratados com a 1ª reclamada são especializados e ligados à atividade meio da recorrente; que houve contratação lícita entre as empresas, inexistindo subordinação ou pessoalidade direta com a 1ª reclamada, o que exclui a hipótese de responsabilidade solidária; que não houve relação de emprego entre reclamante e 1ª reclamada, já que o autor foi contratado sem qualquer interferência da recorrente; que o art. 71 da Lei 8666/93 exonera a recorrente de responsabilidade trabalhista; que é possível a terceirização de “atividades inerentes” na forma da Lei 8987/95; que é inaplicável a norma coletiva trazida com o autor na inicial; que o labor desenvolvido pelo reclamante era externo, sem possibilidade de controle de jornada; que “deveria o Recorrido comprovar que os reflexos do adicional de periculosidade não foram quitados pela 2ª reclamada, ônus que lhe incumbia, nos termos do art. 818 da CLT e 333, I do CPC”; que, como não houve vínculo empregatício com a recorrente, não pode ser condenada ao pagamento dos reflexos do adicional de periculosidade; que não houve demonstração de prejuízo moral sofrido pelo reclamante; que não devem ser concedidos ao autor os benefícios da justiça gratuita; que não são devidos honorários advocatícios; que o cômputo da correção monetária deve observar os parâmetros da Súmula 381 do C. TST; que as contribuições previdenciárias e fiscais são de responsabilidade exclusiva do empregador.
Procuração à fl. 122 e substabelecimento à fl. 342 pela 1ª reclamada.
Pela 1ª reclamada houve comprovação do depósito recursal à fl. 339 e de custas processuais à fl. 340.
Em sede de agravo de instrumento, esta 7ª Câmara destrancou o processamento do recurso ordinário interposto pela 2ª reclamada (fls. 365/366)
Não foram apresentadas contrarrazões.
Os autos não foram remetidos ao Ministério Público nos termos dos artigos 110 e 111 do Regimento Interno do E.TRT da 15ª Região.
É o relatório.
V O T O
ADMISSIBILIDADE
Conheço dos recursos interpostos, eis que preenchidos os pressupostos de admissibilidade de ambos os apelos.
MATÉRIA COMUM A AMBOS OS RECURSOS
Vínculo empregatício – Terceirização – Responsabilidade trabalhista
Na inicial, o reclamante disse que foi contratado pela 2ª reclamada (ITRON), mas prestava serviços à 1ª reclamada, CPFL, nas funções de eletricista, realizando serviços de ligação, religação e desligamento de consumidores monofásicos, bifásicos e trifásicos. Alegou que laborava em tarefas pertinentes à atividade-fim da CPFL e pleiteou o reconhecimento de vínculo empregatício com a tomadora de serviços.
Seu pedido foi acolhido em 1ª Instância ao fundamento de que, realizando “serviços de inspeção da medição em unidades consumidoras, regularização da medição e cálculos para fins de cobranças de consumos irregulares (fl. 149)”, o reclamante trabalhava em atividade-fim da 1ª reclamada, que “é a distribuição de energia elétrica, não havendo como se negar a ocorrência de terceirização de serviços diretamente relacionados à atividade fim dessa demandada” – fl. 212.
Ambas as reclamadas interpuseram recurso ordinário em face da decisão que reconheceu a existência de vínculo empregatício diretamente com a CPFL.
Razão lhes assiste.
Consigno, nesta oportunidade, que reformulei posicionamento anteriormente adotado a respeito desta mesma questão.
A CPFL contratou a 2ª reclamada, atualmente denominada ITRON para os seguintes serviços, conforme fl. 149:
• Visita às unidades consumidoras (UC’s) a serem inspecionadas com base nas informações fornecidas pela CPFL;
• Inspeção do padrão de entrada e do sistema de medição de energia elétrica das unidades consumidoras ligadas em baixa e média tensão;
• Registro dos resultados das inspeções realizadas nos sistemas computacionais da CPFL (encerramento de Ordens de Serviços);
• Correção das instalações inspecionadas pela contratada que apresentaram irregularidades com repercussão financeira;
• Cálculo e cobrança dos valores decorrentes de casos de procedimento irregular encontrados nas inspeções feitas pela contratada ou pela CPFL.
