Implicações ambientais da lavagem de automóveis
Anderson Luiz Martins de Moura*
Existem em alguns países restrições ao uso da água para diversas atividades, entre elas a lavagem de carros. Na Alemanha, a legislação chega a proibir que os automóveis sejam lavados nas ruas, obrigando os motoristas a utilizarem lava - rápidos que, por sua vez, devem obedecer às severas normas locais sobre dispensa e reuso da água utilizada (à qual se agregaram óleos, graxas, combustível, etc.).
Considerando a necessidade constante e crescente de controle da poluição e do uso racional dos recursos naturais, esse conceito pode ser proveitoso à realidade brasileira.
Aparentemente inocente, a lavagem de automóveis nas ruas e demais espaços públicos oferece potencial perigo ao meio ambiente e, consequentemente, à saúde de todos. Isto, porque além de demandar centenas de litros de água para lavagem de um único veículo, essa água carrega consigo as graxas, os solventes e o óleo lubrificante das peças do automóvel.
Estas substâncias são tóxicas e capazes de gerar graves danos ambientais. O óleo lubrificante, por exemplo, apresenta ácidos orgânicos e metais pesados em sua composição, sendo classificado pela ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas como resíduo perigoso (NBR-10004). Sua destinação final é detalhadamente regulada pela legislação brasileira para que se evitem danos ao meio ambiente e à saúde pública.
Ocorre que, sem que muitos percebam, esse mesmo resíduo perigoso tão cuidadosamente tratado pela legislação atinge o solo e as redes de esgoto através da água utilizada na lavagem de automóveis. Contaminam-se assim, além da água destinada ao uso doméstico, os lençóis freáticos, rios, lagos e mares.
Estudos mostram que o óleo automotivo usado pode danificar e até paralisar uma estação de tratamento, prejudicando o abastecimento de cidades inteiras. Apontam ainda que apenas um litro desse mesmo óleo seria suficiente para contaminar um milhão de litros de água.
Essa degradação do meio ambiente é punível nas esferas penal, administrativa e civil. Na primeira é possível punir-se pelo crime ainda que não tenha existido dolo ao praticá-lo. Na segunda, a pena de multa pode variar de cinco mil a cinqUenta milhões de reais. Quanto à última, a obrigação pela reparação surge a partir da simples existência do dano, mesmo que tenha sido causado sem culpa. Além disso, todas estas conseqüências jurídicas podem ser aplicadas cumulativamente.
Ficam sujeitos à essa responsabilização, portanto, postos de combustível, lava-rápidos, estacionamentos, motoristas em geral, e todo aquele que lave automóveis de modo a descartar a água no solo ou na rede de esgoto comum.
Considerando o tamanho e o crescimento da frota nacional de automóveis; a quantidade de água utilizada na limpeza de um único veículo, e as dificuldades encontradas, tanto no controle do uso da água como no cumprimento das normas que regulam o descarte do óleo lubrificante, percebe-se facilmente o potencial perigo que a (aparentemente) simples lavagem de automóveis pode causar.
A regulamentação dessa atividade, inclusive com exigência de licença ambiental, é, portanto, plenamente defensável diante do potencial poluidor que ela apresenta.
Assim como as mencionadas restrições da legislação alemã, na Austrália há normas que impõem aos lava-rápidos um limite de uso de água potável por carro. Essa restrição acabou fomentando o reuso da água nesses estabelecimentos.
No Brasil, a Lei 3.812/06 (clique aqui), do Distrito Federal, tornou obrigatório o reaproveitamento da água utilizada nos postos de lavagem de veículos.
O reuso e o controle de contaminação dessa água pode ser feito de uma só vez através de sistemas similares aos de separação de areia e óleo, comuns em oficinas e postos de combustível. A água que é canalizada para separação desses resíduos pode ser reutilizada na lavagem de outros veículos, enquanto os poluentes ficam retidos em filtros para posterior descarte adequado. Estima-se um índice de reaproveitamento de aproximadamente 80% dessa água, sem causar danos aos automóveis lavados com ela.
Porém, dificilmente uma norma isolada modifica um comportamento. É preciso que as políticas públicas acompanhem a intenção da lei, e que seja promovida a conscientização da população que esta sujeita a ela.
Mesmo no mencionado exemplo alemão, parte dos motoristas consegue burlar a fiscalização e continua a lavar seus veículos nas ruas. Por sua vez, no caso australiano, alguns lava-rápidos se organizaram para a criação de um standard sobre o uso da água em suas atividades, fazendo com que os consumidores saibam quão ecologicamente corretos são os estabelecimentos auditados.
No caso do Distrito Federal, alguns donos dos postos de lavagem preferiram evitar os custos iniciais e a disponibilização do espaço necessário para instalação dos filtros. Para os que se dispuseram a cumprir a lei, a falta de aterros químicos na região tornou excessivamente difícil o descarte adequado dos resíduos filtrados.
Portanto, a aparentemente inocente lavagem de um automóvel é, na verdade, uma atividade potencialmente perigosa ao meio ambiente. Para controlá-la, tão importante quanto a regulamentação é a conscientização geral, inclusive do setor público, para os riscos ambientais que esta e outras atividades cotidianas podem causar à saúde pública.
______________
*Advogado do escritório De Vivo, Whitaker, Castro e Gonçalves Advogados
_______________