Migalhas de Peso

Operações com derivativos (“hedge exótico”)

Da leitura da imprensa especializada em Finanças, no último mês, tanto de artigos como de notícias, conclui-se que os bancos contrapartes dos contratos de derivativos celebrados com os exportadores, mantêm-se, de um modo geral, mais ou menos firmes (pois há notícia de acordos) na sustentação dos seus direitos de exigirem o cumprimento integral dos contratos firmados, sob a forma de forwards, de opções e outras, baseados no princípio básico do direito contratual de que os contratos foram feitos para serem cumpridos (pacta sunt servanda).

20/11/2008


Operações com derivativos ("hedge exótico")

Rubens Paulo Cury de Almeida Torres*

Da leitura da imprensa especializada em Finanças, no último mês, tanto de artigos como de notícias, conclui-se que os bancos contrapartes dos contratos de derivativos celebrados com os exportadores, mantêm-se, de um modo geral, mais ou menos firmes (pois há notícia de acordos) na sustentação dos seus direitos de exigirem o cumprimento integral dos contratos firmados, sob a forma de forwards, de opções e outras, baseados no princípio básico do direito contratual de que os contratos foram feitos para serem cumpridos (pacta sunt servanda).

2. Dá-se, também, notícia de alguns pedidos de medidas cautelares por contrapartes oneradas pela variação cambial, sob fundamentos diversos, antecipando, mesmo, o ministro Gilmar Mendes, uma nova onda de ações a serem aforadas seja pelos exportadores, a contraparte mais comum nos contratos de derivativos, atualmente, seja por acionistas de sociedades anônimas exportadoras, companhias abertas, visando serem ressarcidos por prejuízos incorridos (desvalorização de suas ações no mercado por conta de resultados desfavoráveis das companhias em que investiram, decorrentes operações com derivativos).

3. Alegam os bancos, em síntese,

(i) que vinham perdendo, sistematicamente, nos contratos de derivativos com os exportadores, enquanto o dólar estava caindo nos últimos meses, razão pela qual não haveria qualquer lógica em negarem-se, as mesmas contrapartes, a cumprir o contrato quando o dólar "escapou para cima", por assim dizer;

(ii) que o argumento da assimetria contratual invocado pelos exportadores para tentar anular as perdas é falacioso, considerando que as probabilidades em torno do evento "desvalorização cambial" eram totalmente desiguais, uma vez que a relação dólar/real vinha caindo desde 2003 e que a valorização do dólar face ao real, no passado, ocorreu pelos maus fundamentos da economia brasileira, ao contrário do que hoje ocorre, justificando uma aposta assimétrica.

4. Assim, dado que as informações econômicas achavam-se disponíveis para ambas as partes do contrato, não haveria porque a parte insurgir-se, agora, contra o que foi estabelecido no contrato específico de derivativo, o qual, como é de conhecimento geral, baseia-se em modelos matemáticos. Afinal, desde 2007, no Brasil e no exterior, muitos economistas vêm comentando sobre o início suave da onda que se converteu no atual tsunami financeiro internacional e só uns poucos inadvertidos imaginaram que o Brasil não fosse afetado por ela. A questão, todavia, vista por um outro lado, é a de saber qual o modelo matemático em que se fiam os bancos para ter certeza de que seus contratos de derivativos serão fielmente cumpridos, dadas as incertezas jurídicas que os rodeiam. Isto, obviamente, se não tiverem transferido seu risco de crédito contra os exportadores para terceiros, por novos derivativos. Afinal, há uma série de objeções que se podem – de boa ou má-fé – opor ao modelo do pacta sunt servanda, as quais, todavia, parecem não intimidar os bancos para se comporem com as contrapartes, em transações preventivas de litígio.

5. O que se tem divulgado, de um modo geral,

(i) é que os contratos de derivativos celebrados pelos exportadores com os bancos não se limitaram a buscar proteção (hedge) contra a desvalorização da receita em dólares, havendo uma grande margem especulativa e até mesmo contratos celebrados com não-exportadores;

(ii) que os derivativos vinham acoplados a contratos de empréstimo (contratos coligados) com remuneração abaixo do CDI;

(iii) que o contrato era assimétrico uma vez que as perdas dos bancos eram limitadas enquanto que as das contrapartes não;

(iv) que os derivativos (target forward mesclado com venda a futuro e/ou outro tipo de derivativo) não vinham claramente expostos no contrato, induzindo a erro quanto à avaliação risco.

