Breves reflexões acerca dos efeitos da notificação nas ações de responsabilização por improbidade administrativa
Georges Louis Hage Humbert*
Em Junho de 1992 veio a lume a Lei n.° 8.429 (clique aqui), dispondo acerca das sanções aplicáveis aos agente públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função em qualquer das esferas da administração pública, bem como pela prática de outros atos assim também legalmente considerados como de improbidade administrativa.
A mesma norma, em seu art. 3°, predispõe suas disposições são aplicáveis àqueles que, mesmo não sendo agente público, induzam ou concorram para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.1
Trata-se, portanto, de norma que visa, primordialmente, a defesa do erário público. Todavia não se limita a este aspecto. Tutela a moralidade no exercício da função administrativa.
Nas precisas palavras de Francisco Almeida Prado, "essa lei definiu os ilícitos configuradores de improbidade administrativa, cominando-lhes diversas sanções; indicou sujeitos ativo e passivo desses atos; instituiu medidas de controle patrimonial dos agente públicos; cuidando ainda do procedimento administrativo investigatório e judicial tendente a efetivar a responsabilização dos agentes público supostamente infratores e de particulares que com eles colaborem. A lei contém, ainda, disposições penais e outras fixadoras de prazos prescricionais para as ações nela fundadas."2
Desta forma, o âmbito de incidência da Lei de improbidade é diversificado, transitando pelo direito material e processual.
Não poderia ser diferente, até mesmo porque, as peculiaridades pertinentes à matéria, posição daqueles que são os principais destinatários da norma e severidade das sanções previstas, que vão desde a perda da função pública até a suspensão dos direitos políticos – que enseja a perda da cidadania, um dos direitos fundamentais do homem, justificam procedimento especial e diferenciado para sua aplicação.
E justamente sobre um aspecto peculiar pertinente ao processo judicial da ação de responsabilização por ato de improbidade administrativa é que versa o presente ensaio.
Referimo-nos ao art. 17, § 7º, § 8º e § 9º, que assim dispõem3:
"Art. 17. (...)
§ 7°. Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de 15 dias
§ 8°. Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita.
§ 9°. Recebida a petição inicial, será o réu citado para apresentar a sua contestação."
Como se vê, o procedimento especial previsto pela lei impõe ao Juízo que, ao ser distribuída petição inicial, respeite uma etapa preliminar à citação, qual seja, a notificação do requerido para se manifestar, ou seja, para apresentar uma espécie de defesa prévia, podendo a seguir o magistrado decidir pela rejeição da ação ou pelo recebimento da mesma, com posterior citação do réu para contestar.
Ora, os efeitos da citação estão expressamente predispostos no art. 219 do c/c 264 do CPC4 (clique aqui). São eles: tornar prevento o juízo, litigiosa a coisa e induzir litispendência, interrupção da prescrição, além de vedar ao autor a modificação do pedido ou da causa de pedir, mantendo-se as mesmas partes – estes dois últimos efeitos resultam no que convencionou-se denominar estabilização da demanda.
Ocorre que, no silêncio da Lei 8.429/92, importa-nos saber quais os efeitos produzidos – ou não – com a notificação prescrita no seu art. 17, § 7°.
Numa abordagem inicial, cumpre esclarecer primeiro aspecto se refere à aplicação dos efeitos previstos no art. 219 do CPC, em face do Requerente e do Requerido. Entendemos que, ao menos quanto ao primeiro da ação de responsabilidade por ato de improbidade administrativa, não resta dúvida acerca da produção de todos os efeitos dispostos na citada norma. Isto porque, nos termos do art. 263 do CPC, "Considera-se proposta a ação, tanto que a petição inicial seja despachada pelo juiz, ou simplesmente distribuída, onde houver mais de uma vara. A propositura da ação, todavia, só produz, quanto ao réu, os efeitos mencionados no art. 219 depois que for validamente citado."
Ou seja, diante da ressalva contida na parte final do texto legal, infere-se, de plano, que a mera propositura da ação de responsabilização por improbidade administrativa resultará para o autor a incidência de todos os efeitos previstos no multimencionado art. 219 do CPC.
No que diz respeito ao réu, a regra processual civil, de forma expressa, condiciona a incidência de tais efeitos à existência de citação válida. Contudo, conquanto haja expressa disposição legal neste sentido, entendemos que nas ações de responsabilização por improbidade administrativa, a produção dos efeitos previstos no art. 219 do CPC não depende da citação.
