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Administração democrática

Poucas vezes o Presidente Ernesto Geisel visitou São Paulo, quase sempre de cara emburrada. Numa delas, alguém fotografou Geisel sorrindo. No dia seguinte a imagem estava na primeira página dos jornais, encabeçada por uma notícia espantosa: “Geisel também sorri”. Para nós ficou parecendo que havia nascido mal-humorado.

9/10/2008


Administração democrática

Sérgio Roxo da Fonseca*

Poucas vezes o Presidente Ernesto Geisel visitou São Paulo, quase sempre de cara emburrada. Numa delas, alguém fotografou Geisel sorrindo. No dia seguinte a imagem estava na primeira página dos jornais, encabeçada por uma notícia espantosa: "Geisel também sorri". Para nós ficou parecendo que havia nascido mal-humorado.

Atribui-se a ele uma frase emblemática da época. Teria usado o vocábulo "inimigos" para qualificar seus adversários políticos, registrando a existência de um fundamentalismo incompatível com a convivência moderna.

Há cerca de vinte anos atrás a cidade de Blumenau foi sede de um congresso nacional de Direito Administrativo que teve como figura central o extraordinário Ministro Seabra Fagundes.

Fomos recebidos pelo Prefeito Municipal. Disse-nos que o Município mantinha uma Faculdade de Medicina com o seu hospital de clínicas. Os presentes ficaram surpresos. Um hospital de clínicas consome uma quantidade enorme de verbas orçamentárias. Como o Município consegue manter o serviço?

A administração pública não somente conseguia manter o serviço como também desenvolvia projetos notáveis para os seus munícipes. Perguntei ao prefeito qual era a receita de seu sucesso. Revelou o segredo.

Encerrada a campanha eleitoral, o prefeito e a sua maioria apresentam para a minoria o seu projeto de governo. As partes discutem os temas, aperfeiçoando as idéias. Celebra-se um pacto, como o famoso Pacto de Moncloa, sobre o qual a Espanha foi reconstruída depois do fascismo. O que é possível transigir, transige-se em nome da satisfação do interesse público. Maioria e minoria passam a trabalhar, em campos diferentes, em busca da realização política e econômica da cidade.

Observei que o Prefeito não utilizou as expressões "situação" e "oposição", que eram propositadamente substituídas por "maioria" e "minoria". Respondeu-me que ninguém deve ser sempre a favor ou contra um governo. As expressões "situação" e "oposição" refletem um caipirismo agudo, convertendo-se numa doença infantil que, por falta de conhecimento, trava o progresso das cidades brasileiras.

Blumenau, pelo menos naquela época, alinhava-se ao modelo parlamentarista. A Constituição de 1988 (clique aqui) ia nessa direção, única saída, penso que, para a solução de problemas de uma grandeza até hoje não testemunhada.

O presidencialismo é uma monarquia provisória e, como todas as monarquias, propende para o autoritarismo, para o personalismo e para o voluntarismo. Os paises europeus substituíram o velho modelo fundado no princípio "o rei é a lei" por uma visão mais moderna, "a lei é o rei". E lei aí significa a expressão vocabular da cultura de um povo. Quando a maioria e a minoria unem-se para a construção de um projeto comum, respeitadas as divergências essenciais, a convivência torna-se mais democrática.

As nossas Câmaras Municipais, a nossa Assembléia Legislativa e o nosso Congresso Nacional estão perdendo poder. Qual foi o último discurso que ouvimos de um dos nossos legisladores? Qual é a opinião do nosso deputado sobre isso ou aquilo? O que disse o senador durante o seu mandato? A maioria de nossos representantes passam pelo parlamento sem subir sequer uma única vez na tribuna. Eles, com o seu silêncio, ressoam a voz de quem?

Há necessidade do prefeito, do governador, do presidente da República formularem um projeto político, apresentando-o à sociedade, debatendo com a minoria, não em busca de um sucesso efêmero, mas, sim, procurando construir uma pátria moderna e pacífica.

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*Advogado, Procurador de Justiça aposentado do Ministério Público de São Paulo, professor da Faculdade de Direito COC





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