Uma questão de dignidade
Patrícia Martinelli Fagundes Helebrando*
Os apoiadores do projeto justificam sua viabilidade com o argumento de oferecer, à uma faixa de brasileiros que não tem acesso a educação de qualidade e que muitas vezes são discriminados em função de sua raça, uma oportunidade de conquistar empregos com salários mais altos e estudar nas melhores universidades do país.
No entanto, essa questão é muito mais delicada do que a forma que tem sido mostrada, uma vez que não se pode esquecer o que nossa Carta Magna (clique aqui) dispõe sobre a dignidade humana e os deveres da União como guardiã do país.
Pois bem, o artigo 1º da CF/88, em seu inciso III, dispõe que um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil é a dignidade humana, vejamos:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta CF/88.
E o que representa a dignidade da pessoa humana em nosso país, é considerar todos iguais perante a lei, com os mesmos direitos e deveres, ou simplesmente reconhecer que existem pessoas que não tem condições de obter essa dignidade estampada em nossa CF/88?
Quero crer que a questão ainda não foi analisada sob este ponto. Será que não estamos colocando "os menos favorecidos" sob uma condição de indignidade, como se fossem incapacitados de lutar e alcançar seus objetivos?
Voltemos um pouco no tempo, em uma época não muito distante em que não se pensava em instituir quotas e vamos ver a quantidade de personalidades da raça negra que se destacaram, e se destacam atualmente, como por exemplo, Pelé, Gilberto Gil, o Ministro Joaquim Barbosa, Carlinhos Brown, Milton Nascimento e internacionalmente, Martin Luther King, Nelson Mandela, Condoleezza Rice, Kofi Annan e finalmente o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.
Todos eles, senão a maioria, tiveram uma infância humilde e sem qualquer "facilitador" para que alcançassem seus objetivos, ou seja, não necessitaram de quotas para lutar e se destacar.
Será que com este sistema não estaremos tirando as vitórias desta raça lutadora em nosso país? E para os demais cidadãos que, não sendo negros, mas que igualmente não possuem condições de ter educação, saúde e moradia dignas? Não merecem o apoio do Estado Maior?
Neste ponto faço mais uma observação, a que considero mais grave. Com a aprovação do projeto e das inúmeras inclusões que se seguirão em todos os campos, o governo de nosso país estará consolidando sua incapacidade e incompetência de aplicar o que determina a norma fundamental da sociedade brasileira, disposta em seu artigo 6º:
Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta CF/88. (Redação dada pela EC 26/00 - clique aqui)
Assim, se o governo iniciasse seu trabalho como guardião da dignidade humana, como determina o artigo 1º, observando o que consta do artigo 6º da mesma CF/88, e aplicando soluções efetivas e igualitárias a todo seu povo que, por natureza já nasce lutando, certamente não estaríamos discutindo esta questão, pois todos teriam chances de competir por posições melhores na sociedade.
Será que com o sistema de quotas a dignidade daqueles que superam quaisquer dificuldades para alcançar seus objetivos não estará violada?
Penso que a solução para a questão é mais antiga e esta mais visível do que nunca, apenas aplicar a lei, não apenas nossa CF/88, mas todas as leis que garantem ao cidadão condições dignas de vida e de exercer seus direitos e pleitear seu cumprimento por aqueles que a infringem e por aqueles que são eleitos pelo "sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei" (artigo 14 da CF/88).
Não é necessário muito para termos um país digno, o respeito é a base da organização em sociedade, não só o respeito mútuo entre os cidadãos, mas principalmente, o respeito do país para com seu povo, agindo com sabedoria ao aplicar a legislação mais justa e igualitária, que é nossa CF/88.
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*Sócia Diretora da Bonato & Helebrando Advogados