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Viabilidade do pedido de falência

Para a validade do pedido de falência prevista pela lei 11.101/05, certos requisitos devem ser preenchidos. Primeiramente, cabe ressaltar o quanto disposto pelo artigo 94 da Lei, que traz as hipóteses principais para a decretação da falência. Destaca-se, entre elas, aquela prevista pelo inciso I.

27/5/2009


Viabilidade do pedido de falência

Flávia Machado Corchs*

I – Introdução

Para a validade do pedido de falência prevista pela lei 11.101/05 (clique aqui), certos requisitos devem ser preenchidos.

Primeiramente, cabe ressaltar o quanto disposto pelo artigo 94 da lei, que traz as hipóteses principais para a decretação da falência. Destaca-se, entre elas, aquela prevista pelo inciso I.

"Art 94. Será decretada a falência do devedor que:

I - Sem relevante razão de direito não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 salários mínimos na data do pedido de falência."

Quanto aos requisitos formais, cumpre destacar a necessidade de:

(i) protesto do título para fins falimentares,

(ii) exibir os títulos e documentos que legitimam o crédito em seus originais ou cópias autenticadas quando já acostados a outro processo com todos seus elementos, bem como

(iii) identificação, expressa no instrumento, da pessoa que recebeu o protesto no momento da intimação.

A falta de tais requisitos pode implicar na improcedência da ação ou, quando menos, em sua extinção sem julgamento do mérito. Significa dizer que a falência não será decretada em caso de vício no protesto ou em seu instrumento, nos exatos termos do inciso VI, artigo 96, da lei 11.101/05.

II – Protesto Especial para Fins Falimentares

A lei 11.101/2005, em seu artigo 94, § 3°, determina que o credor instrua o pedido de falência com instrumento de protesto para fim falimentar.

No entanto, nesse aspecto, a jurisprudência pacificou seu entendimento, no sentido de que a exigência da Lei pode ser dispensada caso haja o protesto cambial.

Diversos são os julgados recentes nesse sentido, a exemplo dos seguintes, cujas ementas transcrevemos:

Agravo de Instrumento - Falência - Decretação de quebra – Requisitos presentes. Desnecessário protesto especial para a falência, se realizado o protesto cambial - Comprovada a entrega das mercadorias vendidas, bem como não tendo a devedora arguido falta de regalares notificações para o protesto, por indicação, de duplicatas sem aceite não quitadas, em valores fundamentados em notas fiscais emitidas pela vendedora, inexiste in validade dos protestos lavrados e da quebra decretada. Possível que o protesto se faça por indicação, independentemente da apresentação e duplicata ou triplicata Agravo desprovido, determinada a comunicação urgente ao juiz de primeiro grau.1

Falência - Protesto - Inexigibilidade do Protesto Especial em existindo Protesto Cambial de título não pago - Desnecessidade de prévio ajuizamento de execução - Existência, nos autos, de identificação da pessoa que recebeu a intimação dos protestos - Indeferimento da inicial afastado - Recurso Provido.2

Isto porque os Tribunais Estaduais vêm adotando o entendimento que já era utilizado pelo STJ antes da nova lei, a exemplo do seguinte julgado:

Segundo pontifica a melhor doutrina nacional, os títulos de crédito, subordinados ao protesto comum, escapam à necessidade do protesto especial.3

Assim, o fato de não ter sido realizado o protesto especial para fins falimentares não compromete necessariamente a devida propositura de pedido de falência, eis que o dispositivo da Lei que determina tal procedimento vem sendo interpretado extensiva pelos Tribunais.

III – Documentos que legitimam o crédito

Superada esta questão, cumpre analisar a real situação dos títulos que estão em poder do credor.

Neste aspecto, serão analisadas somente as questões acerca de Duplicatas Mercantis, dadas as peculiaridades causais desta modalidade de títulos de crédito.

Em primeiro lugar, é necessário verificar se as Duplicatas Mercantis e respectivas notas fiscais estão acompanhadas da comprovação de recebimento de mercadorias ou serviços.

Neste ponto, a jurisprudência vem adotando uma posição rígida para considerar inválido o título desacompanhado dos referidos comprovantes, tendo em vista que esta ausência retira a certeza, liquidez e exigibilidade do crédito.