6. Admite-se, também, que haja em tais contratos cláusula de lei aplicável e/ou de escolha de foro, considerando que grande parte dos bancos que operaram em derivativos são controlados por bancos estrangeiros ou deles são subsidiárias integrais.

7. As teses jurídicas que têm sido aventadas pelas contrapartes baseiam-se em diversos fundamentos: na teoria da imprevisão, no enriquecimento sem causa, na unilateralidade do contrato (assimetria). Há referências nebulosas ao descumprimento do princípio da boa-fé objetiva e à função social dos contratos, ambos inseridos no Código Civil (clique aqui).

8. Teriam os bancos razão em sua fé inabalável de superar todos os obstáculos jurídicos ao cumprimento dos contratos de derivativos, fazendo uma "pista limpa"? Vejamos, rapidamente, alguns obstáculos que se podem levantar à legitimidade de tais contratos:

8.1. – Legitimação: Os contratos de hedge foram assinados dentro dos poderes dos diretores? E a parte excedente, ou seja, a parte puramente especulativa (fora dos limites do hedge) e, portanto, fora do objeto social (ultra vires), pode ser legalmente contratada? Haveria boa-fé? Se assim for, escapa à contratação dos poderes ordinários dos diretores, exigindo autorização do Conselho de Administração ou da Assembléia Geral? O fato da mesma operação ter propiciado ganhos aos exportadores em contratos especulativos anteriores – aqueles além do hedge, repita-se - é argumento suficiente para os bancos poderem exigir o cumprimento de tais contratos ou pode haver a devolução dos ganhos havidos pelos exportadores e o não pagamento das perdas, deliberados pela Assembléia Geral, sob o fundamento de que os contratos especulativos não eram autorizados pelos órgãos competentes da companhia e/ou estavam fora do objeto social?

8.2. – Função Social do Contrato: Conquanto não se negue à atividade especulativa uma função útil, uma vez que concorre para a liquidez dos mercados, a contratação de operações puramente especulativas (além dos limites do hedge) com sociedades abertas, tendo centenas de acionistas, entre uma parte informada (os bancos, montados em modelos matemáticos) e uma contraparte menos informada (uma grande exportadora, por exemplo) ou desinformada (uma média empresa) é infensa a ter seus resultados mitigados por uma cláusula geral, como é a do fim social do contrato (C.Civil, art. 421)? Vale dizer: o resultado é insuscetível de revisão judicial? Note-se que, no caso, não se trata de um contrato de hedge somente, relativamente ao qual as alegações de onerosidade excessiva e de infração à regra de boa-fé objetiva, da probidade e da função social do contrato foram rejeitadas pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp 803.431/6; RDB 40/177). Haveria nesses contratos de "hedge exótico" interesses envolvidos que extrapolariam os individuais dos contratantes para atingirem o mercado de capitais como instituição, a ser protegido, como interesse difuso?

8.3. – Boa-fé objetiva: Ainda que não se possa alegar erro substancial incorrido pela contraparte – argumento que, aliás, pode não ser verdadeiro em todos os contratos com os bancos – teria havido por parte dos bancos um comportamento conforme padrões de lisura, a partir das informações que tinham e que desafiam o teste da boa-fé objetiva? Embora a desvalorização cambial seja recorrente no Brasil, sempre se deu, ainda que provocada por fatores externos (crise do México, da Ásia etc), em razão de fragilidade da situação externa brasileira (baixas reservas cambiais). Os bancos internacionais, a partir do inadimplemento das sub-primes, passaram a ter informações sobre os crescentes riscos de mercado, medidos estatisticamente, afetando as moedas (risco Brasil) e favorecendo a assunção de riscos assimétricos por eles, do que é evidência a atuação agressiva, em massa, de uma série de bancos. O não partilhamento das informações ou o mesmo silêncio sobre elas configurou, apenas, uma espécie de dolus bônus, de "esperteza", sem afetar a essência do contrato? Dir-se-á que, diariamente, se praticam centenas de operações nos mercados à vista, de futuros e de opções sem que nunca se tenha alegado quebra do princípio da boa-fé objetiva com base em assimetria de informações para tentar anular tais contratos. No caso, porém, os contratos (forwards) fogem a um padrão típico, em relação aos quais, um leitor atento pode ter informações sobre os riscos. Trata-se, aqui, de contratos "desenhados", misturando diversos tipos de derivativos camuflados num contrato de empréstimo, cuja remuneração abaixo do mercado – o chamariz - era do tipo "caça pato", pois descontava do empréstimo o preço do derivativo de alto risco lançado pelo exportador, muitas vezes sem consciência deste fato.