Isto porque, ao ser notificado para integrar a lide nessa espécie, com procedimento, ou melhor, rito especial, o réu é chamado ao processo, tomando ciência de todos os termos da ação, podendo se manifestar de forma ampla e apresentar documentos, inclusive alegando matérias preliminares, como ilegitimidade passiva, litispendência, coisa julgada e prescrição, e de mérito, as quais poderão ensejar o não recebimento da inicial e extinção da demanda.
Consequentemente, diante de uma interpretação teleológica e sistemática dos dispositivos trazidos à colação, não se justifica postergar os efeitos previstos no art. 219 do CPC para momento posterior ao da notificação (art. 17, § 3° da Lei 8.429/92), sob pena de causar graves prejuízos5 à tramitação do feito.
Saliente-se, e isto é fundamental, que o mesmo raciocínio é válido para afirmar que a notificação – e não a citação - também resultará na estabilização da demanda prevista no art. 264 do CPC. Isto significa que a notificação do réu prevista pelo art. 17 § 7° da Lei 8.249/92 tornará vedado ao autor alterar o pedido, a causa de pedir e as partes que figuram na ação.
A tese ora sustentada encontra guarida ao menos por duas razões:
Somente se considerados produzidos os efeitos previstos no art. 219 e 264 do CPC é que se terá, nesta peculiar espécie de ação, assegurada a segurança jurídica, o contraditório e a ampla defesa em sua plenitude.
Explique-se: com a propositura da ação de responsabilização o réu já estará exposto à demanda, devendo, em regra, apresentar algumas – ou mesmo todas – as suas razões de defesa. E a alteração dos termos da demanda, como, por exemplo, do pedido ou do pólo passivo, ensejará grave e inconstitucional prejuízo à sua defesa, já que, modificados os limites da lide, a defesa prévia e sua posterior resposta (contestação, reconvenção ou argüição de incompetência), podem deixar de guardar correlação lógica.
Ademais, a produção de todos os efeitos contidos no art. 264 do CPC é de rigor não só pelas razões supra-expostas, mas por força mesmo de outras normas contidas na própria lei específica.
É o quanto se depreende da vedação legal inserta no art. 17 § 1° da Lei de Improbidade Administrativa. Consoante disposto nesta norma é ao titular do direito de ação transacionar, acordar ou conciliar. Daí a seguinte decorrência lógica: se o autor, após proposta a ação, não poderá o mais (transacionar, conciliar ou acordar), não poderá o menos (por exemplo, alterar o pólo passivo, excluindo réus da lide, ou mesmo desistir de algum dos pedidos cumulados).
Ressalte-se que estamos diante de interesses indisponíveis, não suscetíveis aos arroubos de qualquer das partes.
Portanto, a notificação do Réu nas ações de responsabilização por improbidade administrativa produzirá, em regra, todos os efeitos levados a termo com a citação efetivada no processo civil comum, pena de grave violação a princípios constitucionais basilares, notadamente, à segurança jurídica, devido processo legal, ao contraditório, ampla defesa e à supremacia e indisponibilidade do interesse público.
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Notas
1Não é o objetivo do texto aprofundar a discussão a necessidade de presença do elemento subjetivo dolo para a aplicação das severas sanções – com nítida aproximação às de natureza penal – predispostas no citado ordenamento. Entretanto, não podemos deixar de afirmar que quando o texto do citado art. 3° afirma que aplicam-se as regras da Lei <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="8.429 a">8.429 a quem se beneficie sob qualquer forma, não pretendeu – e nem poderia – excluir a necessidade de comprovação da intenção de praticar o ato ou ao menos ciência da prática do mesmo por terceiros (agentes públicos) em seu benefício (dos não agentes públicos).
2Prado, Francisco de Almeida. Improbidade Administrativa. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 18.
3Não se discutirá aqui a constitucionalidade inserção destas regras através de Medida Provisória. Para efeitos deste estudo, consideramos válidas porque permanecem no sistema e não foram retiradas através do correspondente processo previsto constitucionalmente.
4"Art. <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="219. A">219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição."
"Art. 264. Feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas em lei."
5A propósito, basta vislumbrar uma hipótese em que o réu, notificado, passasse a embaralhar o processo, a fim de que transcorra o prazo prescricional, ou mesmo a propor inúmeras ações em face de seu ex-adverso, para depois alegar questões de competência e tumultuar o processo.
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*Advogado, mestre em Direito do Estado pela PUC/SP e professor do curso de especialização em Direito Administrativo da PUC/COGEAE
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