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Sociedades de propósito específico (SPEs) no âmbito das PPPs

A Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, regulou as Parcerias Público-Privadas (“PPPs”) e tratou, em seu artigo 9º, da constituição de sociedades de propósito específico (“SPEs”) no âmbito das PPPs.

10/2/2005


Sociedades de propósito específico (SPEs) no âmbito das PPPs


Guilherme Leite*

A Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, regulou as Parcerias Público-Privadas (“PPPs”) e tratou, em seu artigo 9º, da constituição de sociedades de propósito específico (“SPEs”) no âmbito das PPPs.

As SPEs podem ser conceituadas como sociedades de objeto exclusivo, amplamente utilizadas em consórcios e operações estruturadas como, por exemplo, financiamentos de projetos e securitizações de recebíveis. Geralmente, o principal objetivo de uma SPE é o de segregar determinados ativos e riscos de forma efetiva dentro de uma operação. Portanto, a eficiência de uma SPE depende, em larga escala, do seu grau de independência em relação às demais partes e atividades envolvidas em determinado projeto.

Nesse contexto, as SPEs podem ser comparadas com veículos de segregação disponíveis em outros países, como o trust. No Brasil, porém, o conceito de trust ainda tem aplicação limitada, não sendo possível reproduzir totalmente os mecanismos existentes no direito estrangeiro (beneficial ownership, legal ownership etc.). Em vista disso, temos as SPEs, que são usualmente constituídas sob a forma de sociedade anônima ou limitada, conforme as necessidades específicas de cada caso.

No caso das PPPs, a legislação exige, antes da celebração do respectivo contrato, a constituição de uma SPE para implantar e gerir o objeto da parceria. Entretanto, não há restrições quanto à sua forma de constituição.

Caso seja constituída sob a forma de companhia (sociedade anônima) aberta, a SPE poderá colocar valores mobiliários no mercado. Com isso, a SPE poderia, por exemplo, emitir debêntures ou ações, visando captar recursos junto ao mercado para financiar a execução do projeto.

Ainda que seja constituída sob a forma de sociedade limitada, a SPE deverá obedecer a determinados padrões de governança corporativa, e adotar contabilidade e demonstrações financeiras padronizadas, na forma que vier a ser regulamentada. Tais medidas são importantes porque contribuem para a transparência e o controle das atividades das SPEs no contexto das PPPs.

A legislação estabelece certas restrições quanto à composição do capital e ao controle da SPE, a saber:

(a) a impossibilidade de a Administração Pública ser a titular da maioria do capital votante da SPE; e

(b) a necessidade de autorização prévia da Administração Pública para a transferência do controle da SPE, nos termos do edital e do contrato, observada a legislação pertinente.

As referidas disposições parecem acertadas, pois conferem (a) o controle da SPE ao parceiro privado, e (b) estabilidade quanto à manutenção do controle da SPE.

Dessa forma, o parceiro privado e os financiadores do projeto terão maior conforto quanto à condução da implantação e da gestão da PPP, que estará a cargo da SPE e seus controladores privados. Conseqüentemente, a estrutura societária da SPE deverá mitigar o risco de ingerência do Estado na implantação e gestão das PPPs.

Além disso, uma vez aprovado o grupo controlador da SPE, eventual transferência de controle da SPE dependerá de autorização prévia da Administração Pública, o que contribui para conferir certa estabilidade para o parceiro público e os demais participantes do projeto.

Vale ressaltar que, caso a SPE seja controlada por companhia aberta, os dispositivos da Instrução 408, emitida pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em 18 de agosto de 2004, poderão ser aplicáveis. A Instrução CVM 408 estabelece que as demonstrações contábeis consolidadas das companhias abertas deverão incluir a SPE, quando a essência de sua relação com a companhia aberta indicar que as atividades da SPE são controladas, direta ou indiretamente, individualmente ou em conjunto, pela companhia aberta.

Nesse caso, algumas alternativas poderiam ser consideradas pelos parceiros privados, de forma a evitar que a segregação almejada pela SPE seja afetada pela consolidação contábil prevista na Instrução CVM 408.

Caso seja considerado necessário para determinado projeto, pode-se ainda explorar a possibilidade de criação de classe de ações que confiram certos direitos aos seus titulares como, por exemplo, o direito de vetar determinadas deliberações dos demais acionistas (golden shares). Entretanto, caso tal mecanismo seja conferido à Administração Pública, o seu exercício não poderá configurar controle pela Administração Pública, o que é vedado pela legislação.

O impacto do tratamento tributário ao qual a SPE estará efetivamente sujeita é questão a ser considerada dentro dos custos de uma PPP. Via de regra, uma SPE é tributada como uma pessoa jurídica comum, o que representaria um custo relevante para o projeto. Em vista disso, e com o intuito de estimular o desenvolvimento das PPPs, o legislador deveria prever a criação de um regime tributário especial, que favoreça as SPEs ligadas às PPPs.

Em vista do exposto, concluímos que os dispositivos legais que tratam das SPEs no âmbito das PPPs demonstram coerência com a essência das PPPs, ou seja, a repartição objetiva de riscos, direitos e obrigações entre os setores público e privado, no contexto de cada projeto. Dessa forma, esperamos que a regulamentação das SPEs aperfeiçoe os conceitos previstos na legislação, viabilizando as SPEs como veículos eficientes, transparentes e adequados para levar adiante a implantação e gestão das PPPs.
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*Advogado do escritório Pinheiro Neto Advogados

* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

© 2005. Direitos Autorais reservados a PINHEIRO NETO ADVOGADOS










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