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Empresas em recuperação judicial – isenção de custas e depósito recursal

Há muito se discute a possibilidade de concessão de isenção do pagamento de custas, bem como do recolhimento de depósito recursal, às empresas que se encontram em regime de recuperação judicial, na forma da lei 11.101/05.

7/8/2009


Empresas em recuperação judicial – isenção de custas e depósito recursal

Daniela Cristina Crepaldi*

Adriano Lorente Fabretti*

Há muito se discute a possibilidade de concessão de isenção do pagamento de custas, bem como do recolhimento de depósito recursal, às empresas que se encontram em regime de recuperação judicial, na forma da lei 11.101/05 (clique aqui).

Os Tribunais do Trabalho, de uma forma geral, não concedem a isenção, com fulcro na redação da súmula 86 do TST.

Todavia, data maxima venia, entendemos que referido posicionamento tende a sofrer modificações, tendo em vista o cumprimento da finalidade da própria recuperação judicial, como forma de manutenção empresarial, e por consequência, de postos de trabalho, e, também, pelos seguintes argumentos:

Da Recuperação judicial – Significado e finalidade:

O artigo 47, da lei 11.101/05, que regulamenta a Recuperação Judicial, dispõe que:

"A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômica-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica".

Segundo Fábio Ulhoa Coelho1, os objetivos da recuperação judicial são: "saneamento da crise econômico-financeira e patrimonial, preservação da atividade econômica e dos seus postos de trabalho, bem como o atendimento aos interesses dos credores".

Assim sendo, podemos dizer que a recuperação judicial constitui meio de preservação de empresas que se encontram em crise, objetivando, por meio de procedimentos específicos, a reorganização da atividade econômica, com a manutenção da fonte produtora, dos interesses dos credores, e, principalmente, dos trabalhadores.

Neste sentido, as disposições da recuperação judicial, na forma especificada na lei 11.101/05, são totalmente válidas, pois uma vez preservadas, as empresas cumprirão a sua função social, nos termos dos artigos 5º, inciso XXIII e 170, inciso III da CF/88 (clique aqui).

Da isenção das custas e depósito recursal:

Para melhor desenvolver as suas atividades, promovendo a reabilitação plena da empresa em recuperação judicial, esta deve contar com a isenção do pagamento das custas, bem como do recolhimento do depósito recursal.

O TST possui posicionamento sobre o assunto, preconizado na súmula 86, porém, relacionado à massa falida, dispondo que:

"não ocorre deserção de recurso de massa falida por falta de pagamento de custas ou de depósito do valor da condenação. Esse privilégio, todavia, não se aplica à empresa em liquidação extrajudicial".

Por óbvio que referida súmula não poderia tratar da recuperação judicial, pois decorrente da Resolução administrativa 69/78, de 29/9/78, sendo a lei de recuperação judicial do ano de 2005.

Segundo Sérgio Pinto Martins2, "A orientação da súmula é correta em razão de que nem sempre a massa falida tem numerário para pagar custas ou depósito recursal. Muitas vezes, até o administrador judicial conseguir liberar o dinheiro para pagar as custas e o depósito, o prazo recursal já terminou".

Assim como na falência, também na recuperação judicial, há coordenação de atividades por administrador judicial, que funciona como auxiliar do juiz, e sob sua supervisão, sendo, da mesma forma, burocráticas às questões ligadas aos levantamentos monetários.

Desta forma, a isenção mencionada na súmula 86 deve ser observada tanto para a massa falida, como para as empresas em recuperação judicial, eis que expostas às situações análogas.

Ressaltamos, ainda, que alguns Tribunais Trabalhistas possuem entendimento no sentido de que a súmula 86 deve ser aplicada às hipóteses de recuperação judicial, porém, somente no que tange à segunda parte, concluindo que as empresas em recuperação judicial devem ser equiparadas às empresas em liquidação extrajudicial, afastando-se, de qualquer forma, a isenção.

Ocorre que, não há como se equiparar empresas em liquidação extrajudicial, com empresas em recuperação judicial, ainda que de forma análoga. Isto porque, tanto na falência, como na recuperação judicial, existem procedimentos judiciais a serem observados, muito mais complexos que procedimentos administrativos. Já na liquidação extrajudicial, a autoridade que procede à liquidação é meramente administrativa, e não jurisdicional, o que facilita o recolhimento de custas e de depósito recursal.