A terceirização é possível, ainda que nas atividades acima especificadas, porque há lei expressa estabelecendo tal faculdade à concessionária de serviços públicos.
O art. 25, parágrafo 1º da Lei 8. 987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, previsto no art. 175 da Constituição Federal, assim estabelece:
Art. 25. Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade.
§ 1o Sem prejuízo da responsabilidade a que se refere este artigo, a concessionária poderá contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como a implementação de projetos associados.
§ 2o Os contratos celebrados entre a concessionária e os terceiros a que se refere o parágrafo anterior reger-se-ão pelo direito privado, não se estabelecendo qualquer relação jurídica entre os terceiros e o poder concedente.
§ 3o A execução das atividades contratadas com terceiros pressupõe o cumprimento das normas regulamentares da modalidade do serviço concedido. (grifei e negritei)
É bem verdade que a Súmula 331 do C. TST somente prevê a possibilidade de terceirização nos casos de trabalho temporário, serviços de vigilância, de conservação e limpeza ou atinentes a serviços especializados, não atinentes à atividade-fim do tomador de serviços. Confira-se:
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993). (grifei)
Uma segunda leitura da Súmula 331 do C. TST, contudo, permite concluir que o posicionamento daquela Corte é no sentido de que, inexistindo lei autorizando a contratação por empresa interposta, o vínculo de emprego forma-se diretamente com o tomador dos serviços.
Todavia, no caso em debate, e como já mencionado alhures, há norma expressa a respeito. Havendo previsão legal para o uso da terceirização, evidente que a contratação de trabalhadores por empresas interpostas jamais poderia ser considerada ilegal.
Veja-se que, ao ser editada a Súmula 331 pelo C. TST, ainda não se cogitava de legislação específica sobre terceirização na concessão de serviços e obras públicas (Leis 8987/95 e 9074/95, com as modificações da Lei 9648/98).
A Constituição Federal (art. 175) permite a prestação de serviços públicos diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão. O parágrafo único do art. 175 remete à legislação ordinária a definição do “I - regime das empresas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II- os direitos dos usuários; III – política tarifária; IV- obrigação de manter serviço adequado.”.
Pois bem. A Lei 8987/95 é a norma que, de forma consonante com a Carta Magna, define o regime de concessão e permissão dos serviços públicos. E permite que a concessionária contrate com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido.
Inerente é ínsito, inseparável, imanente.
Nessa medida, é permitida a terceirização de atividade-meio, quando se estiver diante de concessão ou permissão de serviço público, nos termos autorizados pela Lei 8987/95.
Lanço mão dos ensinamentos de Eurico de Andrade Azevedo e Maria Lúcia Mazzei de Alencar (in “Concessão de Serviços Públicos”, Malheiros Editores, 1998) que, discorrendo sobre a terceirização referida na Lei 8987/95, consignam:
“Embora se considere a concessão como um contrato intuitu personae, a lei admite contratação de terceiros para a execução de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, desde que o concessionário continue responsável pela execução de seu objeto e a natureza deste o permita.
A subcontratação parcial do objeto do contrato sempre foi admitida no direito administrativo, principalmente para as atividades acessórias ou complementares. E permitida expressamente no art. 72 da Lei 8666/93.
Atividades acessórias ou complementares são aquelas que seguem ou completam a principal (...). A inovação consiste em se permitir a subcontratação de atividades inerentes à concessão. Inerente significa ínsito, dentro do ser. No caso, atividade inerente é aquela diretamente relacionada com a própria execução do serviço (...). Os contratos celebrados entre o concessionário e terceiros reger-se-ão pelo direito privado. Essa é a regra para os ajustes administrativos em geral quando ocorre subcontratação parcial do objeto do contrato. O parágrafo 2º do art. 25 ressalta que não haverá vínculo de qualquer espécie entre o poder concedente e o terceiro contratado, o que é repetido no parágrafo único do art. 31.
