Migalhas de Peso

O STF está assumindo um "ativismo judicial" sem precedentes?

Todos os esforços que incontáveis organismos internacionais fizeram (desde 1988, data da famosa Convenção de Viena sobre lavagem de capitais) para evitar que o dinheiro sujo, especialmente o derivado da droga (narcodólares), transitassem pelo sistema bancário oficial (fora dos paraísos fiscais) pode estar se naufragando agora diante da crise econômica mundial. A denúncia foi feita por Antonio Maria Costa, que é o diretor executivo da UNODC – Agência das Nações Unidas contra as Drogas e o Crime (El País/Opinión, de 22.02.09, p. 11).

23/6/2009


O STF está assumindo um "ativismo judicial" sem precedentes?

Luiz Flávio Gomes*

Concluído o julgamento do famoso caso Raposa Serra do Sol (demarcação de terras indígenas), mais uma vez entrou em pauta o tema do "ativismo judicial", visto que o Min. Menezes Direito sugeriu a imposição de 19 medidas para a implementação da demarcação contínua. De ativismo judicial já se falou também quando o STF impôs a fidelidade partidária, o direito de greve no serviço público, a proibição do nepotismo, o uso restrito das algemas etc.

Vamos aos conceitos: judicialização não se confunde com ativismo judicial. A judicialização nada mais expressa que o acesso ao judiciário, que é permitido a todos, contra qualquer tipo de lesão ou ameaça a um direito. É fenômeno que decorre do nosso modelo de Estado e de Direito. Outra coisa bem distinta é o "ativismo judicial" (que retrataria uma espécie de intromissão indevida do Judiciário na função legislativa, ou seja, ocorre ativismo judicial quando o juiz "cria" uma norma nova, usurpando a tarefa do legislador, quando o juiz inventa uma norma não contemplada nem na lei, nem dos tratados, nem na CF/88 - clique aqui).

O ativismo judicial foi mencionado, pela primeira vez (cf. M. Pereira, em O Globo de 21/3/09, p. 4), em 1947, pelo jornalista americano Arthur Schlesinger, numa reportagem sobre a Suprema Corte dos Estados Unidos. Para ele há ativismo judicial quando o juiz se considera no dever de interpretar a CF/88 no sentido de garantir direitos. Como se vê, o conceito de ativismo judicial que acima utilizamos não coincide exatamente com o que acaba de ser descrito. Se a CF/88 prevê um determinado direito e ela é interpretada no sentido de que esse direito seja garantido, para nós, isso não é ativismo judicial, sim, judicialização do direito considerado. O ativismo judicial vai muito além disso: ocorre quando o juiz inventa uma norma, quando cria um direito não contemplado de modo explícito em qualquer lugar, quando inova o ordenamento jurídico.

É preciso distinguir duas espécies de ativismo judicial: há o ativismo judicial inovador (criação, ex novo, pelo juiz de uma norma, de um direito) e há o ativismo judicial revelador (criação pelo juiz de uma norma, de uma regra ou de um direito, a partir dos valores e princípios constitucionais ou a partir de uma regra lacunosa, como é o caso do art. 71 do CP (clique aqui), que cuida do crime continuado). Neste último caso o juiz chega a inovar o ordenamento jurídico, mas não no sentido de criar uma norma nova, sim, no sentido de complementar o entendimento de um princípio ou de um valor constitucional ou de uma regra lacunosa.

No caso da imposição da fidelidade partidária não havia nenhuma regra explícita a respeito do tema. Que fizeram os Ministros do STF? Com base no princípio democrático (um dos eixos do moderno constitucionalismo) criaram uma regra: quem mudar de partido depois da eleição perde o mandato. Isso não estava explícito em nenhum lugar, logo, houve ativismo judicial. De que espécie: inovador ou revelador? Diante dos conceitos acima emitidos, o revelador (do sentido do princípio democrático).

E no caso da demarcação indígena (Raposa Serra do Sol), qual foi o ativismo judicial (naquelas 19 medidas)? Diríamos: bastante revelador mas já se incursionando no inovador. Qual é o problema de todo ativismo judicial? Está no risco de o Poder Judiciário perder sua legitimidade democrática, que é indireta. Em que sentido? As decisões dos juízes são democráticas na medida em que seguem (nas decisões judiciais) aquilo que foi aprovado pelo legislador. Sempre que o Poder Judiciário inova o ordenamento jurídico, criando regras antes desconhecidas, invade a tarefa do legislador, ou seja, se intromete indevidamente na função legislativa. Isso gera um outro risco: o da aristocratização do Estado e do Direito (que, certamente, ninguém no século XXI está muito disposto a aceitar).

Quais seriam as razões do ativismo judicial no Brasil? Luiz Roberto Barroso invoca duas (O Globo de 22/3/09, p. 4):

(a) nova composição do STF (por Ministros bastante preocupados com a concretização dos valores e princípios constitucionais) e

(b) crise de funcionalidade do Poder Legislativo (que estimula tanto a emissão de Medidas Provisórias pelo Executivo como o ativismo judicial do Judiciário).

Todo poder quando não exercido (ou quando não bem exercido) deixa vácuo e sempre existe alguém pronto para preencher esse espaço vazio por ele deixado.

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*Diretor Presidente da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes







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