O Professor Maurício Godinho Delgado3 disserta sobre o caráter meramente administrativo da liquidação extrajudicial, conforme verificamos do seguinte trecho de sua obra:

"É que não há, de fato, em tais casos, efetiva competência concorrente (Juízo Trabalhista versus Juízo Cível Falimentar), uma vez que a autoridade que procede à liquidação (Banco Central do Brasil) é meramente administrativa e não jurisdicional. Em face disso, pacificou a jurisprudência que, não obstante o texto da lei 6.024/74 (clique aqui), é direta a execução de crédito trabalhista contra empresa em liquidação extrajudicial (OJ 143, SDI-I/TST)".

Em razão de tais assertivas, concluímos que a recuperação judicial, quanto à possibilidade de isenção de custas e depósito recursal, se aproxima muito mais da figura da falência, do que da liquidação extrajudicial. E, se alguns julgadores aplicam a súmula de forma análoga, comparando as empresas em recuperação judicial, com as instituições bancárias em liquidação extrajudicial, com muito mais razão deveriam equiparar as empresas em recuperação judicial, com aquelas que se encontram em regime falimentar.

Além disso, partimos do princípio de que a empresa em recuperação judicial passa por um período de crise e dificuldade financeira, sendo totalmente relevante a possibilidade de efetuar negociações com os valores em pecúnia existentes em caixa, ao invés de deixá-los depositados em conta vinculada do juízo, para garantia de execuções, que eventualmente possam vir a não acontecer.

Outro ponto a ser ressaltado, é que assim como na falência, nos termos do § 2º, do artigo 6º, da lei 11.101/05, na recuperação judicial, as ações de natureza trabalhista serão processadas na justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença.

Neste contexto, no nosso sentir, não há nem sequer motivos para a realização de depósito recursal, até porque o juiz poderá determinar reserva da importância que estimar devida na recuperação judicial, uma vez reconhecido líquido o direito, nos termos do §3º, também do artigo 6º, da lei 11.101/05.

Salientamos, ainda, que a previsão acerca do recolhimento do depósito recursal está contida no artigo 899 da CLT (clique aqui), porém, a hipótese de dispensa da exigência de depósito recursal está contemplada no inciso X, da Instrução Normativa 3 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, que estabelece:

"X - Não é exigido depósito recursal, em qualquer fase do processo ou grau de jurisdição, dos entes de direito público externo e das pessoas de direito público contempladas no Decreto-lei 779, de 21/8/69 (clique aqui), bem assim da massa falida, da herança jacente e da parte que, comprovando insuficiência de recursos, receber assistência judiciária integral e gratuita do Estado (art. 5º, LXXIV, CF/88)".

O inciso X, acima consignado, faz referência à isenção da massa falida, comportando, analogicamente, as empresas em recuperação judicial.

No que tange às custas processuais, o pedido de isenção possui como base a aplicação analógica do §3º, do artigo 790 da CLT, considerando a situação de dificuldade financeira pela qual passa a empresa.

Conclusão:

Pelos argumentos acima consignados, concluímos que as empresas em regime de recuperação judicial devem ser beneficiárias da isenção quanto ao recolhimento de custas processuais e depósito recursal, pois, entendimentos em contrário levariam à violação dos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa (inciso LV, do artigo 5º), além do princípio da inafastabilidade da jurisdição (inciso XXXV, do artigo 5º).

Ademais, conforme visto, as disposições da recuperação judicial, na forma especificada na lei 11.101/05, são totalmente válidas, pois uma vez preservadas, as empresas cumprirão a sua função social, nos termos dos artigos 5º, inciso XXIII e 170, inciso III da CF/88.

Por fim, ressaltamos que a concessão de isenção nos casos mencionados não viola os direitos dos empregados/reclamantes, pois, conforme mencionado, o juiz poderá determinar reserva da importância que estimar devida na recuperação judicial, uma vez reconhecido líquido o direito, nos termos do §3º, também do artigo 6º, da lei 11.101/05.

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1 COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 2ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 111.

2 MARTINS, Sérgio Pinto. Comentários às Súmulas do TST. 6ª Ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 55.

3 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8ª Ed. São Paulo: Ltr, 2009, p. 768.

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*Advogados do escritório França Ribeiro Advocacia










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