Correlações entre o princípio da norma mais favorável e o princípio da condição mais benéfica no Direito do Trabalho
Marcelo Tavares Cerdeira*
Para José Augusto Rodrigues Pinto, os princípios constituem o núcleo inicial do próprio Direito, a cuja volta vai tomando forma toda a sua estrutura cientificamente orgânica. Na mesma obra, o autor insere ensinamentos do Jurista Américo Plá Rodrigues, que ao resgatar os ensinamentos de Frederico de Castro, destaca a face tríplice da função dos Princípios:
a) informadora: inspiram o legislador, servindo de fundamento para o ordenamento jurídico;
b) normativa: atuam como fonte supletiva, no caso de ausência da lei. São meios de integração do direito; e
c) interpretadora: operam como critério orientador do juiz ou do intérprete".1
Os Princípios, no que tange ao Direito, são assim parte estrutural do sistema jurídico, interferindo na elaboração das normas. De outro ângulo, os princípios são fontes acessórias do direito, como se pode observar, quanto à esfera trabalhista, do artigo 8º da CLT (clique aqui). Além disso, os princípios são auxiliares e definidores na interpretação e na aplicação do Direito aos casos concretos.
Para estabelecer a distinção conceitual entre o princípio da norma mais favorável e o princípio da condição mais benéfica, faz-se necessário adentrar em outro princípio maior, o da proteção; os dois primeiros desdobramentos ou vertentes deste último, juntamente com o princípio in dubio pro operario, não abordado de forma específica neste estudo. O princípio in dubio pro operario, diga-se de passagem, diz respeito à interpretação de determinada lei, que se entendida de diversos modos, surgindo dúvidas sobre seu real alcance, deverá ser interpretada da forma mais favorável ao trabalhador. Referido princípio é inerente ao direito material, não sendo, pois, aplicável na esfera processual.
Para conceituar tais princípios, importante destacar sua origem. Neste aspecto, o princípio da proteção visa manter a igualdade das partes (empregador e empregado). Seria impossível no âmbito das relações de trabalho instituir a igualdade imediata das partes, que pela sua origem, são nitidamente desiguais. De um lado encontra-se o empregador, detentor dos meios de produção e de outro o empregado, hipossuficiente por natureza, que tem apenas a força de trabalho.
Assim, impossível assegurar a igualdade das partes sem a interferência do princípio da proteção, que tem como finalidade a busca da igualdade substancial das partes; ou seja, a equiparação das partes que são nitidamente desiguais. Busca-se, pelo princípio da isonomia (art. 5º da CF/88 - clique aqui) a igualdade dos iguais; e neste contexto, na busca da isonomia, os desiguais devem ser tratados desigualmente. Daí, a importância do princípio da proteção no Direito do Trabalho: igualar os desiguais, utilizando-se de regras de proteção destinadas ao trabalhador, pólo tido como mais frágil da relação jurídica.
Pois bem. O princípio da norma mais favorável, como desdobramento do princípio da proteção, conceitualmente é a aplicação ao empregado da norma mais favorável existente no ordenamento jurídico vigente. Para se aplicar a norma mais favorável ao empregado, pode-se inclusive desprezar a hierarquia das normas jurídicas, cuja análise fica em um segundo plano. Mas aplicar normas favoráveis aos empregados, em nenhum momento significa desrespeito às regras processuais. O ônus da prova, por exemplo, é aplicado na esfera processual de forma independente, sem interferência do princípio em discussão. A parte que não produz determinada prova necessária, seja qual for, será prejudicada. No mais, a aplicação da norma mais favorável deve ter em mente uma coletividade, o interesse coletivo, não se considerando o trabalhador de forma isolada; não podendo no mais haver afronta ao interesse público quando de sua aplicação.
Para a aplicação do princípio da norma mais favorável, existem duas teorias destacadas pela doutrina: teoria da incindibilidade ou conglobamento e teoria da acumulação ou atomista. A primeira teoria, do conglobamento, é eleita, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, como a melhor forma da aplicação do princípio da norma mais favorável.