Em qualquer hipótese, porém, mesmo sendo o contrato firmado com terceiros de natureza nitidamente privada, as atividades nele previstas ficarão sujeitas às cláusulas regulamentares ou de serviço estipuladas para a concessão. A subcontratação insere-se na concessão e, consequentemente, submete-se a todas as suas regras. Não se admite que o terceiro possa executar, a seu modo, o serviço público. Ao contrário, deverá fazê-lo segundo os preceitos fixados pela Administração”.
O Colendo Tribunal Superior do Trabalho parece trilhar do mesmo entendimento, conforme se verifica das ementas a seguir transcritas. Veja-se que, embora os arestos digam respeito às empresas de telecomunicações, o dispositivo legal neles analisado (art. 94, II da Lei 9472/97) também fala da possibilidade de terceirização das atividades “inerentes”. Portanto, o posicionamento da Corte Superior Trabalhista em tais casos serve para informar o intérprete a respeito do alcance da expressão “atividades inerentes”, que consta do art. 25 da Lei 8987/95.
TELEMAR. VÍNCULO DE EMPREGO. EMPRESA DE TELECOMUNICAÇÕES. INSTALAÇÃO E RECUPERAÇÃO DE TELEFONES. TERCEIRIZAÇÃO DAS ATIVIDADES. LEI 9.472/97. LICITUDE.
I. Nos termos do art. 60 da Lei 9.472/97 - Lei Geral das Telecomunicações - , as atividades desenvolvidas na instalação na recuperação de telefones não podem ser consideradas atividade-fim de uma empresa de telecomunicações, conquanto sejam a ela relacionadas.
II - Quis o legislador, no caso específico das telecomunicações, ampliar o leque das terceirizações, liberando a empresa para a prestação do serviço público precípuo, que é a transmissão, emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza. Nesse diapasão é o art. 94 da Lei 9.472/97, que, ao estipular os requisitos do contrato de concessão do serviço de telecomunicações, permite a terceirização inclusive em atividades-fim. Assim, mesmo que se entenda que as atividades desenvolvidas pelo reclamante, na instalação e/ou na recuperação de telefones, sejam consideradas atividade-fim da empresa de telecomunicações, mesmo assim é permitida, segundo a Lei Geral das Telecomunicações a terceirização dessas atividades.
III - Não pode o intérprete distanciar-se da vontade do legislador, expressa no sentido de permitir as terceirizações de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados (art. 94 da Lei 9.472/97). A expressa disposição de lei impede, no caso, o reconhecimento de fraude na terceirização. Recurso de Revista de que se conhece e a que se nega provimento. Acórdão 5ª Turma, PROC: RR - 347/2005-003-17-00, publicado no DJ de 18/04/2008, Relator Ministro João Batista Brito Pereira. (grifei)
RECURSOS DE REVISTA. TERCEIRIZAÇÃO. EMPRESA DE TELECOMUNICAÇÕES. ATIVIDADE-FIM. AUTORIZAÇÃO LEGAL. SÚMULA Nº 331, III, DO TST.INAPLICABILIDADE.
