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Restrição aos fretados na contramão da CF/88

Os ônibus fretados serão proibidos de circular em quase 70 km2 da cidade de São Paulo – zona quase tão grande quanto o centro expandido – a partir do próximo dia 27, com o objetivo declarado pelo Executivo de “melhorar a fluidez do trânsito nos principais corredores da cidade”.

30/7/2009


Restrição aos fretados na contramão da CF/88

Daniel Lacsko Trindade*

Juliana Vieira dos Santos*

Os ônibus fretados serão proibidos de circular em quase 70 km2 da cidade de São Paulo – zona quase tão grande quanto o centro expandido – a partir do próximo dia 27, com o objetivo declarado pelo Executivo de "melhorar a fluidez do trânsito nos principais corredores da cidade".

E com isso a Prefeitura vai conseguir jogar os quase 45 mil usuários dos fretados no já saturado sistema público de transporte da cidade (o aumento da frota prometido pela PMSP para evitar o impacto da regulamentação por vir não é significativo) ou aumentar o número de veículos individuais circulando, piorando em muito o caótico trânsito paulistano.

A Prefeitura (leia-se, as concessionárias dos serviços de transporte) ganha na primeira situação, pelo aumento da arrecadação; mas a cidadania perde em qualquer das duas hipóteses.

Essa medida, mais uma rasteira na classe média deste país, baseia-se supostamente na nova Política de Mudança do Clima no Município de São Paulo. Porém, descumpre vários princípios constitucionais da Administração Pública, entre eles, legalidade, desvio de finalidade, publicidade e eficiência.

Muito embora a Prefeitura já anuncie a medida há meses, aguarda-se sua publicação no Diário Oficial. Apesar dessa ausência de norma, a restrição já tem data de início e a Prefeitura começou a colocação das placas de trânsito que alertam para o perímetro da Zona Máxima de Restrição aos Fretados, talvez determinada em algum ato secreto. O princípio da publicidade, lembre-se, é uma garantia do cidadão para defender-se da arbitrariedade do Estado.

A respeito, a LC 95/98 (clique aqui), estabelecendo normas para a elaboração das leis, prescreve que a cláusula "entra em vigor na data de sua publicação" deve ser reservada apenas para as leis de pequena repercussão, devendo as demais contemplarem prazo razoável para que a sociedade dela tenha amplo conhecimento.

Mas a publicidade dos atos administrativos realmente parece não estar em alta no país. E, na cidade de São Paulo, a discussão pública sobre as melhorias para a cidade também padecem do mesmo mal. Os "vários estudos" mencionados pela Prefeitura permanecem desconhecidos e são questionados pelos estudiosos do assunto.

De toda forma, do ponto de vista jurídico, ainda que a portaria venha a ser finalmente publicada, ela não atenderá ao princípio da legalidade, pois a restrição aos quase 1.000 ônibus fretados que circulam em São Paulo depende de expressa previsão legal, na medida em que coíbe e limita o exercício dos direitos individuais. Repita-se: é apenas mediante lei que o Estado pode condicionar ou limitar o exercício das liberdades individuais dos cidadãos. Um simples ato do executivo municipal não suprirá essa exigência prevista na CF/88 (clique aqui).

Além disso, a medida segue na contramão do que está previsto na própria legislação municipal. A lei 13.241/01 (clique aqui), que dispõe sobre a organização dos Serviços do Sistema de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros na Cidade de São Paulo, determina que o Poder Público observará, entre outras diretrizes, a "prioridade do transporte coletivo sobre o individual", em perfeita harmonia com a tendência mundial das grandes cidades e com as diretrizes da Agenda 21 e do UN-HABITAT (Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos).

A própria Lei Municipal 14.933/09 (clique aqui), que institui Política de Mudança do Clima, em seu artigo 3º, inciso VI, prevê a "priorização da circulação do transporte coletivo sobre transporte individual na ordenação do sistema viário". Já o artigo 6°, especificamente sobre os fretados, prevê a regulamentação para sua circulação, parada e estacionamento, mas com a finalidade de incentivar a utilização desse transporte coletivo em detrimento ao transporte individual.

A medida, da forma como está sendo anunciada pela Prefeitura é tão restritiva que não pode ser entendida como "regulamentação".

E a restrição anunciada cria embaraço para o transporte público intermunicipal (já que a grande maioria desses ônibus fretados prestam serviços de transportar pessoas de um município a outro), que deve ser planejado e executado pelo Estado, nos termos do artigo 158 da Constituição Estadual e § 3º do artigo 25 da CF/88.

Em atenção a essas questões metropolitanas, a Lei Orgânica do Município de São Paulo estabelece em seu artigo 174, que o sistema local de transporte deverá respeitar "as interdependências com outros Municípios, o Estado e a União".

O governador José Serra, sobre os problemas metropolitanos, já declarou que eles "existem e debatê-los representa, pelo menos, um passo inicial para se começar a resolvê-los".

A Prefeitura de São Paula precisa entender que transporte coletivo não é apenas o público ou o municipal, e que são muitos os agentes que têm a contribuir para a melhoria da cidade e ouvi-los pode gerar medidas mais legítimas e mais significativas para o trânsito do que a restrição paliativa e ilegal da circulação dos fretados na cidade.

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*Advogados do escritório Rubens Naves, Santos Jr., Hesketh - Escritórios Associados de Advocacia


 

 

 

 

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