O juiz de direito, sua atuação no plantão judiciário e a competência por prevenção
Cid Sabelli*
Introdução
Em que pese, principalmente nos bancos das faculdades de direito, por anos, ouvirmos a respeito de conceitos sobre prevenção, juiz natural, competência, leis, etc. a verdade é que na prática, esses conceitos sofrem interpretações que desnaturam suas essências.
O problema é que, em alguns casos, o entendimento pessoal cria regras jurídicas, o que nem sempre significa que sejam elas legais.
Nos plantões judiciários, a questão da vinculação dos juízes de direito, em relação aos atos praticados, é uma situação onde as interpretações de certos conceitos legais podem gerar ilegalidades de modo a tornar os feitos nulos.
Em apertada síntese, tentaremos expor os fatos sob a ótica única do direito positivo, para demonstrar que o juiz de direito que pratica ato decisório, enquanto escalado para responder pelo plantão judiciário, torna-se, em determinadas circunstâncias, prevento e assume indiretamente o papel de distribuidor temporário.
Desenvolvimento
Após pesquisar o posicionamento do Judiciário nos mais diversos Estados da federação (em especial São Paulo), acerca de normas que justificassem a distribuição dos feitos onde o juiz plantonista tenha exercido ato decisório, constatamos que esse atuar, em geral, encontra sua regulamentação unicamente em resoluções, instruções normativas, portarias, etc. expedidas pelo próprio Poder Judiciário.
Nesses atos normativos editados pelo judiciário, predomina o inusitado entendimento segundo o qual o juiz de plantão, mesmo quando se antecipa na prática de atos decisórios, como decretação de prisão preventiva, temporária, arbitramento de fiança ou, ainda, diligência que dependa de autorização judicial, como busca e apreensão, quebra de sigilo bancário, interceptação telefônica, entre outros, não se vincula ao feito.
No entanto, discordamos quanto a legalidade desses atos quando se divorciam da própria Lei e, principalmente, da Constituição Federal (clique aqui), para alterar a competência que, por sua vez, envolve a questão do juiz natural enquanto autoridade devidamente constituída.
Como o tema competência e seus desdobramentos implica em ampla análise doutrinária, nossa abordagem será limitada aos seus reflexos práticos principais.
É a Constituição Federal que determina, "que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente" e que compete, privativamente, à União legislar sobre direito processual.
No nosso entender, equivocadamente, alguns de nossos juristas interpretam a norma do inciso LIII, do artigo 5º afirmando que, para sua fiel observação, basta ser a autoridade competente legal e previamente constituída e, ainda, desvirtuam o mandamento sobre competência para legislar sobre direito processual do artigo 22, ambos da Constituição Federal, alegando que o plantão envolve matéria unicamente ligada à administração da justiça.
Por meio da interpretação, violam direito constitucional público subjetivo do réu (cidadão), de não ter a autoridade judiciária, que antecipadamente pratica ato decisório, substituída, impedida ou indicada posteriormente, ainda que por sorteio em distribuição.
Sem adentrarmos nos casos relacionados com a competência no processo civil, que somente se fixa com a citação válida (art. 219 do CPC - clique aqui), no processo penal a questão da competência é causa de nulidade dos atos subseqüentes, contribuindo para eventuais impunidades.
Ocorre que o próprio judiciário, por meio de atos normativos, tem interpretado texto de lei ou atuado em suas lacunas para substituir Leis Processuais ou mesmo criá-las, sempre sob argumentos que atendem mais a facilitar essa atribuição do que preservar o próprio direito.
Importa, ainda, afirmar que tanto a prevenção quanto a distribuição não são propriamente critérios para estabelecer a competência, uma vez que esta é determinada pelos critérios ratione loci, personae e materiae1.
Recorremos à prevenção, critério que antecipa a competência, ou à distribuição2, ato administrativo que a prorroga, quando dois ou mais juízes forem igualmente competentes para conhecer dos fatos, de modo que estaremos estabelecendo o juízo e não o foro, não tendo como negar que estão ligadas à questão processual da competência.
Dessa forma, não sobressai justificativa jurídica para que o juiz plantonista não fique vinculado ao feito onde tenha praticado algum ato decisório, quando, em suas funções ordinárias, tenha competência para conhecer a matéria que, antecipadamente, decidiu em caráter extraordinário.
Tal entendimento, além de representar uma afirmação ao principio do juiz natural, atende ao mandamento legal de que o juiz que, antes mesmo do oferecimento da denúncia ou queixa, pratica ato decisório, fica vinculado ao feito (art. 83 do CPP - clique aqui e 94 do CPPM - clique aqui).
Também não estamos afirmando que todo e qualquer ato praticado pelo juiz plantonista tenha o condão de tornar o juízo prevento, mas apenas aqueles com conteúdo decisório e, cuja causa principal, ordinariamente, poderia sujeitar-se à sua competência.
Assim, não haverá prevenção3 quando existir critério legal especial para fixação de competência; pedido de Habeas Corpus de exclusivo conteúdo constitucional4; remessa de cópia de autos de prisão em flagrante sem requerimento a ser apreciado; atos sobre matéria administrativa ou correcional; etc. ou quando o juiz plantonista, por sua competência ordinária não puder conhecer da causa5.
Conclusão
O plantão judiciário tem por objetivo manter, sem solução de continuidade, a prestação das atividades jurisdicionais de modo a atender os casos que reclamem manifestação estatal urgente, sobre fatos juridicamente relevantes.
Para dar efetividade contínua às atribuições do Poder Judiciário, os Tribunais organizam os respectivos plantões judiciários com a presença de funcionários e, pelo menos, um juiz de direito que ficará responsável por decidir os casos que reclamarem urgência.
Se o juiz de direito responsável pelo plantão é o competente para decidir as questões apresentadas, não encontramos justificativa legal plausível para que esse mesmo juiz, que no exercício de sua competência ordinário seja competente para conhecer da causa, não se torne prevento, fazendo jus à compensação de distribuição, quando for o caso.
Os regramentos, expedidos pelo próprio Poder Judiciário, que determinam de maneira geral que o juiz de direito que exerce sua competência no plantão não se torna prevento em hipótese alguma, desrespeita a própria lei, pois invade competência privativa da União, e no momento da futura distribuição esse mesmo juiz poderá participar do sorteio, em prejuízo da economia processual.
Assim, salvo casos legalmente previstos ou no caso de juiz substituto ou juiz com competência ordinária diversa daquela para a causa que previamente decidiu, entendemos que o juiz que atuar no plantão judiciário ficará prevento para as causas em que tenha determinado providência de cunho decisório, desde que os fatos possam estar também subordinados à sua competência ordinária. Nos demais casos, aplica-se a regra legal subsidiária da distribuição para fixar o juízo, quando for o caso.
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1 PEDROSO, Fernando de Almeida. "Competência Penal". Belo Horizonte: Editora Del Rey; 1998. Pág. 91.
2 Sobre o tema ver, SABELLI, Cid. "Processo Penal Militar – Da teoria à Prática". São Paulo: Editora Suprema Cultura; 2008. Pág. 114.
3 MIRABETE, Julio Fabbrini. "Código de Processo Penal – Interpretado". São Paulo: Atlas; 2000. Pág. 284/5.
4 Essa questão não é pacífica na doutrina ou jurisprudência, prevalecendo o entendimento de que "habeas corpus" poder tornar prevento o juízo, independente da matéria.
5 Como no caso de juiz com competência civil, ou juiz substituto.
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*Advogado
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