Tal entendimento se sustenta no fato de que a ausência dos comprovantes enseja dúvidas quanto à veracidade da relação jurídica entre as partes, excluindo a força executiva do título.

Neste sentido, seguem exemplos do entendimento do TJ/SP:

Falência. Habilitação de crédito. Ausência de comprovante de recebimento de mercadorias. Ação improcedente. Recurso improvido.4

Habilitação de Crédito – Ausência de apresentação dos comprovantes de entrega de mercadoria (canhotos) – Fator necessário e indispensável na constituição do crédito a ser habilitado – Sentença mantida – Recurso não provido.5

Pedido de falência (lei 11.101/05, art. 94, I). Crédito representado por duplicatas sem aceite, protestadas. Ausência de documento hábil comprovando a entrega das mercadorias. Concessão de prazo para complementação da peça postulatória, sem atendimento (CPC, art. 284 - clique aqui). Indeferimento da petição inicial (CPC, art. 284, parágrafo único). Recurso de apelação. Alegada possibilidade de apresentação posterior do documento. Inadmissibilidade. Documento imprescindível à comprovação da executividade dos títulos (Lei 5.474/68, art. 15, II - clique aqui), necessária para o pedido de falência (Lei 11.101/05, art. 94, I, e § 3º). Prova documental que deve ser produzida com a petição inicial (CPC, art. 396), sendo documento essencial. Recurso desprovido.6

Há uma ínfima possibilidade de consideração da validade do título, em caso de ausência dos comprovantes de entrega das mercadorias, qual seja: o registro do recebimento nos livros contábeis da falida.

São poucos julgados neste sentido, quais sejam:

Falência. Habilitação de Crédito. Indeferimento. Falta de comprovação da entrega da mercadoria. Admite-se a comprovação da origem do crédito original desacompanhada do comprovante de recebimento da mercadoria – para fins de habilitação – quando tal recebimento está registrado dos livros contábeis da falida, cuja legalidade foi atestada em laudo pericial. Recurso acolhido.7

Habilitação de crédito - Contrato de mútuo - Ausência de comprovação da efetiva entrega à empresa falida dos valores constantes nos contratos – Perícia contábil que não encontrou qualquer lançamento nas declarações de imposto de renda do habilitante nem nos livros contábeis da falida relativo às operações mencionadas - Ação improcedente - Recurso desprovido.8

Percebe-se que há a possibilidade de propositura da ação sem os comprovantes, mas será necessária a realização de perícia para verificar os registros nos livros contábeis da empresa, assumindo-se o risco de não constarem os créditos do credor, como se verifica no segundo julgado acima citado.

IV – Necessidade de identificação expressa no instrumento do recebedor do protesto no momento da intimação.

Cumpre destacar ainda, que no instrumento de protesto deve constar expressamente o nome do recebedor da notificação, e não somente que a intimação foi feita por aviso de recebimento ou que a intimação foi pessoal.

Neste aspecto, verificou-se a maior rigidez da jurisprudência: há vício no instrumento quando não apontado expressamente o recebedor, ensejando a hipótese de não decretação da falência, prevista no inciso, do artigo 96, da lei 11.101/2005.

São exemplos deste entendimento os seguintes julgados:

Agravo de instrumento – Falência – Protesto - Falta de identificação do recebedor. Jurisprudência consolidada no STJ faz "irregular para o fim de decreto de falência o protesto do título sem ter sido identificado o recebedor da notificação. Agravo provido."9

Falência - Protesto - Imprescindibilidade da identificação da pessoa que recebeu a notificação do protesto, sob pena de inviabilizar o pedido de falência - Precedentes do STJ - Decreto de falência afastado - Recurso Provido.10

Pedido de falência (lei 11.101/05, art. 94, I). Improcedência decretada em razão da ausência de indicação da origem do crédito em que o pedido se apoiou. Inadmissibilidade, não só pela desnecessidade da indicação, mas também porque houve expressa indicação na petição inicial. Protestos, todavia, que não indicam a pessoa a quem as intimações foram entregues, acrescentando-se a existência de dúvida quanto a pessoa sobre quem foi realizada a citação, ausente qualquer defesa. Improcedência mantida por fundamento diverso. Processual civil. Despesas processuais. Honorários advocatícios. Fixação em favor da ré em processo que não houve defesa. Inadmissibilidade. Verba excluída. Recurso parcialmente provido.11

