Financiamento imobiliário e o direito constitucional à moradia
Guilherme L. Oliveira*
Objetivamos aqui, analisar a natureza jurídica do financiamento de imóveis oferecido especialmente pela CEF, com toda sua importância e previsão constitucional, como forma de demonstrar que a demora na liberação de financiamento representa não só um desrespeito ao cidadão, mas também abuso a princípios constitucionais brasileiros.
A CF/88 (clique aqui) celebra em seu art. 6º, o direito à moradia, como um de seus "direitos sociais". Direitos esses que têm por objetivo maior garantir a todos os indivíduos condições materiais tidas como imprescindíveis à vida.
"Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição." (Redação dada pela EC 26/00 - clique aqui).
Os direitos sociais, entre eles o direito a moradia, são como dimensões dos direitos fundamentais do homem, o que obriga o Estado a realizar prestações positivas que possibilitem condições a efetivação de tais direitos, até mesmo como forma de buscar condições iguais para situações sociais que se encontrem dispares, efetivando assim o princípio da igualdade, previsto no art. 5º, I, da CF/88.
Segundo o jurista Alexandre de Morais:
"Direitos Sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estados democrático, pelo art. 1º, IV, da CF/88.1"
Corroborando com tal premissa, o art. 21, também da CF/88, expressa que compete a União instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive no que se refere à habitação:
"Art. 21. Compete à União:
[...]
XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos."
Como podemos verificar, o Texto Maior, além de expressa previsão, da grande suporte para a efetivação destes direitos sociais pelo Estado em pró de seus cidadãos, como forma de garantir a todos, condições mínimas e dignas de sobrevivência.
No mesmo sentido e com claros objetivos de prover aos cidadãos o direito social a moradia, ainda em 1964, foi criado o Sistema Financeiro da Habitação - SFH pela lei 4.380, de 21 agosto daquele ano (clique aqui), que visava, além de outras coisas, formular a política nacional de habitação e de planejamento territorial e ainda estimular a construção de habitações e financiamento da casa própria.2
Já em 2005, a lei 11.124, de 16 de junho (clique aqui), instituiu o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social - SNHIS, que também objetiva viabilizar à população de menor renda o acesso à habitação digna e sustentável.
O art. 5º, III,3 da mesma lei, elegeu os órgãos integrantes do SNHIS e nomeou como agente operador do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social - FNHIS, a Caixa Econômica Federal, instituindo competência em seu art. 164, que era dever da CEF:
a) atuar como instituição depositária dos recursos do FNHIS;
b) definir e implementar os procedimentos operacionais necessários à aplicação dos recursos do FNHIS, com base nas normas e diretrizes elaboradas pelo Conselho Gestor e pelo Ministério das Cidades;
c) controlar a execução físico-financeira dos recursos do FNHIS; e
d) prestar contas das operações realizadas com recursos do FNHIS com base nas atribuições que lhe sejam especificamente conferidas, submetendo-as ao Ministério das Cidades.
Pelos dispositivos acima citados, fica claro que o legislador escolheu a CEF como um dos órgãos responsáveis, senão o principal, para a promoção do direito a moradia. E ao entendermos que a moradia é um direito social esculpido em nossa Carta Maior, e que a Administração na promoção de tal direito escolheu a Caixa Econômica Federal como representante do Estado nomeado para prover e desenvolver tal Direito, não pode este órgão, se abster de prestá-lo por mera deliberalidade.
Não deve caber discricionariedade à CEF para liberação de financiamento quando todos os requisitos para a promoção deste Direito estiverem preenchidos. Se o cidadão, que está protegido pelo manto constitucional, preencher todos os requisitos para aquisição de financiamento imobiliário, é dever da CEF liberá-lo.
No mesmo sentido, o CDC (clique aqui), em seu art. 22, expressa que os órgãos públicos, por si ou por seus representantes, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes e seguros e nos casos de descumprimento, serão compelidos a cumpri-las e a reparar os danos causados.5
O que ocorre muitas vezes em casos concretos, é que mesmo os cidadãos preenchendo todos os requisitos para o financiamento imobiliário, a CEF permanece inerte por vários meses sem a devida aprovação e liberação do financiamento imobiliário, o que pode a causar enormes dissabores aos cidadãos proponentes de financiamentos. Nesses casos, entendemos que a CEF deve ser fortemente compelida e também responsabilizada civilmente por seus atos, inclusive com reparação aos danos causados.
_________________
1 Direito Constitucional, 16ª Ed., Atlas, São Paulo, 2004
2 Art. 1° O Govêrno Federal, através do Ministro de Planejamento, formulará a política nacional de habitação e de planejamento territorial, coordenando a ação dos órgãos públicos e orientando a iniciativa privada no sentido de estimular a construção de habitações de interêsse social e o financiamento da aquisição da casa própria, especialmente pelas classes da população de menor renda.
3 Art. 5º Integram o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS os seguintes órgãos e entidades:[...]
III – Caixa Econômica Federal – CEF, agente operador do FNHIS;
4 Art. 16. À Caixa Econômica Federal, na qualidade de agente operador do FNHIS, compete:
I – atuar como instituição depositária dos recursos do FNHIS;
II – definir e implementar os procedimentos operacionais necessários à aplicação dos recursos do FNHIS, com base nas normas e diretrizes elaboradas pelo Conselho Gestor e pelo Ministério das Cidades;
III – controlar a execução físico-financeira dos recursos do FNHIS; e
IV – prestar contas das operações realizadas com recursos do FNHIS com base nas atribuições que lhe sejam especificamente conferidas, submetendo-as ao Ministério das Cidades.
5 Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou por suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados na forma prevista neste artigo.
_________________
*Advogado do escritório Rodrigues, Oliveira & Soares Advogados
_____________