Nas ruas com o meu dinheiro
Paulo Passos*
Por ato impensado de um de seus Ministros, a magnitude do STF foi manchada.
Descomedido, pecando pela falta de educação, de ética e, principalmente de acato ao seu superior hierárquico, um funcionário a quem o Estado outorgou a mais alta competência jurisdicional propiciou aula invulgar de falta de cidadania.
Deixou a quilômetros os princípios da educação ao, de maneira ríspida e grosseira, sob o manto da toga, proferir palavras próprias de botequim, ou, quiçá, de locais menos nobres.
Foi antiético ao fugindo do seu estrito dever legal – discutir fatos e Direito na busca de solução da lide -, usar do plenário daquele sodalício para, ao que parece, destilar ódios de há tanto contidos, proferir ataques pessoais os mais graves.
Deixou de acatar a hierarquia – alicerce básico da Administração - ao, em seu destempero, insurgir-se não contra opinião de um de seus pares – o que possível e louvável -, mas, ir além, acusar, desfazendo de seu modo de condução, o Presidente da mais alta Corte Brasileira, a quem deve, portanto, enquanto Juiz, subserviência.
O fato que, indubitavelmente mereceria instauração de procedimento administrativo, marcou, além da cena perpetrada pelo ministro-pugilista (de seu cartel, ao que se infere da imprensa, constam os treinos que fazia em casa, usando por sparring a própria mulher, além das vitórias por desistência contra outros quatro Ministros, alguns até debilitados fisicamente), por bordão exaustivamente repetido ao seu interlocutor: Faça como eu Ministro, saia às ruas!
Levado pelo inusitado do que assistia, debrucei-me, faço a mea culpa, simplesmente sobre esse ponto, inocentemente querendo crer, como todo o brasileiro, que, finalmente encontrara alguém que sensível às angustias dos jurisdicionados teimava em deixar a redoma de vidro em que, invariavelmente, se abrigam os componentes dos Tribunais Superiores, e viesse ao seio do povo, caminhasse pelas periferias sofridas, sentisse, enfim, o grito silencioso que brota das sarjetas.
Para o meu desencanto, no entanto, no dia seguinte ao fatídico acontecimento, me chamou a atenção a imprensa para fato de que o senhor Ministro, na mesma tônica de tantos outros, em Brasília, conhece por ruas, apenas o caminho que segue em busca de restaurantes de primeira linha da capital da Republica, onde, quem sabe, entre os mais variados e sofisticados pratos converse com requintados garçons sobre a temperatura do vinho, sempre sob a vigilância e deleite dos repórteres que cotidianamente cobrem o local.
Incomodado, quem sabe com a repercussão negativa, que punha em cheque suas palavras, o Ministro fez questão de comparecer a sofisticado restaurante carioca – tido como o mais tradicional daqueles que servem o centro do Rio -, refestelando-se com as iguarias ali servidas, bem como, após isso, como o atleta que cumprimenta a torcida, caminhar por dois quarteirões, buscando láureas por sua atuação.
E o fez de maneira pausada, distribuindo acenos e se fazendo fotografar, dizem as reportagens, até chegar ao carro oficial, estrategicamente estacionado a certa distância do Bar do Luiz, seu destino inicial.
Senhor Ministro, se a indignação anterior com o episódio ao que senhor deu azo, por parte do velho cultor da Justiça era grande, agora mais se avoluma, ao notar que V. Exa. além de em pleno dia útil (sexta-feira, 24 de abril), ao invés de se dedicar ao labor para o qual é pago, se dar ao lazer, ainda usa para tanto automóvel pago pelo cada vez mais suado dinheiro da população brasileira.
Não afrontou o senhor a nação brasileira somente ao fazer estremecer, por mera bazófia, os pilares do Poder Judiciário, pilastra maior em que se alicerçam tantas esperanças. Atentou também contra a boa-fé dos cidadãos, ou ao menos daqueles que ainda colocavam o STF no ápice das instituições confiáveis.
Vá às ruas, efetivamente, senhor Ministro. Percorra os grotões onde se abriga uma população esquecida; vá às favelas, onde as desgraças humanas se sucedem; perambule pelas ruas, nas madrugadas, presencie os dramas dos menores abandonados e dos maiores sem futuro. Faça com o que o Judiciário se humanize Para isso, por favor, use o carro oficial. Para o descanso extemporâneo, na procura de absolvição popular, use de seu próprio veículo. É o que como cidadão brasileiro, dono de uma parcela de tal automóvel, irresignado com a afronta, eu determino.
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*Advogado
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