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Participação de sociedade estrangeira em limitada exige interpretação ampla da lei

Recentemente, duas decisões judiciais consideraram irregular a sociedade limitada com sócios estrangeiros que não tinham autorização do Poder Executivo para figurar no quadro da sociedade. Como conseqüência deste entendimento, a 1ª. Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo negou o pedido de falência formulado por sociedade com sócio estrangeiro e a Justiça do Trabalho de São Paulo decidiu pela responsabilidade pessoal dos sócios.

13/1/2009


Participação de sociedade estrangeira em limitada exige interpretação ampla da lei

Viviane Muller Prado*

Alexandre Ditzel Faraco**

Recentemente, duas decisões judiciais consideraram irregular a sociedade limitada com sócios estrangeiros que não tinham autorização do Poder Executivo para figurar no quadro da sociedade. Como conseqüência deste entendimento, a 1ª. Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo negou o pedido de falência formulado por sociedade com sócio estrangeiro e a Justiça do Trabalho de São Paulo decidiu pela responsabilidade pessoal dos sócios.

O fundamento legal destas decisões está no art. 1.134 do Código Civil que determina "A sociedade estrangeira, qualquer que seja o seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no País, ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo, todavia, ressalvados os casos expressos em lei, ser acionista de sociedade anônima brasileira". A partir da interpretação literal deste artigo, concluíram que sociedade estrangeira somente pode ser acionista de S.A. e para ser cotista de limitada precisaria obter autorização do Executivo, sob pena de ser considerada irregular.

No nosso modo de ver, este entendimento está equivocado. A interpretação do artigo 1.134 do Código Civil precisa ir além da literalidade para considerar a análise funcional e o contexto histórico no qual se insere.

A sociedade com sede e administração no exterior e constituída sob as leis de outro país só pode funcionar no território nacional obtendo prévia autorização do Poder Executivo. A imposição dessa exigência se explica para evitar que funcione no Brasil sociedade estrangeira sem que o poder público tenha condições de fiscalizar as suas atividades. A necessidade de aprovação prévia viabilizará o exercício desse controle e dará segurança àqueles que negociam com a sociedade estrangeira.

A exigência não alcança as situações em que a sociedade estrangeira opta por constituir uma sociedade nacional da qual terá participação societária. Neste caso, ter-se-á uma nova pessoa jurídica, constituída sob as leis brasileiras e, por isso, a necessidade de prévia autorização perde a razão de ser. A constituição regular de sociedade nacional demandará a observância de procedimentos, registros e publicidade que permitirão alcançar a adequada fiscalização do poder público sobre a sociedade. Este é o primeiro argumento para a conclusão que é absolutamente equivocado pretender vislumbrar no artigo 1.134 uma restrição ampla à atuação do capital estrangeiro no País.

O segundo argumento está na análise histórica do estatuto do capital estrangeiro no ordenamento jurídico brasileiro, que permite identificar um movimento constante em direção à redução das restrições à participação daquele em atividades econômicas nacionais, assim como uma crescente aproximação do seu regime jurídico àquele atribuído ao capital nacional.

Já na Lei 4.131/62 (clique aqui) havia inequívoca consagração do princípio de tratamento equânime a ser dado ao capital estrangeiro em relação ao nacional. O atual texto constitucional coaduna-se com essa noção de tratamento paritário, especialmente após a revogação do artigo 117. No mesmo período em que se observou a revogação da distinção constitucional das sociedades nacionais em razão da participação de capital estrangeiro, emendas à Constituição ampliaram as formas admissíveis de exploração das atividades atribuídas ao poder público. Em tais mudanças observa-se que a abertura dos referidos setores da economia foi feita sem significativas restrições ao capital estrangeiro. Hoje as atividades econômicas nas quais há restrição à participação de capital estrangeiro apresentam um caráter bastante excepcional. Nota-se, portanto, que o quadro constitucional e legal atual é marcado por uma significativa liberdade de atuação do capital estrangeiro em nosso País , com um estatuto jurídico que se aproxima significativamente daquele atribuído ao capital nacional.

Esta percepção é importante para não dar ao artigo 1.134 uma leitura restritiva incompatível com tal cenário. O tratamento legal diferenciado que se admite ao investidor estrangeiro deve ser visto como tendo um caráter excepcional. Deve encontrar sustentação, quando se refere à limitação da participação do capital estrangeiro em certa atividade, no estatuto constitucional da referida atividade ou numa inequívoca situação de interesse nacional. Já as distinções voltadas para atender as necessidades relativas à fiscalização e ao controle por parte do poder público devem ser admitidas apenas quando efetivamente forem relevantes para tal propósito.

Isto conduz a uma leitura bastante específica da segunda parte do caput do artigo 1134. O artigo deve ser compreendido como tendo um caráter permissivo. Não há razão para identificar na norma uma vedação para que o estrangeiro participe do capital de sociedades nacionais constituídas sob forma outra que não a anônima. Ter-se-ia aqui uma discriminação de pouco significado prático no que diz respeito à fiscalização e ao controle do capital estrangeiro, motivo pelo qual interpretação nesse sentido (que parece decorrer de uma limitada análise literal do dispositivo) não seria compatível com o tratamento que o ordenamento jurídico atribui ao capital estrangeiro.

A irrazoabilidade desse entendimento reflete-se na interpretação e aplicação que teve o artigo 64, do Decreto-lei 2.627/40 (clique aqui). O texto deste era praticamente idêntico ao do artigo 1.134. Isso, todavia, nunca foi visto como uma restrição a que estrangeiros participassem do capital de sociedades limitadas, prática que se difundiu bastante no País. O artigo 1.134 não representou qualquer inovação ao ordenamento jurídico brasileira.

Poder-se-ia pretender justificar a participação de sociedades estrangeiras exclusivamente em sociedades anônimas em razão das exigências maiores de publicidade que se aplicam a estas. Também não é aceitável essa objeção. Primeiramente porque as exigências gerais de publicação de certos documentos societários e das demonstrações financeiras não alcançam todas as companhias de maneira uniforme. A lei das S.A. (clique aqui) abre exceções para as companhias com patrimônio líquido não superior a R$ 1.000.000,00. Além disto, se o propósito do artigo 1.134 fosse o de submeter as sociedades nacionais com participação de estrangeiros às exigências de publicidade mais rigorosas isso teria sido feito de forma expressa, pois a mera referência da forma societária não é suficiente para tanto.

Além de todos estes argumentos técnico-jurídicos, do ponto de vista prático, há a sensação de extrema não razoabilidade na interpretação literal do art. 1.134, que implicaria em entraves burocráticos para o investimento estrangeiro sem absolutamente nenhum ganho para o melhor funcionamento dos agentes empresariais. Definitivamente, o Brasil não precisa deste tipo de entendimento.

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*Professora da Direito GV

**Advogado e professor da PUC/PR

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