8.4. – Exportador é consumidor de serviços bancários?

9. Parece, fora de dúvida, que sim. Leia-se, a propósito, o julgamento da ADI 2.591-DF (DJ 13.04.07, pág. 83) pelo Supremo Tribunal Federal:

"Art. 3º, §2º, do Código de Defesa do Consumidor (clique aqui). Art. 5º, XXXII, da CB/88 (clique aqui). Art. 170, V, da CB/88. Instituições financeiras. Sujeição delas ao Código de Defesa do Consumidor. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.

1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor.

2. 'Consumidor', para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária financeira e de crédito.

3. Ação direta julgada improcedente."

10. Ver também, Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça:

"O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

11. Sobre a leitura da decisão do Supremo Tribunal Federal acima referida e a perspectiva publicística, para separar nela o joio do trigo, ver excelente artigo de Marcelo Madureira Prates, em Revista de Direito Bancário, nº 40, pág. 27 e seguintes, no qual assinala a pág. 31:

"3.1. Leitura da decisão.

Adotando, pois, uma visão orientada pelo direito público, designadamente pelo que as duas autoridades administrativas, CMN e BCB, o tema traz de juridicamente interessante, temos que há três pontos a respeito da incidência do Código do Consumidor às atividades financeiras e especialmente àquelas bancárias que podem ser retiradas, para serem aqui repercutidas, das discussões que informam a decisão por maioria.

Em primeiro lugar, está claro que as "instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor". Dessarte, que os clientes bancários, ou melhor, financeiros são "consumidores" e, por conseguinte, estão protegidos pelas normas do CDC, não há mais dúvida."

12. A se admitir a regência do Código do Consumidor em contratos firmados entre a instituição financeira e os consumidores de seus serviços - embora fiquem fora da relação consumerista, segundo a interpretação dos votos proferidos, as matérias que se colocam no plano macroeconômico, dentre elas as taxas de juros – aplicar-se-iam às relações entre as partes as normas do Código do Consumidor, dentre elas as dos artigos 6º, III (informação adequada e clara), IV, V (onerosidade), VIII (inversão do ônus da prova), além dos artigos 39, 46, 47, 49, 51. Os contratos de derivativos praticados com os exportadores enquadram-se aqui? Suportam tais testes?

- embora fiquem fora da relação consumerista, segundo a interpretação dos votos proferidos, as matérias que se colocam no plano macroeconômico, dentre elas as taxas de juros –

8.5. Onerosidade excessiva.

13. Que há onerosidade excessiva para os exportadores, com extrema vantagem para os bancos, no caso dos contratos de derivativos em exame não há dúvida. Todavia, para que sejam relevantes, juridicamente, a onerosidade e a vantagem, requer o C. Civil (arts. 478 a 480) que decorram de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis os quais, segundo os bancos, não ocorreram. É verdade que o extraordinário e o imprevisível podem surpreender mesmo àquele que os antecipe e tente se proteger contra riscos deles decorrentes, acrescentando, inclusive, uma proteção adicional contra o risco baseado no histórico dos fatos passados, como ocorre, por exemplo, com a construção de barragens, de edifícios em zona de terremotos e assim por diante. Nesse mesmo passo, também com as alterações do valor da moeda podem ocorrer desvios que superem qualquer previsão sensata, configurando um "excesso de imprevisibilidade", por assim dizer. Contudo, parece difícil sustentar onerosidade excessiva por fato extraordinário e imprevisível quando a essência do contrato repousa, exatamente, na defesa contra o risco. Ver, a propósito, Leães, em RDB nº 39/101. Nada obstante, se o contrato ficar subsumido ao Código do Consumidor aplica-se seu artigo 6º, V, permitindo a revisão do contrato, como ocorreu com os contratos de leasing. Confira-se, em Contratos Cativos de Longa Duração (RDM nº 135/26).

