Sentenças parciais de mérito e recurso adequado
José Wilson Gonçalves*
I – Noções preliminares
A proposição, intencionalmente enxuta, volta-se à depuração da natureza dessa decisão de solução reduzida da lide e à formulação operativa, segundo o modelo constitucional e o modelo processual vigentes, de resposta ao regime recursal, fundado na congruência entre a qualidade da decisão e certo recurso, daí por que das sentenças caberá apelação3 e das decisões interlocutórias caberá agravo, na forma retida ou instrumental4.
Igualmente não serão avaliados os sistemas processuais especiais constantes de leis extravagantes, restringindo-se ao estudo do modelo adotado pelo CPC.
II – A nova redação dos arts. 162, § 1º E 269 do CPC
Consoante a nova redação do art. 162, § 1º do CPC, "Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei". O art. 269, por seu turno, limita-se agora a dizer que "Haverá resolução de mérito"5 nas hipóteses ali tratadas, em relação às quais não se implementou modificação.
Cuidando-se de decisão de mérito, portanto, o Código não mais fala em extinção do processo e nessa linha técnica cuidou de tratar da liquidação e do cumprimento da sentença no livro próprio do processo de conhecimento6, não mais no livro do processo de execução7, harmonizando, assim, o sistema.
Conquanto a topografia de per si não se preste a determinar a natureza jurídica do respectivo instituto processual, a alocação ao processo de cognição é mostra clara da intenção de transmudá-lo em fase desse processo, subtraindo-o do processo de execução, exceto quanto à aplicação subsidiária8.
Infere-se, assim, estreme de dúvida, que, havendo a resolução do mérito, quer se encerre o procedimento cognitivo, quer não, o ato do juiz na essência se cuida de sentença, emergindo, pois, a chamada sentença parcial de mérito, se a resolução do mérito se der sem o encerramento do processo de conhecimento ou da fase de conhecimento do processo.
III – O art. 273, § 6º do CPC9
Abalizada doutrina, e maciça, desloca esse preceito ao capítulo da sentença, eis que verdadeiramente não versa sobre antecipação de efeito de tutela, essencialmente provisória, fruto de cognição sumária, superficial, e sim sobre tutela final, definitiva, proveniente de cognição exauriente.
A partir dessa predominante orientação, inexoravelmente se concluirá que a decisão que, embasada nesse preceito em comentário, ainda que empregue a expressão “antecipação de tutela”, antecipa a solução do incontroverso, não se cuida de decisão interlocutória, como sói acontecer em antecipações típicas de efeito de tutela, mas de sentença, ante a inquestionável resolução de mérito.
IV – O Sistema Recursal
O modelo recursal constante do CPC não sofreu alteração, correspondendo a apelação à sentença10 e o agravo, retido ou por instrumento, à decisão interlocutória11, não cabendo recurso dos despachos12, justamente porque nada decidem.
Decerto o estudante e o profissional do direito, diante da nova definição de sentença, deparar-se-ão com marcantes dificuldades na classificação de alguns atos do juiz, havendo, entretanto, de se considerar ato a ato, pesquisando-se se houve resolução de mérito ou se não houve, por exemplo na hipótese de rejeição de alegação de prescrição ou decadência na decisão de saneamento, ou pronunciamento da prescrição ou decadência relativamente a apenas parte da pretensão, prosseguindo-se quanto à parte salva.
No entanto, uma vez definida a natureza do ato judicial, e tratando-se de sentença, quer se refira à demanda total, quer se refira tão-só à parte, o recurso cabível é a apelação, porquanto da sentença caberá apelação13, e nesse passo, conforme dito acima, a lógica originária do CPC não sofreu alteração.
Se a sentença é parcial, os autos principais se prestarão ao prosseguimento do processo quanto à lide não solucionada, devendo a apelação ser manejada em autos adicionais ou por instrumento14.
V – Conclusão
As sentenças parciais de mérito hoje são uma realidade legal15 16, não constituindo óbice ao emprego do recurso adequado a necessidade de os autos principais servirem ao prosseguimento do processo, porquanto a apelação é viabilizada pela singela confecção de autos adicionais ou de instrumento, formados perante o juízo de origem e remetidos, aos depois do regular processamento, ao tribunal competente, justamente como ocorre quando o recurso é apresentado nos autos principais.
O essencial é o respeito impostergável ao devido processo legal17, aí com-preendidos o direito de ação e exceção18 e o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes19, documentando-se20 os respectivos atos processuais21 nos autos adicionais ou no instrumento, ou, espera-se, brevemente, eletronicamente.
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1 “Sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”.
2 “Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei”.
3 Código de Processo Civil, art. 513.
4 Código de Processo Civil, art. 522.
5 Redação anterior: “Extingue-se o processo com julgamento de mérito”.
6 Arts. 475-A a 475-R (o processo de cognição é tratado entre os arts. 1º e 565).
7 Arts. 566 a 795.
8 Art. 475-R: “Aplicam-se subsidiariamente ao cumprimento da sentença, no que couber, as normas que regem o processo de execução de título extrajudicial”.
9 “A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parte deles, mostrar-se incontroverso”.
10 Art. 513.
11 Art. 522.
12 Art. 504.
13 Art. 513.
14 O instrumento nada mais significa do que autos adicionais restritos à matéria destacada dos autos principais.
15 Antes alguns doutrinadores as admitiam, entre os quais eu, principalmente pela necessidade de inter-pretarem-se as regras processuais em perfeita harmonia com a Constituição Federal, incluindo-se aí os direitos essenciais provenientes do Direito Constitucional Internacional (art. 5º, § 2º da Constituição Federal e Pacto de San José da Costa Rica, art. 8º nº 1 e Dec. nº 678/92 – Presidência da República).
16 A fragmentação também é possível, desde que versem matérias decomponíveis, em se cuidando de a-ção, de um lado, e de reconvenção, de outro lado, julgando-se, por exemplo, imediatamente o pedido re-ferente à ação e saneando-se a reconvenção, ou o inverso, eis que o art. 318 do CPC igualmente deve ser interpretado sobretudo ante o direito constitucional de acesso à ordem jurídica justa e em tempo razoável, não se justificando o adiamento do reconhecimento do direito do autor ou do réu apenas em razão de entrave unicamente prodecimental (isso mesmo: procedimental). Ou seja: “Julgar-se-ão na mesma sentença a ação e a reconvenção”, sempre que possível. Aliás, o art. 317 também do CPC preceitua: “A desistência da ação, ou a existência de qualquer causa que a extinga, não obsta ao prosseguimento da reconvenção” (leia-se: a desistência do processo, ou a existência de qualquer causa que o extinga; ou, pelo menos: a desistência da ação, ou a existência de qualquer causa que extinga o processo). Esse tema, no entanto, convém sublinhar, ante a relevância comporta comentário próprio, realizando-se aqui tão-apenas a nota.
17 Constituição Federal, art. 5º, LIV.
18 Constituição Federal, art. 5º, XXXV.
19 Constituição Federal, art. 5º, LV.
20 Incumbência do apelante.
21 Obrigatórios e também necessários ao exato conhecimento pelo tribunal das questões discutidas.
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*Juiz de Direito em Santos/SP; Juiz de Direito Corregedor Permanente Judicial e Extrajudicial; Juiz Eleitoral em Santos; Juiz integrante da 17ª "D" câmara Cível do TJ/SP (Direito Privado)