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Conflito de interesses na sociedade anônima

O conflito de interesses nas sociedades anônimas tem sido motivo de muitos debates doutrinários e as decisões a esse respeito têm variado bastante em função da polêmica e da complexidade inerentes ao tema. A discussão centra-se no artigo 115 da Lei nº 6.404, de 1976, e alterações - a Lei das Sociedades Anônimas - e na caracterização do conflito de interesses ali tratado.

19/11/2004

Conflito de interesses na sociedade anônima


Adriano Castello Branco

Márcio Tadeu Nunes*

O conflito de interesses nas sociedades anônimas tem sido motivo de muitos debates doutrinários e as decisões a esse respeito têm variado bastante em função da polêmica e da complexidade inerentes ao tema. A discussão centra-se no artigo 115 da Lei nº 6.404, de 1976, e alterações - a Lei das Sociedades Anônimas - e na caracterização do conflito de interesses ali tratado. Quando a consecução do interesse social implicar para o acionista a renúncia ou o sacrifício do seu próprio interesse, especialmente qualificado pela contraposição ao bem maior buscado pela companhia, haverá uma situação de conflito, impondo que o acionista seja previamente afastado da deliberação correspondente. Essa é a regra geral para aferição do conflito de interesses.

No direito comparado, não raro se verificam hipóteses fáticas nas quais se presume existir um conflito entre a posição individual do acionista e o interesse social. Esse fenômeno se apresenta como impedimento de voto, ou seja, uma hipótese qualificada de conflito em que a lei busca preservar a relação de igualdade entre os acionistas. Aqui já se percebe uma grande distinção sobre o alcance do artigo 115 da Lei das Sociedades Anônimas e seus parágrafos, uma vez que o conflito de interesses e a proibição de voto não são facetas do mesmo instituto, comportando regimes jurídicos próprios e soluções diferenciadas. A proibição de voto lida com a tutela de interesses indisponíveis, cuja sanção remete para a nulidade do voto que fere a regra do prévio dever de abstenção. Já o conflito remete para soluções compensatórias, cabendo, em poucos casos, a proclamação da anulabilidade da deliberação. Lembre-se, ainda, que a nulidade do voto nem sempre conduz à nulidade da deliberação, porquanto o voto, como negócio jurídico com autonomia própria, não tem sua sorte vinculada à da deliberação assemblear.

A Lei das Sociedades Anônimas proíbe o voto (1) no ato da aprovação das contas dos administradores, quando o acionista ou seu representante integram a administração cujas contas estão sendo apreciadas; (2) no ato de aprovação do laudo de avaliação dos bens com que o acionista concorra para a formação do capital social; (3) nas deliberações que puderem beneficiá-lo de modo particular; e (4) na situação em que o acionista tiver um interesse conflitante com o da companhia. Assimiladas as distinções acima propostas tem-se que, com exceção do item (4) supra, as demais possibilidades lá previstas não revelam verdadeiras hipóteses de conflito de interesses.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), no Inquérito Administrativo nº TA/RJ2001/4977, decidiu penalizar, com multa, o acionista controlador e seu representante legal com base no parágrafo 1º do artigo 115, em virtude do impedimento do exercício do direito de voto em decisão assemblear acerca do pagamento de royalties pelo uso de marca pertencente ao controlador indireto. Tal decisão propôs que o conflito de interesses deve ser apreciado de maneira formal, interpretando que a regra constante do parágrafo 1º do artigo 115, a qual dispõe sobre situação em que o acionista tiver um interesse conflitante com o da companhia, implicaria o controle prévio da legitimidade do voto, contrapondo-se à tese de conflito substancial, em que o conflito não é aferível a priori e nem leva à proibição de voto prévia e própria do regime legal dos impedimentos. Esta última tese, a qual, segundo pensamos, melhor interpreta a parte final do parágrafo 1º do artigo 115, foi encampada no Inquérito Administrativo nº RJ 2002/1153. Porém, no início de 2004, o Conselho Federal de Recursos do Sistema Financeiro Nacional julgou, em segunda instância, os recursos administrativos (nº 4.120 e 4.585), referentes a esses inquéritos. No primeiro caso, foi mantida a decisão da CVM e, no segundo, reconheceu-se a existência de conflito de interesses formal.

A despeito das controvérsias, optou a Lei das Sociedades Anônimas, na parte final do parágrafo 1º do artigo 115, por uma solução neutra, isto é, as matérias que não reclamam proteção especial e expressa em face das partes envolvidas na relação societária, ou nas quais não se possa divisar qual delas estará sujeita ao arbítrio da outra se empregado o critério da proibição prévia do direito de voto, se resolvem pelo exercício desse direito manifestado no âmbito da assembléia geral. Eventuais abusos são resolvidos por instrumentos repressivos e de índole marcadamente patrimonial. Isso significa que o controle judicial do voto deve ser posterior e não precedente à sua manifestação. Aliás, o direito brasileiro, na linha dos modelos italiano e americano, opta pelo exame casuístico da situação de conflito de interesse, acrescendo-lhe a necessidade de ser revelado de forma inconciliável e com controle a posteriori.

Em conclusão, note-se que o exercício regular do direito de voto é presumido, ao passo que o conflito de interesse e o impedimento de voto são hipóteses excepcionalmente ligadas à sobreposição de interesses individuais aos interesses sociais. Aguardemos que futuras decisões administrativas e judiciais considerem a riqueza de possibilidades jurídicas que envolvem o tema em discussão.
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* Advogados do escritório Veirano Advogados









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