Sociedades limitadas de grande porte - publicação das demonstrações financeiras e a posição da junta comercial
Cássio Portugal Gomes Filho*
Uma das principais características das sociedades por ações, tanto as companhias abertas como as companhias fechadas, exceto aquelas com menos de vinte acionistas e patrimônio líquido inferior a R$ 1 milhão de reais, é e sempre foi a ampla divulgação de seus atos societários e de suas demonstrações financeiras anuais, semestrais, trimestrais ou de outra periodicidade, divulgação essa que, por disposição legal expressa (art. 289, da Lei n. 6.404/76), se faz mediante a publicação no Diário Oficial do Estado e em outro jornal de grande circulação editado no local da sede da sociedade. E mais.
Exemplares desses jornais, que publicaram as demonstrações financeiras e a ata da assembléia geral ordinária dos acionistas -AGO em que foram aprovadas as contas, devem ser obrigatoriamente arquivados na Junta Comercial. É o atendimento pleno aos princípios da legalidade, da publicidade e da veracidade, a que estão sujeitas as sociedades por ações. Pois bem. A partir da entrada em vigor da Lei 11.638/2007, surgiram dúvidas sobre se as sociedades de grande porte constituídas sobre a forma jurídica de sociedades limitadas, estariam ou não obrigadas a publicar suas demonstrações financeiras e, em caso positivo, a arquivar os exemplares dos jornais na Junta Comercial.
Embora para nós pareça óbvio que sim, muitas vozes se levantaram contrariamente a esse entendimento, alegando que no art. 3º da nova lei não havia disposição expressa obrigando a publicação e que, muito embora a ementa da lei mencione divulgação das demonstrações financeiras por parte das sociedades de grande porte, ementa não tem poder coercitivo e divulgação não significa publicação no Diário Oficial e em outro jornal de grande circulação. A divulgação, defendem alguns, pode ser feita na Internet. Vários artigos foram escritos, uns defendendo a obrigatoriedade da publicação, outros alegando não haver obrigatoriedade, tendo a Junta Comercial do Estado de São Paulo, com o objetivo de bem esclarecer os usuários e todos os interessados, promovido palestras sobre o tema, tendo convidado os renomados jurisconsultos e autores, Modesto Carvalhosa e Fabio Ulhoa Coelho, o primeiro defendendo a publicação e o segundo alegando não haver obrigatoriedade para as limitadas, ainda que de grande porte, de publicar suas demonstrações financeiras.
Muito embora esclarecedoras ambas as posições, não se chegou a uma definição sobre como deveria agir a Junta Comercial, até que o DNRC, que é o Departamento Nacional de Registro do Comércio, resolveu normatizar a matéria, editando o Ofício Circular nº 009/2008, que em seu item 7 assim dispôs:
"As sociedades de grande porte, para o fim de atender o disposto no art. 40 da Lei 8.934/96, poderão facultativamente publicar suas demonstrações financeiras nos jornais oficiais ou outros meios de divulgação, para o efeito de ser deferido o seu arquivamento nas Juntas Comerciais."
A Lei 8.934/96 (clique aqui) mencionada é a Lei do registro público de empresas mercantis e atividades afins. A posição do DNRC, declarando ser facultativa a publicação das demonstrações financeiras nos jornais oficiais ou em outros meios de divulgação, foi, a nosso ver, de infelicidade total. Melhor que o DNRC, como o órgão encarregado de regular a matéria, nada tivesse dito.
Como pretender tornar facultativa a publicação das demonstrações financeiras das trezentas maiores empresas do país? sim, porque boa parte do PIB brasileiro provem das multinacionais do ramo automobilístico e da indústria farmacêutica, todas constituídas sob a forma de sociedades limitadas.
Quer dizer que, segundo dispôs o DNRC, as empresas deveriam publicar suas demonstrações financeiras se quisessem, e nos jornais oficiais ou "outros meios de divulgação". Mas quais são esses outros meios de divulgação diferentes daqueles previstos na lei, isto é, o Diário Oficial e um jornal de grande circulação na localidade da sede da sociedade?
