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Para magistrado da 2ª vara da Fazenda Pública de SP, lei municipal que institui a inspeção veicular é constitucional

O magistrado Marcelo Sergio, da 2ª vara da Fazenda Pública de SP, ao julgar improcedente ação movida por uma motorista contra a prefeitura, entendeu que a lei municipal que instituiu a chamada inspeção veicular é constitucional.

11/2/2010


Inspeção veicular

Para magistrado da 2ª vara da Fazenda Pública de SP, lei municipal que institui a inspeção veicular é constitucional

O magistrado Marcelo Sergio, da 2ª vara da Fazenda Pública de SP, julgou improcedente ação movida por uma motorista contra a prefeitura e entendeu que a lei municipal que instituiu a chamada inspeção veicular é constitucional.

A autora da ação argumentou que a competência para legislar sobre o tema seria exclusiva da União, além de haver ofensa ao princípio da isonomia, na medida em que apenas os carros fabricados entre 2003 e 2008 e licenciados na cidade de São Paulo estariam sujeitos à inspeção.

Segundo o juiz, "a inspeção veicular foi instituída com o objetivo de melhorar o meio ambiente, cuja competência, nos termos do art. 23, inc. VI, da CF, é comum à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios."

E completou, "de toda sorte, a Lei Federal nº 10.203, de 22 de fevereiro de 2001, dando nova redação ao art. 12, da Lei Federal nº 8.723, de 28 de outubro de 1993, estabeleceu, no § 2º, que os Municípios com frota igual ou superior a três milhões de veículos poderão implantar programas próprios de inspeção periódica de emissões de veículos em circulação, competindo ao Poder Público Municipal, no desenvolvimento de seus respectivos programas, estabelecer processos e procedimentos diferenciados, bem como limites e periodicidades mais restritos, em função do nível local de comprometimento do ar."

Veja abaixo a decisão na íntegra :

____________

JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

COMARCA DE SÃO PAULO

2ª VARA DE FAZENDA PÚBLICA

SENTENÇA

Processo: 053.09.021433-4 - Procedimento Ordinário

Requerente: R. R. M.

Requerido: Prefeitura Municipio de São Paulo

C O N C L U S Ã O

Em 15 de janeiro de 2010, vieram estes autos conclusos.

Vistos.

R. R. M., qualificada na inicial, ingressou com ação declaratória, cumulada com indenização por danos morais, contra a Municipalidade de São Paulo, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, tachando de inconstitucional a Lei Municipal nº 11.733, de 27 de março de 1995, com a redação conferida pela Lei Municipal nº 14.717/08, que instituiu a chamada inspeção veicular no Município de São Paulo.

Argumenta que a competência para legislar sobre o tema seria exclusiva da União, além de haver ofensa ao princípio da isonomia, na medida em que apenas os carros fabricados entre 2003 e 2008 e licenciados na cidade de São Paulo estariam sujeitos à inspeção.

Haveria, ainda, no entender da Autora, ofensa ao princípio da razoabilidade, pois os veículos mais poluidores ficariam dispensados da inspeção.

Entende, também, que inviabilizar o licenciamento em razão da ausência de inspeção ofenderia o direito de propriedade.

Relata que, por não ter conseguido proceder ao licenciamento, teve que transitar com o veículo sob o risco de ser multado e apreendido, o que lhe causou perturbação de ordem moral.

Pede, ao final, a procedência da pretensão para declarar a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 14.717/08 e para condenar a Ré ao pagamento de indenização pelo dano moral sofrido pela Autora, em valor a ser arbitrado.

Concedida a tutela, nos termos da decisão de fls. 54, a Municipalidade de São Paulo interpôs agravo de instrumento, ao qual foi dado provimento, para revogar a medida.

Em contestação, a Municipalidade sustentou a constitucionalidade da lei municipal, refutando a pretensão indenizatória.

Houve réplica e manifestação da Autora, no sentido de que a tutela antes deferida restou inócua, além de postular o imediato julgamento do feito, por não ter provas para produzir.

É o relatório.

Decido.

1. Tendo em vista, então, que a Autora dispensou a produção de provas, passo ao imediato julgamento do feito.

2. Em verificação no portal do DETRAN verifiquei a inexistência de restrições contra a Autora (salvo multa proveniente do Município de São Bernardo do Campo).

Assim, ao que parece, a Autora já procedeu ao licenciamento do veículo para o exercício de 2009, o que se pode concluir também da manifestação da Autora em réplica, dizendo que a tutela antes concedida tornou-se inócua.

Então, a princípio, a lide perdeu seu objeto, até porque a inspeção veicular, agora, tem base em norma federal, obrigando todos os veículos a se submeterem à inspeção.

3. Não obstante, a considerar que existe pretensão indenizatória, necessário exame sobre a questão.

Convém registrar, de início, que a Autora tem formação universitária e sabia, há muito, que seu veículo teria que se submeter à inspeção veicular para viabilizar o licenciamento.

