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Críticas ao projeto de lei de recuperação da empresa

Subscrevo, com ênfase, as críticas do preclaro Prof. Manoel Justino Bezerra Filho e do Dr. Luiz Augusto de Souza Queiroz Ferraz aos artigos 49, § 3º, e 57, do “Projeto de Lei de Recuperação e Falência da Empresa e do Empresário”, expostas, com segurança e brilho, neste mesmo espaço, no dia 16 de novembro.

24/11/2004

Críticas ao projeto de lei de recuperação da empresa

 

Jorge Lobo*

 

 

Subscrevo, com ênfase, as críticas do preclaro Prof. Manoel Justino Bezerra Filho e do Dr. Luiz Augusto de Souza Queiroz Ferraz aos artigos 49, § 3º, e 57, do “Projeto de Lei de Recuperação e Falência da Empresa e do Empresário”, expostas, com segurança e brilho, neste mesmo espaço, no dia 16 de novembro (v. abaixo), convencido de que o juízo da recuperação deveria ser universal, tal qual prevê o meu “Anteprojeto de Lei de Reorganização da Empresa”, apresentado ao Gabinete Civil da Presidência da República em 1991, verbis: “Juízo universal. Art. 7º: Ao juízo da reorganização concorrem todos os credores da empresa, inclusive os credores por acidentes do trabalho, os credores trabalhistas, a fazenda pública federal, estadual e municipal, a previdência social, os credores com direito real de garantia e os credores com privilégio especial sobre determinados bens” (Anoto, por oportuno, que, em 1989, quando o redigi, o contrato de arrendamento mercantil, incorporado ao direito positivo brasileiro pela Lei nº 6.099, de 1974, era objeto de acalorada discussão, sobretudo quanto à sua natureza jurídica, razão pela qual não consta da enumeração do art. 7º, pois preferi deixar a cargo da doutrina e da jurisprudência o deslinde da questão com relação ao leasing e, quanto ao ACC, ao legislador a revogação do art. 75, § 3o, da Lei nº 4.728/65).

 

Embora concorde com as críticas, discordo das conclusões, esclarecendo, desde logo, que não sou um defensor dos trabalhos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, mas, apenas, um entusiasta do instituto da reorganização da empresa econômica e financeiramente viável e/ou social, política e estrategicamente importante, abstendo-me de adentrar no exame de diversas observações, tais como, p. ex., espera-se que (a) “tudo melhorará” (após a promulgação da nova lei) “e a empresa mal sucedida, terá todas as possibilidades de uma recuperação real, com benefícios sociais de toda ordem, que este novo horizonte aponta”; (b) o “spread” bancário se reduzirá como num passe de mágica; (c) “quem acredita” na “possibilidade” de a “empresa convencer” os “credores no exíguo prazo de cento e oitenta dias” “tem um pedação da Lua guardado em casa”, etc.

 

Discordo das conclusões quanto aos benefícios da nova Lei de Recuperação porque todo o raciocínio — aliás muito bem engendrado — se baseia numa hipótese raríssima, autêntica exceção: a salvação de uma empresa aérea com substancial parcela do passivo exigível formada por dívidas decorrentes de arrendamento mercantil, cujos credores, de fato, estariam “fora” do processo judicial de reorganização, conforme dispõe o art. 49, § 3º.

 

Mas, para aprofundar a discussão, aceito o exemplo como válido e recordo ao douto Juiz do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo e ao douto advogado que o credor da empresa em crise — qualquer credor, sobretudo os fabricantes de motores de avião — tem mais interesse e mais se empenha em conservar o cliente do que receber o que lhe é devido, mormente se, para receber, for compelido a “quebrar” o devedor.

 

Esse credor, se o plano de recuperação viabilizar o saneamento da empresa, não precisará “abdicar de todos os seus direitos”, rectius, manter-se fora do processo judicial, mas, tão só, deixar evidenciado, para o devedor, demais credores e o público em geral, que confia no projeto de reerguimento e que o apóia, materializando o seu propósito através de uma ampla e profunda renegociação de seu crédito, aliada a novos fornecimentos e à continuidade da reposição e manutenção de equipamentos e peças.

 

E quanto às certidões negativas de dívidas fiscais ativas?

 

Pondo de lado a promessa do Governo Federal, segundo a qual o art. 57 será alterado, de modo a não impedir a consecução dos fins do art. 47, à empresa só restará o art. 68 – não há dúvida de que é muito pouco -, que lhe permite o parcelamento dos débitos.

 

Enfrentada a questão tal como posta pelos eruditos articulistas, volto ao início, para justificar, d.v., a minha discordância.

 

A meu ver, a virtude capital do “Projeto de Lei de Recuperação da Empresa” foi tornar o credor um protagonista no esforço de reestruturação, saneamento e recuperação da empresa em crise e não, como ocorre hoje, um sujeito passivo e inerte e manietado da iniciativa do devedor quando se confessa sem condições de cumprir suas obrigações e dívidas na forma contratada.

 

Como deverá comportar-se o credor, chamado a participar ativa e decisivamente do processo de recuperação e a agir consoante o comando do art. 47?

 

Penso, s.m.j., que o credor, após examinar os termos do pedido inicial e avaliar o plano de recuperação, deliberará, em assembléia geral, de acordo com o seu “melhor” interesse, ciente de que o seu interesse será objeto de ponderação com o interesse do devedor e dos demais credores, o que denominei, no livro “Comentários à Lei de Recuperação da Empresa”, coordenado pelos Profs. Paulo Salles de Toledo e Carlos Abrão, quando tratei da exegese do art. 58, “Ponderação de Fins e Ponderação de Valores na Lei de Recuperação da Empresa”, findo o qual conclui que nem a assembléia geral de credores “tudo pode”, nem, tampouco, o juízo da recuperação judicial é um mero “carimbador” de suas deliberações, pois a CF e a LOMAN garantem-lhe o controle da legalidade intrínseca e extrínseca, como, outrossim, cfr. o caso concreto, o controle de mérito do plano de recuperação e da deliberação da assembléia geral de credores.

 

_________________

 

*Doutor e Livre Docente em Direito Comercial pela UERJ

 

___________________

  • Migalhas 1.048 – 16/11/04 - "Recuperação de empresas: voando pelo imaginário" - Clique aqui

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