I. A decisão recorrida reveste-se de verdadeiro matiz fático, de remoldura refratária no âmbito de cognição desta Corte, a teor da Súmula nº 126 do TST, pois reconhece a Turma julgadora, com base no laudo pericial, que os serviços prestados pela TELEMAR se enquadram na atividade-fim, na qualidade de empresa do ramo das telecomunicações, embora entendendo inaplicável a orientação da Súmula nº 331, III, do TST, em face da existência de legislação própria que autoriza a terceirização das atividades essenciais no ramo das telecomunicações, fato que, por si só, infirma a tese de afronta aos artigos 1º, IV, da Constituição Federal e 9º da CLT. II. Não se constata a pretendida contrariedade ao preceito da Súmula nº 331, III, do TST, pois o Regional, após apresentar vasta explanação com o intuito de conceituar o termo atividade-fim, concluiu que as atividades exploradas pela concessionária são essenciais, não adentrando na discussão acerca da ilegalidade da terceirização, afastando a incidência, à hipótese, do item III da citada Súmula, que condiciona a terceirização à realização de serviços ligados à atividade-meio do tomador, declarando a existência de dispositivo legal expresso autorizando a terceirização na atividade-fim dos serviços de telecomunicação, conforme dispõe o artigo 94, II, da Lei nº 9.472/97, imprimindo, dessa forma, razoável interpretação à norma legal, a incidir o óbice da Súmula nº 221 do TST ao conhecimento do recurso de revista e a afastar, mais uma vez, a alegada ofensa aos artigos 1º, IV, da Constituição Federal e 9º da CLT. III. Não é discernível, igualmente, violação à literalidade do artigo 166, II, do Código Civil, pois, além de a decisão regional está respaldada no preceito da Lei acima referida, nada se discutiu acerca da invalidade do negócio jurídico, vindo a calhar a orientação da Súmula nº 297 do TST. IV. O recurso não se habilita ao conhecimento, ainda, à luz da alínea a do artigo 896 da CLT, porque carece da observância ao disposto na Súmula nº 337, item I, do TST, pois os arestos colacionados ora não trazem a fonte oficial nem o repositório autorizado em que foram publicadas, exigência contida na alínea "a", ora deixam de observar a letra "b", segundo a qual é imprescindível, à comprovação de dissensão pretoriana, que a parte transcreva, nas razões recursais, as ementas e/ou trechos dos acórdãos trazidos à configuração do dissídio, comprovando as teses que identifiquem os casos confrontados, ainda que os acórdãos já se encontrem nos autos ou venham a ser juntados com o recurso, afastando-se a alternativa de o Tribunal incursionar pelos termos da decisão recorrida e dos arestos paradigmas com o objetivo de dilucidar a ocorrência da indigitada dissensão. V. Recurso não conhecido. PROC: RR - 4661/2002-921-21-00, publicado no DJ em 08/02/2008, Acórdão da 4ª Turma, Relator Ministro Barros Levenhagen.
Assim, diante de tais fundamentos, excluo da condenação o reconhecimento de vínculo diretamente com a 1ª reclamada, CPFL.
Remanesce a apreciação do pedido subsidiário formulado pelo reclamante na inicial (item 2 de fl. 06), de responsabilidade subsidiária da tomadora dos serviços.
Neste particular, assiste razão ao reclamante.
Oportuno esclarecer, inicialmente, que a responsabilidade subsidiária decorre da terceirização lícita, no caso de descumprimento das obrigações contratuais por parte da prestadora de serviços.
Portanto, não se questiona aqui a ilegalidade da terceirização, mesmo porque, a própria Súmula 331, em seu item III, admite a contratação de serviços não atinentes a atividade fim da tomadora, de forma terceirizada.
No mais, o inciso IV da Súmula 331 do C. TST revela o seguinte entendimento: “o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei 8666/93)”.
Ora, a 2ª reclamada contratou a 1ª reclamada para a prestação de serviços terceirizados, acima arrolados.
Assim, a responsabilidade da tomadora tem cunho eminentemente fático. Decorre do simples fato da terceirização. Ainda que ao contratarem a terceirização estipulem expressamente a ausência de responsabilidade do tomador de serviços, este responderá judicialmente na hipótese de inadimplência da prestadora.
Como tem reconhecido a melhor doutrina e a jurisprudência predominante, o item IV da Súmula 331 do C. TST tem respaldo legal nos artigos 186 e 927 do Código Civil, que por sua vez veicula a regra mater da responsabilidade aquiliana ou extracontratual. Desse modo, não infringe o princípio constitucional da legalidade (art. 5º, II, da Constituição Federal), pois tem esteio na lei e vislumbra a responsabilidade daquele que age ou se omite por culpa in eligendo.