8.6. Legislação aplicável.

14. As instituições financeiras, como instituições de notório interesse público, estão sujeitas a uma regulação prudencial, regida por normas da ordem pública (Lei 4.595/64 - clique aqui - principalmente) que limitam a liberdade de atuação operacional delas.

15. No caso dos derivativos, compreendendo no termo as operações a termo, a futuro, as opções, os swaps e os forwards, a matéria é regida por diplomas diversos, os quais, em síntese, incluem-nos no conceito de "valores mobiliários" a partir da Lei 10.303/2001 (clique aqui), preservando, contudo, as normas antes editadas sobre a matéria pelo Banco Central (confira-se em Eizirick e outros, em Mercado de Capitais - Regime Jurídico, Renovar, 2008). Dado, porém, que a característica dos valores mobiliários repousa na negociabilidade dos títulos que corporificam o investimento, quando a relação banco/contraparte seja objeto de contrato específico não objeto de padronização, como no caso dos forwards, não se vê como aplicar a tais contratos a mesma legislação. Os forwards são contratos que obrigam a parte comprar ou vender um ativo subjacente a um certo preço numa data futura, contrato esse que, no entanto, sujeita-se a cláusulas não estandartizadas (cf. Leães, Derivative’s Suitability, RDM 102/59) e não são negociados nos mercados organizados, mas sim no mercado over the counter.

17. O fato é que as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil (ver Manual de Normas e Instruções do Banco Central, Título 2, 2.1.19) relativamente aos derivativos não parecem amparar as operações com forwards, podendo tornar frágil o fundamento da liberdade de contratar contratos atípicos (C.Civil, art. 425) invocado pelos bancos.

8.9. Erro substancial

18. Afirma-se que "não há erro substancial em comprar caro ou barato", aludindo-se ao magistério de Pontes de Miranda e de Maria Helena Diniz (RDB nº 110/226), nem erro substancial decorrente da própria negligência, imprudência ou imperícia, afirmação esta que Pontes de Miranda nega, verbis: "também é preciso não se introduzir na teoria da anulabilidade por erro investigação de culpa" (Tratado de Direito Privado, vol. 4, 1970, pág. 475).

19. De todo modo, pode haver erro substancial se o derivativo vem escondido sob forma de desconto, ou se vem mal explicado em planilha de simulação de eventos, sem que fique clara a natureza do ato ou o objeto principal da declaração.

20. Aplicado que seja ao contrato de derivativos o Código do Consumidor, há de se verificar o cumprimento neles dos artigos 6º, III, IV e 14, caput, além da inversão do ônus da prova, estabelecidos no referido código.

8.9. Escolha do foro

21. Recente decisão do STJ – bastante discutível - afasta o foro de eleição em caso de competência internacional concorrente (CPC, art. 88 - clique aqui). Todavia, mesmo que a contraparte se submeta ao foro eleito no exterior – normalmente Nova York - pode ocorrer

(i) a negativa de competência do foro estrangeiro para decidir a questão, remetendo-a ao foro brasileiro por existirem no Brasil maiores elementos de conexão (Inconvenient Forum: Global Management Company L.P versus Citibank N.A; N.Y Supreme Court);

(ii) a não homologação da sentença estrangeira em favor do Banco, se for o caso, pelo STJ, por ofender, o contrato de derivativo em questão, dispositivo de ordem pública.

8.10. Escolha da lei.

22. Por certo seria dificilmente aceitável no STJ (homologação judicial), num contrato entre presentes, celebrado no Brasil, a aplicação, por escolha das partes, da lei estrangeira, em face do disposto no art. 9º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, salvo em caso de Juízo Arbitral (confira-se Nadia de Araújo, Direito Internacional Privado, Renovar, 2006, pág. 357/358; contra: Jacob Dolinger, Contratos e Obrigações no Direito Internacional Privado, Renovar, 2007).

Conclusão: Há uma grande álea sobre os contratos de "hedge exótico", como vieram a ser chamados, de vez que as circunstâncias passadas são diferentes das atuais, seja quanto aos fatos, seja quanto ao direito aplicável. Afinal, prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.

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*Advogado






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