A teoria do conglobamento leva em conta a totalidade de uma norma, citando-se como exemplo, uma norma coletiva que estipula um período diário fixo a ser remunerado como hora in itinere (de percurso) para todos os trabalhadores de determinada categoria, período que pode eventualmente ser menor do que o tempo realmente gasto por determinado (s) trabalhador (es). A fixação reduzida de horas de percurso não se revela lesiva neste caso se na negociação que resultou na norma coletiva, houve uma troca da referida redução por outras melhores condições para a coletividade, como por exemplo, a previsão de um bom convênio médico para todos os membros da categoria. A norma deve ser vista em seu conjunto, sem pinçar cláusulas para análise e crítica de seu conteúdo, sendo essa a aplicação prática da teoria ou princípio do conglobamento.
Assim normas coletivas se revelam um bom exemplo para elucidar a aplicação do princípio da norma mais favorável, tendo-se em vista a possibilidade de melhoria das condições de trabalho dos empregados, podendo tal norma se sobrepor em termos de benefícios às demais normas individuais presentes no mesmo ordenamento jurídico.
Tem-se assim, que a preponderância da teoria do conglobamento liga-se a outro princípio de Direito do Trabalho, o da autodeterminação coletiva, que vem a justificar a negociação negativa de certos direitos no intuito de obter vantagens em outros; tudo em prol da coletividade.
Já a outra teoria, da acumulação, ao permitir a possibilidade de separar apenas partes benéficas de normas distintas, gera iniqüidade e desequilíbrio nas relações de trabalho, implicando em vantagens excessivas para apenas uma das partes (o empregado, in casu). Referida teoria fere o poder de negociação e de barganha das partes envolvidas na negociação coletiva, prejudicando, pois, a aplicação e soberania do princípio da autodeterminação coletiva.
Já o princípio da condição mais benéfica, que é outra vertente do princípio da proteção, garante ao empregado a continuidade das condições benéficas de seu contrato vigente, não podendo a alteração de qualquer norma jurídica mais recente ou vindoura lhe causar prejuízos. Reflexos deste Princípio podem ser encontrados no artigo 5º, XXXVI da CF/88, Súmula 51 do c. TST e artigo 468, da CLT. Por este último dispositivo, entende-se que qualquer alteração contratual prejudicial, mesmo se consentida, será nula de pleno direito, por ilícita.
A condição benéfica anterior a ser preservada, deve ser situação concreta e real já antes reconhecida, devendo ser mais favorável ao trabalhador. Não se enquadra como condição benéfica passível de manutenção, os benefícios instituídos apenas provisoriamente. Outro ponto a se destacar é que a supressão de condições adversas, tais como sobrejornada, adicional noturno, adicionais de insalubridade ou periculosidade, etc, não se enquadra como condição benéfica suprimida, não sendo relevado o caráter econômico, que não pode ser tido como vantajoso face aos prejuízos biológicos e psicológicos ocasionados ao trabalhador.
Cumpre ressaltar ainda que as modificações das condições contratuais transacionadas por normas coletivas, não são, em regra, ilegais; mas desde que respeitadas peculiaridades legais da negociação, mormente a vontade soberana da categoria, que deve ser preservada.
Conclui-se, pelo exposto, que os princípios, vistos de forma geral, auxiliam a criação das normas jurídicas, são aplicáveis como fonte subsidiária, tendo também função interpretativa e norteadora na aplicação do Direito aos casos concretos.
E quanto aos princípios aqui discutidos, da norma mais favorável e da condição mais benéfica, apesar de diversos conceitualmente, são similares quanto à sua função. São tais princípios ramificações de um mesmo tronco maior, que é o princípio da proteção. E este, por sua vez, visa à aplicação do princípio da isonomia no âmbito dos contratos de trabalho, buscando a igualdade substancial das partes, ou seja, a igualdade dos desiguais.
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1 PINTO, José Augusto Rodrigues. "Curso de Direito Individual do Trabalho: noções fundamentais de direito do trabalho, sujeitos e institutos do direito individual". 5a Ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 74.
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*Advogado e sócio do escritório Cerdeira Chohfi Advogados e Consultores Legais
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