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Denuncismo, mordaça e liberdade de imprensa

Projeto que ficou conhecido como “Lei da Mordaça”, preparado pelo então ministro da Justiça, Nélson Jobim, foi, cerca de dois anos depois, em dezembro de 1999, aprovado pela Câmara dos Deputados. Já no Senado, foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça.

19/11/2004

Denuncismo, mordaça e liberdade de imprensa


José Barcelos de Souza*

Projeto que ficou conhecido como “Lei da Mordaça”, preparado pelo então ministro da Justiça, Nélson Jobim, foi, cerca de dois anos depois, em dezembro de 1999, aprovado pela Câmara dos Deputados. Já no Senado, foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça. Falta agora ser aprovado em plenário. Com pedido de urgência na votação, por vice-líder do governo, senadores da oposição manifestaram o propósito de obstruí-la.

O projeto, em síntese, proíbe membros do Ministério Público, juízes, delegados e autoridades policiais ou administrativas de darem informações de processos em investigação.

Há uma oposição danada ao projeto. De membros do Congresso e do Ministério Público especialmente. Chegou-se a acusar o digno ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que apoiou o projeto, de refletir a posição do governo federal. Acho que ele está a favor é porque, bom advogado criminalista, sabe das coisas.

Outro projeto, este de reforma do Código de Processo Penal na parte referente ao inquérito policial, também cuida da matéria. Em palestra que fiz, atendendo a convite da Associação dos Advogados de S. Paulo, salientei que no projeto, que a meu ver não é lá grande coisa, havia, entretanto, uma notável e extraordinária novidade que, a meu sentir, é tão importante e útil que por si só valeria por uma reforma. Trata-se do seguinte dispositivo, que visa resguardar a imagem e a privacidade de indiciados e ofendidos:

Durante a investigação, a autoridade policial, o Ministério Público e o juiz tomarão as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do investigado, do indiciado, do ofendido e das testemunhas, vedada sua exposição aos meios de comunicação”.

Justifiquei meu entendimento dizendo que era ainda recente fato ocorrido ali mesmo em São Paulo, de vazamento de notícia sobre suposta corrupção de menores por parte de um casal de professores, proprietários de um estabelecimento de ensino. Eram inocentes. Mas foram execrados pela mídia e pela opinião pública.

Não me esqueço do abatimento de um meu aluno, muitos anos atrás, ao ter sua fotografia estampada em jornal, como indiciado em estelionato por emissão de vários cheques sem fundo. Como depois se apurou, um seu talão de cheques havia sido furtado, meses antes, por um companheiro de pensão, que confessou os crimes. Dificílima a reparação dos danos que semelhantes publicações causam. Não estou me posicionando, é bem de ver, a favor da chamada “mordaça”, mas de um dispositivo de lei que proteja a dignidade da pessoa humana. E que propicie acatamento à Constituição, que acolheu o princípio da presunção da inocência de quem ainda não foi condenado.

Para melhor justificar minha posição, transcrevo um texto do saudoso Prof. Roberto Lyra, que foi chamado de “príncipe dos promotores brasileiros”:

“Desgraçado de quem recebeu em sua casa um raio de tragédia. Não disporá de defesa nem meios equivalentes e contemporâneos para a divulgação da verdade, mesmo depois de reconhecida a inocência. Desaparece o segredo de família, que é um dos mais relevantes bens jurídicos. Há o linchamento moral, sobretudo dos humildes que só têm a perder a honra, o emprego, a melhoria, o respeito dos poucos que os amam e ajudam, gastando os últimos centavos nos assaltos do crédito leonino para salvá-los de quantos abutres usam a forma humana. Menores, doentes mentais não são poupados aos vilipêndios escabrosos. O repórter vara tudo o que é melindroso, íntimo e confidencial. Anos e anos de retidão e trabalho são destruídos. Envolve-se de sombras todo o futuro, corvejando, sadicamente, sobre as desgraças. O repórter acusa, defende, condena, calunia, prejulga de plano, com a palavra, o som, e a imagem”.

Por isso mesmo, parece-me que assistiu razão ao Presidente da República ao reprovar o que chamou de denuncismo. A polêmica proposta de criação do Conselho Federal de Jornalismo não fere, nem pode ferir, a indispensável liberdade de imprensa. Antes, favorecerá uma melhor fiscalização, a evitar excessos.
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*Professor Titular da Faculdade de Direito da UFMG e diretor do Depto de Direito Processual Penal do IAMG - Instituto dos Advogados de Minas Gerais







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