Em relação à culpa in vigilando, nunca é demais lembrar que deveria a empresa contratante exigir, antes do pagamento de cada fatura mensal, os comprovantes de recolhimentos dos depósitos de FGTS e das contribuições ao INSS, além dos demais encargos sociais. Deveria ainda, na condição de tomadora de serviços, acompanhar o horário de trabalho dos trabalhadores, verificando se estes se ativavam em sobrejornada e se havia satisfação pecuniária das horas extras (ou compensação, mediante regular pactuação), controlar o pagamento e a fruição de férias, enfim, o cumprimento integral das obrigações decorrentes dos contratos laborais. Não o fazendo, pode responder por sua incúria.
Assim, a 1ª reclamada, CPFL, deve responder, embora subsidiariamente, pelos débitos da 1ª reclamada.
Em virtude da manutenção do contrato de trabalho firmado com a 2ª reclamada, excluo da condenação, como consequência lógica, o pagamento de diferenças salariais, participação nos lucros e resultados, vale-refeição, vale-alimentação e gratificação de férias. Isto porque, as normas coletivas juntadas aos autos com a inicial não se aplicam ao contrato de trabalho do autor, porque celebradas entre a CPFL e o sindicato representante da categoria profissional.
Duração do trabalho - Horas extras e intervalo intrajornada
A 2ª reclamada se insurge contra a condenação ao pagamento de horas extras e reflexos, alegando que deve ser conferida validade ao acordo de compensação de horas celebrado entre as partes. Ainda afirmou que o reclamante gozava de 1h12min de intervalo e não apenas de 1h, como reconhecido na sentença.
A 1ª reclamada também impugna a condenação por sobrejornada afirmando que o labor desenvolvido pelo reclamante era externo, sem possibilidade de controle de jornada, na forma do art. 62, II da CLT.
Embora o reclamante laborasse externamente, era perfeitamente possível o controle de sua jornada de trabalho.
O próprio preposto da 2ª reclamada afirmou “que o reclamante preenchia horário de entrada em uma filha e o horário de saída quando terminavam o serviço, exceto intervalo”.
Ademais, o reclamante iniciava e encerrava sua jornada de trabalho no estabelecimento do empregador, o que torna perfeitamente possível a aferição dos extremos da duração do labor.
Se não bastasse, a 1ª testemunha do reclamante afirmou que “entravam às 07h30 para retirar as OS’s [ordens de serviço], pegar o carro na empresa e retornaram às 17h30, oportunidade em que acertavam alguma irregularidade no preenchimento dos termos e saiam, em média, por volta das 18h00”.
Até mesmo a testemunha da reclamada informou que “retira o serviço na base às 07h30; saem com 30 OS’s, sendo que tem que cumprir pelo menos 15, e retornam à base às 17h30”.
No que concerne ao intervalo intrajornada, a sentença reconheceu a existência uma hora e a 2ª reclamada pretende que seja fixado gozo de 1h12min por dia.
Não lhe assiste razão.
O documento de fl. 199, juntado aos autos pela própria 2ª reclamada, indica que o intervalo para refeição seria de uma hora.
Ademais, embora a testemunha da empresa tenha sido que “a empresa determinava 01h12 para refeição e repouso”, esclareceu que “nunca trabalhou com o reclamante”. Some-se a isto a informação da testemunha do autor no sentido de que “a empresa orientava para que fosse usufruído 01h00 de almoço.”
Finalmente, não assiste razão à 2ª reclamada ao argumentar com fundamento no acordo para compensação de horas celebrado entre as partes. Em primeiro lugar porque o acordo foi estabelecido com validade de apenas 60 dias. Em segundo lugar porque, de antemão, já estabeleceu cumprimento de jornada de trabalho superior a 44 horas.
Assim, rejeito a alegação e mantenho a condenação ao pagamento das horas extras excedentes da 8ª diária e 44ª semanal.
Indenização por dano moral
A douta juíza sentenciante condenou as reclamadas ao pagamento de indenização por dano moral, no valor de R$ 5.000,00, ao fundamento de que a reclamada descumpria os termos da NR 10, não disponibilizando ajudante ao reclamante, nas operações com cargas elétricas.
