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O advogado como testemunha em juízo

O sigilo das informações disponibilizadas pelos clientes a seus Advogados é um dos princípios básicos da advocacia, inerente ao exercício da profissão. Da mesma forma que o Advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos termos do art. 133 da Constituição Federal, as informações confidenciais de seus clientes também são invioláveis.

8/11/2004

O advogado como testemunha em juízo


Carlos S. Forbes

Marco V. Gasparetti*

1. Das normas éticas relativas ao sigilo profissional do Advogado

O sigilo das informações disponibilizadas pelos clientes a seus Advogados é um dos princípios básicos da advocacia, inerente ao exercício da profissão. Da mesma forma que o Advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos termos do art. 133 da Constituição Federal, as informações confidenciais de seus clientes também são invioláveis.

Nesse sentido, o Código de Ética e Disciplina da OAB e o Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94) conferem especial proteção às informações que os clientes fornecem a seus Advogados para o patrocínio de suas causas, punindo, com rigor, os desvios de conduta.

Entretanto, questão bastante interessante surge quando se analisa a possibilidade do Advogado, solicitado e autorizado por seu cliente, prestar testemunho em juízo sobre fato de que tenha conhecimento em razão do exercício da profissão.

Nos termos do art. 26 do Código de Ética, “o advogado deve guardar sigilo, mesmo em depoimento judicial, sobre o que saiba em razão de seu ofício, cabendo-lhe recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou tenha sido advogado, mesmo que autorizado ou solicitado pelo constituinte”.

Nesse mesmo sentido, o Estatuto da Advocacia, ao enumerar os direitos do Advogado dispõe que entre estes se inclui o de “recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional” (art. 7º, XIX).

Desta forma, o fato de um Advogado testemunhar sobre assuntos que constituam sigilo profissional pode, em tese, configurar infração disciplinar ética, punível com a pena de censura, nos termos do art. 34, VII c/c art. 36, I, da Estatuto da Advocacia, podendo, além disso, ser caracterizado como crime de “violação de segredo profissional”, previsto no art. 154 do Código Penal, punível com detenção de 3 meses a um ano.

Por outro lado, a divulgação de segredo profissional é permitida por lei em hipóteses bastante restritas. Nos termos dos arts. 25 do Código de Ética, o sigilo profissional pode ser quebrado quando houver “grave ameaça ao direito à vida, à honra, ou quando o advogado se veja afrontado pelo próprio cliente e, em defesa própria, tenha de revelar segredo, porém sempre restrito ao interesse da causa”. E ainda, nos termos do art. 27, “as confidências feitas ao advogado pelo cliente podem ser utilizadas nos limites da necessidade da defesa, desde que autorizado aquele pelo constituinte”.

2. Das normas processuais sobre o testemunho de Advogado

Como regra, a todos incumbe o dever de colaborar com a Justiça na apuração da verdade, a fim de que os litígios sejam legitimamente compostos e resolvidos. Há, contudo, hipóteses na lei processual civil nas quais a pessoa, seja por seu estado pessoal, seja por sua relação com as partes, está desobrigada de tal dever e, mais ainda, não pode prestar testemunho em juízo, em razão de impedimento, suspeição ou incapacidade.

No caso do Advogado que esteja assistindo ou tenha assistido às partes, temos que este, nos termos do art. 405, § 2º, III, do Código de Processo Civil, está impedido de depor. Assim, seu testemunho apenas pode ser colhido caso tal providência seja estritamente necessária a esclarecimento de fato controverso na demanda. Neste caso, todavia, o testemunho será prestado independentemente de compromisso, funcionando o Advogado como informante do Juízo, devendo o juiz atribuir às suas declarações o valor que possa merecer (CPC, art. 405, § 4º).

Ocorre que há casos em que nem em tal hipótese o Advogado pode ser compelido a prestar testemunho. Versando a prova testemunhal sobre fato relativo à relação profissional do Advogado com uma das partes, incide o disposto no art. 406 do CPC, segundo o qual a testemunha não pode ser obrigada a depor sobre fatos a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo.

De outro lado, o Código de Processo Penal estabelece, em seu art. 207, que “são proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar seu testemunho”. Verifica-se, portanto, que na lei processual penal o Advogado não perde a qualidade de testemunha, podendo, autorizado por seu cliente, depor em seu favor.

3. Do entendimento do Tribunal de Ética da OAB/SP sobre a questão

Conforme precedente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP, o testemunho de Advogado sobre fatos que constituem sigilo profissional, mesmo quando autorizado pelo cliente, pode caracterizar infração ética:

“SIGILO PROFISSIONAL - TESTEMUNHA - DEPOIMENTO JUDICIAL DE ADVOGADO AUTORIZADO PELO CLIENTE

Advogado que tenha oficiado em medida cautelar preparatória, quer constituído diretamente, quer por força de substabelecimento de procuração, está impedido de depor como testemunha, no processo principal, ainda que a pedido e com autorização de quebra do sigilo profissional pelo ex-cliente. O sigilo profissional é de ordem pública e a sua quebra está regulamentada. Imperativo de observância estrita dos arts. 25 e 26 do CED e arts. 33 e 34, inciso VII do EAOAB.” (Proc. E-1.797/98 - V.U. em 11/02/99 do parecer e voto do Rel. Dr. CLODOALDO RIBEIRO MACHADO - Revª. Dra. MARIA CRISTINA ZUCCHI- Presidente Dr. ROBISON BARONI.