A constatação que o Ofício Circular do DNRC foi infeliz, está no fato de que, em sua primeira manifestação a respeito do tema, o Poder Judiciário, por meio de decisão da MM Juíza Federal, Dra. Maíra Felipe Lourenço, da 25ª Vara Federal Cível de São Paulo (clique aqui), tornada pública no final de 2008, assim se manifestou sobre o normativo do DNRC, fulminando-o de forma inexorável:
"O primeiro aspecto a ser salientado é que o Ofício Circular 099/2008 DNRC foi editado em manifesta violação ao mencionado dispositivo legal (refere-se a incisos do art. 4º da Lei 8.934/94, lei do registro público de empresas mercantis), na medida em que, sob a justificativa de solucionar dúvidas quanto à interpretação da lei, e prestar orientação às Juntas Comerciais(incisos III e IV), autorizou que as Juntas Comerciais adotem procedimento claramente contrário ao disposto no artigo 3º, da Lei 11.638/07."
Além de declarar a nulidade do Ofício Circular, a decisão judicial indeferiu o pedido da autora da ação, para emissão de novo Ofício Circular, alegando que a obrigação das sociedades de grande porte não decorre da edição de ofício circular pelo DNRC, mas sim do comando legal do art. 3º, da Lei n. 11.638/07.
De acordo com determinação expressa da decisão judicial, todas as sociedades de grande porte estão sujeitas ao regime jurídico das sociedades anônimas quanto à escrituração e à publicação de suas demonstrações financeiras, o que significa que a publicação de suas demonstrações financeiras deve ser feita em órgão oficial e em jornal de grande circulação. Esclareça-se que essa decisão foi proferida em ação ordinária movida pela Associação Brasileira de Imprensas Oficiais – ABIO, contra a União Federal. Sabe-se que, tão logo a Junta Comercial do Estado de São Paulo, foi notificada pelo próprio DNRC do teor dessa decisão judicial, apressou-se a expedir uma Circular dando conhecimento da mesma aos analistas internos de atos societários e aos usuários, cujo cumprimento tornou-se obrigatório por se tratar de decisão judicial. Segundo a conhecida máxima, "decisão judicial não se discute, cumpre-se".
Além da Circular, medida acertada que foi inclusive publicada no Caderno Junta Comercial do Diário Oficial empresarial, sabe-se que o Colégio de Vogais, que é o órgão de deliberação maior da Junta Comercial, vem tentando há várias Sessões Plenárias votar uma deliberação mais específica sobre a matéria, para instruir os assessores técnicos da própria Junta Comercial e as partes interessadas, especialmente as sociedades limitadas de grande porte, sobre como proceder.
Essa votação, entretanto, não se realizou porque o próprio Presidente da Junta Comercial, Sr. Waldir Saviolli, é contrário à mesma, sob a alegação de que a Junta Comercial não tem competência para tanto. Estranha essa atitude do Sr. Presidente. Se a Junta Comercial não tem competência para orientar seus funcionários e usuários de como proceder para atender as exigências legais, de quem será essa competência ?
A atitude do Sr. Presidente parece mais estranha, quando se presume que a publicação das demonstrações financeiras por parte das sociedades limitadas de grande porte, seja assunto de interesse do Governo do Estado, mais precisamente da Imprensa Oficial do Estado – IMESP, que é uma sociedade de economia mista controlada integralmente pelo Governo do Estado, uma vês que aumentará suas receitas, que são depositadas nos cofres da Secretaria da Fazenda do Estado, a quem a Junta Comercial é subordinada.
Ora, se o Presidente da Junta Comercial é funcionário da SEFAZ, auditor fiscal aposentado ou em disponibilidade, porque estaria atuando aparentemente contra os interesses de seus superiores? Espera-se que a celeuma seja resolvida com a maior brevidade possível, e seja expedida deliberação de orientação sobre como proceder, pois já estamos em fevereiro e muitas sociedades, por razões estratégicas, preferem aprovar suas demonstrações financeiras no começo do ano, não esperando até 30 de abril como faculta a lei.
Além disso, por ser a primeira vez que as sociedades limitadas de grande porte estarão publicando suas demonstrações financeiras e arquivando essas publicações na Junta Comercial, seus consultores e departamentos jurídicos, tanto aqui, como no exterior, precisam de tempo para orientar e explicar as novas regras para os sócios e controladores de fora.
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*Advogado, ex-vogal e ex-vice presidente da Junta Comercial do Estado de São Paulo