O reclamante fundamentou sua pretensão no descumprimento dos itens 10.7.3 e 10.7.4 da NR 10, que transcrevo adiante:
10.7.3 Os serviços em instalações elétricas energizadas em AT, bem como aqueles executados no Sistema Elétrico de Potência – SEP, não podem ser realizados individualmente.
10.7.4 Todo trabalho em instalações elétricas energizadas em AT, bem como aquelas que interajam com o SEP, somente pode ser realizado mediante ordem de serviço específica para data e local, assinada por superior responsável pela área.
Data venia do posicionamento da douta juíza sentenciante, entendo que a atitude da reclamada não gerou, por si só, abalo de ordem moral ao reclamante. Trata-se do descumprimento de norma regulamentadora, que enseja penalidade administrativa, mas que não induz à conclusão de que o reclamante tenha sido violado em sua dignidade.
Bem por isso, dou provimento ao apelo para excluir da condenação o pagamento de indenização por dano moral.
Honorários advocatícios
Data maxima venia do entendimento externado pelo douto juízo de origem, o argumento de que a verba honorária é devida como indenização de despesas com advogado, nos termos do art. 389 e 404 do CC não se sustenta.
Em Processo do Trabalho somente são devidos honorários advocatícios quando o trabalhador encontra-se assistido pelo Sindicato da Categoria Profissional e ainda assim quando receber remuneração inferior a dois salários mínimos ou ainda quando for pobre, na acepção jurídica do termo, declarando, sob as penas da lei, não possuir, em razão dos encargos próprios e familiares, condições econômicas de prover à demanda (Lei 5584/70 e Súmulas 219 e 329 do TST), o que não é o caso dos autos.
Tampouco o reclamante faz jus ao pagamento de indenização por perdas e danos, na forma do art. 404 do CC, pelos fundamentos indicados na ementa a seguir transcrita, que adoto como razões de decidir:
DANOS MORAIS E MATERIAIS. CONTRATAÇÃO. ADVOGADO. JUSTIÇA TRABALHISTA.
Ex-empregado de concessionária de telefonia postula indenização por danos morais e materiais pelos gastos despendidos com a contratação de advogado e assistente pericial em reclamação trabalhista. Nas instâncias ordinárias, o juiz julgou improcedente o pedido, mas o TJ deu provimento parcial a sua apelação para a concessionária indenizá-lo pela contratação do advogado e do assistente de perito. Inconformada, a concessionária interpôs o recurso especial. Para o Min. Relator, é incabível a indenização por danos materiais em razão de contratação de advogado para o ajuizamento de reclamação trabalhista, porque descaracterizado qualquer ato ilícito. As verbas discutidas na Justiça Trabalhista eram controvertidas e somente se tornaram devidas após o trânsito em julgado da sentença, o que afasta qualquer alegação de ilicitude, geradora do dever reparatório. Observa que entender de forma diversa significaria o absurdo da prática de ato ilícito diante de qualquer pretensão resistida questionada judicialmente e cada ação iria gerar uma outra de ressarcimento de verba honorária. Consignou ainda que o art. 791 da CLT permite, inclusive, a reclamatória sem assistência de advogado, o que demonstra também a impertinência de o empregador vencido arcar com a obrigação da contratação particular do ex-empregado. Com esse entendimento, a Turma conheceu em parte do recurso e, nessa parte, deu-lhe provimento. Precedente citado: REsp 1.027.897-MG, DJ 10/11/2008. REsp 1.088.998-MG, Relator Ministro Aldir Passarinho Junior, julgado em 23/04/2009.
Assim, dou provimento ao recurso neste particular, para excluir da condenação o pagamento dos honorários advocatícios.
RECURSO DA ITRON
Multa – Embargos declaratórios
Não assiste razão à 2ª reclamada.
Os embargos declaratórios somente têm pertinência quando na decisão houver omissão, contradição ou obscuridade.
