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Brasil ético derrota nepotismo

Apesar dos abalos que, vez ou outra, ameaçam as vigas do Estado Democrático de Direito, o Brasil dá sinais de avanço em algumas áreas. É o que podemos constatar com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, ao proibir a contratação de parentes nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que se estende à proibição do nepotismo cruzado, ou seja, o acolhimento recíproco de parentes nos gabinetes públicos.

7/10/2008


Brasil ético derrota nepotismo

Luiz Flávio Borges D’Urso*

Apesar dos abalos que, vez ou outra, ameaçam as vigas do Estado Democrático de Direito, o Brasil dá sinais de avanço em algumas áreas. É o que podemos constatar com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, ao proibir a contratação de parentes nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que se estende à proibição do nepotismo cruzado, ou seja, o acolhimento recíproco de parentes nos gabinetes públicos. Os ministros se valeram dos princípios da moralidade, impessoalidade, legalidade e eficiência na administração pública. A rigor, a decisão da Alta Corte apenas vem reforçar a tomada de posição do Conselho Nacional de Justiça que, por meio da Resolução 7/2005 (clique aqui), já havia imposto a proibição de parentes na esfera do Judiciário.

A decisão do Supremo caminha na linha da modernização do Estado brasileiro. Como se sabe, a herança que herdamos de nossos colonizadores é farta no que diz respeito ao espaço ocupado pelo nepotismo. A tradição patrimonialista e de origem ibérica, que escolhe a política como principal seara para germinar, é simbolizada pela transferência de cargos e ocupações, entre pais e filhos, de modo a submeter o espaço público ao domínio de famílias, na esteira dos capítulos iniciais de nossa história, quando o rei de Portugal, D. João III, em 1534, distribuía as capitanias aos donatários, seus amigos. Interessante é constatar que o próprio escriba do Descobrimento do Brasil, Pero Vaz de Caminha inaugurou a galeria do nepotismo, quando, no final de sua famosa carta, fazia o primeiro pedido a Sua Alteza, "mandar vir da ilha de S.Tomé de Osório meu genro". Um pedido certeiro de emprego.

A cultura de apropriação da coisa pública pelos negócios privados nunca cedeu em nosso país. Na República Velha, entre a instalação da República e 1930, os "coronéis" firmaram sólidas ligações com o Estado, trocando proveitos com os poderes públicos. Das ligações espúrias entre os senhores da terra e os governantes, resultaram mazelas, dentre as quais o mandonismo, o apadrinhamento, o falseamento do voto e a desorganização dos serviços públicos. Não por acaso, ainda hoje pode distinguir-se em espaços do território o poder de certas pessoas, que passam a exercer funções do próprio Estado. O interesse privado, sob essa teia de mando, prevalece sobre o interesse coletivo, sendo o nepotismo uma das facetas do estado anárquico.

A moldura é feia. No escalão burocrático federal, as repartições são divididas entre pessoas e grupos, a maior constituída de políticos que dão apoio e sustentação ao governo. Nos Estados, os cargos são divididos entre alguns deputados, que montam nas estruturas fortes exércitos de ocupação. A oxigenação da vida pública, como se vê, ocorre a conta-gotas, porque os batalhões mobilizados funcionam como baluartes de sustentação política dos corpos parlamentares. Assim, os cargos passam a ser posses dos mandatários e não representações das comunidades. O processo decisório obedece à lógica dos particularismos e os negócios são fechados como se fossem transações comerciais entre parceiros. Sob o pano de fundo, o que se distingue é um manto de ilegitimidade, que tem como pressuposto o fato de que congressistas donos dos cargos, consagrados pelo voto popular, passam a ter pleno direito de usar e abusar das estruturas postas à sua disposição. Pior é que o representante do povo é quem difunde a idéia do domínio público pelo poder privado.

A dilapidação da coisa pública precisa ser contida. Por isso mesmo, vimos como um fato muito auspicioso a decisão do Supremo contra o nepotismo, herança maldita de nossa cultura política.

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*Advogado criminalista, mestre e doutor pela USP, é Presidente da OAB/SP - Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo







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