Assim, em regra, o Advogado não pode prestar depoimento sobre fatos que constituem sigilo profissional, por se tratar de vedação de “ordem pública”. Nesse sentido, o Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP acabou editando a Resolução nº 17/2000, que em seu art. 2º dispõe:

Art. 2º - Não é permitida a quebra do sigilo profissional na advocacia, mesmo se autorizada pelo cliente ou confidente, por se tratar de direito indisponível, acima de interesses pertinentes, decorrente da ordem natural, imprescindível à liberdade de consciência, ao direito de defesa, à segurança da sociedade e à garantia do interesse público.”

Por outro lado, o Advogado, quando solicitado pelo cliente, pode prestar depoimento sobre fatos que, em seu entendimento, são necessários à defesa dos interesses de seu cliente, estando, assim, “liberado” do sigilo profissional. Como “juiz de seus próprios atos”, cumpre ao Advogado discernir sobre quais fatos podem ser revelados “no estrito interesse da causa”, respondendo pelos excessos cometidos. Nesse sentido, o entendimento do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP:

“SIGILO PROFISSIONAL - ADVOGADO CONVOCADO PARA DEPOR COMO TESTEMUNHA EM PROCESSO ENVOLVENDO EX-CLIENTE - LIBERAÇÃO LIMITADA - INTERESSE SOCIAL E DA CIDADANIA

Advogado convocado para prestar depoimento em audiência como testemunha em processo envolvendo ex-cliente, neste caso, está liberado para o depoimento, desde que observado o estrito interesse da causa, tendo em mente que é ele, advogado, o melhor juiz de seus atos. Na consulta verifica-se a supremacia do interesse social sobre o particular e, mesmo sendo o sigilo profissional preceito de ordem pública, caracteriza-se a presente consulta na exceção da lei e da Res. n.17/2000 deste Sodalício. Há responsabilidade do advogado pelo excesso que venha a cometer, conforme previsto no art. 6º, parágrafo único, da já citada Resolução. Não há violação ética, no caso de confirmar o advogado a autenticidade de sua assinatura em documento lavrado e levado a conhecimento do cliente.” (Proc. E-2.846/03 – v.u. em 16/10/03 do parecer e ementa da Relª Drª ROSELI PRÍNCIPE THOMÉ – Rev. Dr. CARLOS AURÉLIO MOTA DE SOUZA – Presidente Dr. ROBISON BARONI)

Sobre esta exceção e o procedimento para sua implementação, a mesma Resolução nº 17/2000 do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP dispõe:

Art. 6º - No caso das confidências feitas ao advogado pelo cliente para instrução da causa, poderão elas ser utilizadas nos limites da defesa, convindo ao advogado obter a autorização do confidente, por escrito, em documento próprio ou no petitório judicial.

Parágrafo único – A medida do limite da defesa fica a critério do advogado, que não está, em princípio, na dependência de autorização da Ordem, mas responde pelo excesso praticado.”

4. Conclusão

O Advogado, quando tiver atuado ou atue como patrono de uma das partes, poderá sempre declarar-se “impedido” de testemunhar, quer em razão da liberdade que precisa ter no exercício de sua profissão, quer pelo dever de observância do sigilo profissional que lhe é inerente.

No processo civil, caso concorde e entenda o Juiz ser pertinente, o Advogado poderá depor sobre fatos que conheça, mas, caso envolva seu exercício profissional, deverá o depoimento ser tomado como o de um “informante” (ao qual o juiz irá atribuir o valor probatório que julgar conveniente). Já no processo penal, o testemunho pode ser tomado sempre que houver autorização de seu cliente, sem perder a qualidade de testemunha.

De qualquer maneira, no ponto de vista ético-profissional, é vedado ao Advogado, ainda que autorizado ou solicitado por seu cliente, prestar depoimento sobre fatos confidenciais relativos a seus clientes. Apesar de ser esta a regra, diante de cada situação concreta, o depoimento, conforme precedentes do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP, poderá ser admitido “no estrito interesse da causa”, ficando o Advogado responsável pelos excessos que cometer.

Importante lembrar, e isto para finalizar, que o Advogado deve ser livre para atuar segundo suas próprias convicções e aconselhar o seu cliente da maneira mais ampla possível, esclarecendo todas as questões (positivas ou negativas) em relação ao assunto tratado. Se o advogado se torna testemunha em processo judicial, ou mesmo arbitral, pode perder a independência de falar livremente com seu cliente a respeito de suas convicções. A conduta, sub exame, poderá, assim, abrir precedente perigoso, dificultando, ou até mesmo vedando, as atividades do advogado em defesa dos interesses e pretensões de seus clientes.
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* Advogados e membros do MDA - Movimento de Defesa da Advocacia







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