As matérias levantadas pela 2ª reclamada em seus embargos declaratórios não apontavam quaisquer dos vícios acima mencionados.
A bem da verdade, a reclamada queria a reforma da sentença.
Em sede de embargos declaratórios pretendeu discutir critérios de aferição da prova produzida.
Não havia contradição na decisão prolatada, contrariamente ao que foi sustentado pela 2ª reclamada naquela oportunidade. Como é sabido, a contradição que enseja a interposição de embargos de declaração é aquela existente entre os próprios termos da decisão e não aquela supostamente ocorrida entre o teor da prova produzida e a solução jurisdicional ou mesmo desta em comparação à norma legal posta.
Evidentemente foram protelatórios os embargos de declaração apresentados na origem e, portanto, está correta a imposição de multa.
Mantenho.
RECURSO DA CPFL
Ilegitimidade de parte
As condições da ação (possibilidade jurídica do pedido, legitimidade das partes e interesse de agir) devem ser aferidas abstratamente e, no caso em tela, estão presentes.
As partes constantes do processo correspondem aos titulares do direito material discutido em juízo, havendo pertinência subjetiva da ação.
Rejeita-se, assim, a preliminar ofertada.
Responsabilidade subsidiária - Extensão
Quanto à responsabilidade pelo pagamento de verbas previdenciárias e trabalhistas, inclusive multas, verbas rescisórias, horas extras, etc, a recorrente confunde o critério de responsável com o de devedor.
A expressão “obrigações trabalhistas”, constante no item IV da Súmula 331, do C.TST, tem sentido amplo, abrangendo não só os títulos devidos ao empregado, como eventuais multas legais ou convencionais, relativamente aos créditos devidos ao empregado.
Se lhe foi atribuída a responsabilidade subsidiária, não há que se questionar se as verbas, uma a uma, seriam exigíveis da tomadora de serviços porque elas, primitivamente se constituem obrigação do devedor principal e, em decorrência da subsidiariedade, são exigíveis do responsável nos casos de inadimplemento, inclusive quanto às obrigações de fazer, que se convertem em indenização.
Reflexos do adicional de periculosidade
A 1ª reclamada sustenta que “deveria o Recorrido comprovar que os reflexos do adicional de periculosidade não foram quitados pela 2ª reclamada, ônus que lhe incumbia, nos termos do art. 818 da CLT e 333, I do CPC”.
Não lhe assiste razão.
A prova de pagamento incumbe àquele que o faz, nos termos do art. 464 da CLT. E, no caso em tela, apurou-se que não houve comprovação de pagamento de todos os reflexos do adicional de periculosidade.
Justiça gratuita
O autor alegou, sob as penas da lei, ser pobre na acepção jurídica do termo, juntando declaração aos autos, em observância aos termos da Lei 7115/83.
Assim, está correta a concessão dos benefícios da justiça gratuita ao reclamante.
Correção monetária
A 1ª reclamada alega que o cômputo da correção monetária deve observar os parâmetros da Súmula 381 do C. TST.
A 1ª reclamada não tem interesse recursal porque a sentença dispôs que deverá ser observada a OJ 124 da SDI-1 do C. TST, que foi convertida na atual Súmula 381 do TST.
ISTO POSTO, decido conhecer do recurso interposto por ITRON SISTEMAS E TECNOLOGIA LTDA. e COMPANHIA PAULISTA DE FORÇA E LUZ – CPFL e a eles dar parcial provimento para: a) excluir da condenação o reconhecimento de vínculo diretamente com a 1ª reclamada (CPFL) e fixando sua responsabilidade subsidiária pelos créditos do reclamante; b) excluir da condenação o pagamento de diferenças salariais, participação nos lucros e resultados, vale-refeição, vale-alimentação e gratificação de férias; c) excluir da condenação o pagamento de indenização por dano moral; d) excluir da condenação o pagamento dos honorários advocatícios, nos termos da fundamentação.
ANDREA GUELFI CUNHA
Juíza Relatora
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