Se preferiu agendar a inspeção depois de expirado prazo que lhe era conferido, assumiu o risco de não conseguir proceder ao licenciamento de veículo.

De toda sorte, questão prejudicial que se impõe para verificação de eventual dano moral é o exame da constitucionalidade da lei municipal.

Em que pese a excelência dos argumentos trazidos na inicial, não verifico inconstitucionalidade.

A inspeção veicular foi instituída com o objetivo de melhorar o meio ambiente, cuja competência, nos termos do art. 23, inc. VI, da Constituição Federal, é comum à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.

De toda sorte, a Lei Federal nº 10.203, de 22 de fevereiro de 2001, dando nova redação ao art. 12, da Lei Federal nº 8.723, de 28 de outubro de 1993, estabeleceu, no § 2º, que os Municípios com frota igual ou superior a três milhões de veículos poderão implantar programas próprios de inspeção periódica de emissões de veículos em circulação, competindo ao Poder Público Municipal, no desenvolvimento de seus respectivos programas, estabelecer processos e procedimentos diferenciados, bem como limites e periodicidades mais restritos, em função do nível local de comprometimento do ar.

Quanto aos veículos submetidos à obrigatoriedade no ano de 2009, a princípio, pareceria que haveria ausência de razoabilidade, na medida em que se optou por obrigar os veículos mais novos, que, evidentemente, são menos poluidores do que os veículos mais velhos (fabricados antes de 2003).

Havia, porém, autorização do CONAMA, por meio da Resolução nº 07/93, de 31 de agosto de 1993, no sentido de possibilitar a ampliação ou a restrição do frota alvo, considerando as necessidades e possibilidades regionais, conforme art. 4º e seu § 1º.

Trata-se, portanto, de opção discricionária da Administração.

Em sendo assim, a opção da Administração, no sentido de submeter apenas os veículos fabricados entre 2003 e 2008 à inspeção, somente transbordaria para a falta de razoabilidade se fosse algo desprovido de lógica.

Porém, conforme informado na contestação, a opção da Administração teve por pressuposto estudos técnicos, entre eles o Inventário de Emissões Veiculares.

Ademais, a Administração também verificou que existiria uma forte concentração de veículos com menos de quatro de fabricação em circulação, motivo pelo qual a opção acabaria por submeter à inspeção a quase maioria dos veículos em circulação (cf. gráfico de fls. 199).

Embora menos poluentes, as estatísticas referidas na contestação indicariam que 20% dos veículos novos poluem mais do que 60% dos veículos antigos, por decorrência de adulterações promovidas nos veículos pelos proprietários.

Ou seja, então, a opção no sentido de serem submetidos à inspeção os veículos fabricados entre 2003 e 2008 tem foros de plausibilidade, de modo que não pode o julgador substituir a escolha do administrador, sob pena de afronta ao princípio de separação de poderes.

Em conclusão, tratando-se de opção discricionária da Administração, no caso, a decisão não se mostra desprovida de critério.

LÚCIA FIGUEIREDO, ao discorrer sobre os conceitos determinados e indeterminados relacionados à discricionariedade do ato administrativo, ensina-nos:

"Garcia de Enterría e Ramón Fernández aceitam o pensamento da moderna Escola Alemã, contrapondo conceitos indeterminados aos determinados. Vão asseverar, todavia, que não se encontra nos conceitos indeterminados o abrigo da discricionariedade.

Tais conceitos, ainda consoante os brilhantes Administrativistas, são passíveis de condução à zona de certeza, onde tertium no datur : ou há, p. ex., a urgência, ou não há; ou existe a insalubridade ou não existe; ou há a boa-fé, ou não.

... Temos de concluir, com eles, que todo conceito é finito e, por assim ser, há, nele, núcleo de certeza positiva como, também, ao contrário, há núcleo de certeza negativa (isto é, determinada coisa não pode ser) e há ainda zona intermediária, faixa cinzenta, diante da qual vai se colocar o problema.

(...)

... Sainz Moreno, em sua preciosíssima monografia, deixa claro que os conceitos indeterminados vão, afinal, ensejar o que denominará decisão política do administrador. Mas deixa claro também que, por possuírem os conceitos indeterminados zona de dúvida ineliminável, nesta zona residiria a opção do administrador.

(...)

'... a discricionariedade pura só existe quando o critério da decisão deixa de ser jurídico para converter-se em político. Os atos de discricionariedade administrativa somente se justificam pela natureza política da decisão, que é tomada. Isto não significa que se confundam com os atos políticos de governo, que não são, naturalmente, atos administrativos, senão que se surpreende neles uma essência política, por ser manifestação direta do poder público. A competência regulamentária, a competência organizatória, as competências diretivas da economia são discricionárias, à medida que as opções só são resolvidas por critérios políticos.