Pedido de falência (lei 11.101/05, art. 94, I). Protestos. Intimação. Ausência de identificação da pessoa que recebeu a correspondência. Irregularidade reconhecida. Sentença de extinção do processo sem julgamento do mérito. Apelação. Orientação do STJ. Recurso não provido.12

Falência. Duplicata mercantil não aceita e protestada por falta de pagamento. Protesto irregular em face da não identificação da pessoa que foi intimada. Orientação jurisprudencial do STJ no sentido de que o protesto para fins de falência deve identificar a pessoa que recebeu a intimação. Extinção do processo, sem julgamento do mérito, mantida. Apelo desprovido.13

Dessa forma, verifica-se que não pode haver deficiência nos títulos de crédito sendo vedada a ausência dos comprovantes de mercadorias, bem como deve constar expressamente o recebedor do protesto, pois no entendimento jurisprudencial tais requisitos são essenciais.

V – Possível conseqüência da propositura equivocada do Pedido de Falência

Há que se considerar ainda, que a lei 11.101/2005 prevê em seu artigo 101 a hipótese de responsabilização do Autor do pedido de falência, sujeitando-o à indenizar o devedor, apurando-se as perdas e danos em liquidação de sentença.

Tal condenação ocorrerá caso o Juízo entenda que houve dolo na propositura da demanda, podendo aplicar a indenização na sentença de improcedência da falência.

VI - Conclusões

A decretação da falência exige requisitos impreteríveis, quais sejam: comprovante de recebimentos das mercadorias ou serviços e identificação expressa no instrumento do recebedor do protesto.

Se ausentes os requisitos essenciais para a propositura da ação, a ação de falência deve ser considerada temerária, pois não haverá elementos suficientes e convincentes para que a falência seja decretada.

Ademais, assume-se o risco de eventual entendimento do Juízo quanto ao dolo, acarretando uma condenação de indenização ao Réu, podendo até mesmo inverter a condição do Autor de credor para devedor.

No entanto, é possível a propositura da ação de execução por título extrajudicial, a qual também é arriscada quando não preenchidos seus requisitos, porém, com conseqüências menos gravosas do que a ação falimentar..

Isto porque, se oferecidos embargos à execução pelo devedor, caso haja impugnação aos documentos (falta de comprovante de recebimento), poderá se produzir outros meios de prova a fim de comprovar a validade dos títulos e a veracidade da relação jurídica, trazendo maiores chances de êxito ao credor.

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1 Agravo de Instrumento 595.799.4/5-00, Relator José Roberto Lino Machado, Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais de Direito Privado do Tribunal, j. 28/1/09.

2 Apelação Cível 608.852-4/5-00, Relator Elliot Akel, Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, j. 17/12/08

3 STJ - Resp 50827/GO – 4ª Turma - Rel. Min. Sávio de Figueiredo Teixeira - unânime - j. 27/5/96

4 Apelação Cível 539.274-4/0-00, Relator Piva Rodrigues, 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, j. 29/7/08

5 Apelação Cível 336.193-4/0-00, Relator Elcio Trujilo, 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, j. 6/12/05

6 Apelação Cível 5812744200, Relator Boris Kauffmann, Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, j. 27/8/08.

7 Apelação Cível 274.494-4/2, Relator Antonio Vilenílson, 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, j. 30.09.2008.

8 Apelação Cível 5089584000, Relator Boris Kauffmann, Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, j. 7/10/08

9 Agravo de Instrumento 5497784800, Relator Lino Machado, Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, j. 30/7/08

10 Agravo de Instrumento 578 452-4/8-00, Relator Eliott Akel, Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, j. 29/10/08

11 Apelação 6112194400, Relator Boris Kauffmann, Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, j. 17/12/08

12 Apelação 5912954600, Relator Boris Kauffmann, Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, j. 29/10/08

13 Apelação 469.202-4/8-00, Relator Pereira Calças, Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, j. 17/1/07

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* Advogada do escritório Robortella Advogados

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