'Contrariamente, quando o critério da decisão é um critério expressado por um conceito jurídico (qualquer que seja a indeterminação deste, inclusive quando se trata de interesse público), tal decisão é ajuizável para controle, de tal arte que somente é válida se se ajustar à idéia veiculada, pelo conceito.

'A dificuldade maior de medir cada decisão, por esse critério jurídico, ampliará ou reduzirá a margem de liberdade, que se reconhece à autoridade administrativa que o aplica; mas em nenhum caso esta hipótese traz consigo o reconhecimento de uma faculdade discricionária.'

(...)

Consoante entendemos, a discricionariedade consiste na competência-dever de o administrador, no caso concreto, após a interpretação, valorar, dentro de critério de razoabilidade e afastado de seus próprios standards ou ideologias - portanto, dentro de critério da razoabilidade geral - dos princípios e valores do ordenamento, qual a melhor maneira de concretizar a utilidade pública postulada pela norma." (in Curso de Direito Administrativo, 3a. ed., Malheiros, pp. 166/172).

Ora, a Administração não poderia submeter à inspeção veicular veículos registrados em outros Municípios, porque, aí sim, sua determinação seria inconstitucional, por invadir competência legislativa dos demais entes da Federação.

Então, se houve razoabilidade no discrímen adotado, não há que se falar em ofensa ao princípio da igualdade.

Conforme ensina Celso Antônio Bandeira de Mello: Parece-nos que o reconhecimento das diferenciações que não podem ser feitas sem quebra da isonomia se divide em três questões: a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação; b) a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado; c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados. Esclarecendo melhor: tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico, para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é, in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional. A dizer: se guarda ou não harmonia com eles... Só a conjunção dos três aspectos é que permite análise correta do problema. Isto é: a hostilidade ao preceito isonômico pode residir em quaisquer deles. Não basta, pois, reconhecer-se que uma regra de direito é ajustada ao princípio da igualdade no que pertine ao primeiro aspecto. Cumpre que o seja, também, com relação ao segundo e ao terceiro. É claro que a ofensa a requisitos do primeiro é suficiente para desqualificá-la. O mesmo, eventualmente, sucederá por desatenção a exigências dos demais, porém quer-se deixar bem explícita a necessidade de que a norma jurídica observe cumulativamente aos reclamos provenientes de todos os aspectos mencionados para ser inobjetável em face do princípio isonômico. ("Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade", Malheiros, 3ª ed., pp. 21/22).

Nesse diapasão são os ensinamentos do Mestre José Afonso da Silva: ...o princípio não pode ser entendido em sentido individualista, que não leva em conta as diferenças entre grupos. Quando se diz que o legislador não pode distinguir, isso não significa que a lei deva tratar todos abstratamente iguais, pois o tratamento igual - esclarece Petzold - não se dirige a pessoas integralmente iguais entre si, mas àquelas que são iguais sob os aspectos tomados em consideração pela norma, o que implica que os "iguais" podem diferir totalmente sob outros aspectos ignorados ou considerados como irrelevantes pelo legislador. Este julga, assim, como "essenciais" ou "relevantes", certos aspectos ou características das pessoas, das circunstâncias ou das situações nas quais essas pessoas se encontram, e funda sobre esses aspectos ou elementos as categorias estabelecidas pelas normas jurídicas; por conseqüência, as pessoas que apresentam os aspectos "essenciais" previstos por essas normas são consideradas encontrar-se nas "situações idênticas", ainda que possam diferir por outros aspectos ignorados ou julgados irrelevantes pelo legislador; vale dizer que as pessoas ou situações são iguais ou desiguais de modo relativo, ou seja, sob certos aspectos. Nesse sentido, já se pronunciou, também, Seabra Fagundes, para lembrar que os "conceitos de igualdade e de desigualdade são relativos, impõem a confrontação e o contraste entre duas ou várias situações, pelo que onde uma só existe não é possível indagar de tratamento igual ou discriminatório" (Curso de Direito Constitucional Positivo, 22ª Edição, Malheiros Editores, São Paulo, p. 215).

Não se verifica, portanto, com o tratamento diferenciado, ofensa ao princípio da isonomia, porque há pertinência lógica entre o tratamento jurídico diferente e o fator discrímen adotado pelo legislador.

Sendo constitucional a exigência, e considerando que os transtornos enfrentados pela Autora (não comprovados, diga-se) foram causados por ela própria, não há que se falar em indenização por supostos danos morais.

Com esses fundamentos, julgo improcedente a pretensão e condeno a Autora ao pagamento da verba honorária que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa.

Independentemente de nova intimação, deverá a Autora promover o recolhimento da sucumbência imposta, no prazo de quinze dias contados do trânsito em julgado, sob pena de incidência da multa prevista no art. 475-J, do CPC, e bloqueio via sistema Bacen-Jud.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

São Paulo, 15 de janeiro de 2010.

Marcelo Sergio - Juiz de Direito

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