Migalhas de Peso

Voltando ao assunto

Em artigo publicado há alguns meses, expressei minha opinião sobre temas pertinentes à reforma do Judiciário.

29/10/2004

Voltando ao assunto...


Fernando Teixeira de Campos Carvalho*

Em artigo publicado há alguns meses, expressei minha opinião sobre temas pertinentes à reforma do Judiciário. Baseado na experiência de 35 anos como advogado, dizia eu que – ao menos na Justiça Estadual de São Paulo – não alcançaremos grandes vantagens com a implantação da reforma recentemente aprovada pelo Senado, se não forem enfrentadas duas graves questões: a gestão do Poder Judiciário e a privatização das serventias.

Com efeito: o Judiciário Estadual é um Poder fechado e auto-administrado, e seu orçamento é autônomo e gerido pelos próprios Desembargadores que o representam. Não se pode dizer, no caso do Estado de São Paulo, que a fatia orçamentária destinada ao Judiciário seja pequena para suas necessidades mais prementes. Na realidade, ela é mal alocada. Em vez de voltar-se primordialmente à atividade-fim (distribuir Justiça à população com qualidade e rapidez), grande parte da verba é destinada a assegurar conforto e segurança aos juízes e desembargadores, mediante a construção de vistosos e modernos gabinetes, a aquisição e conservação de veículos para o transporte de Suas Excelências, etc. Basta dizer que, só na Capital de nosso Estado, o Tribunal de Justiça, o 1º Tribunal de Alçada Civil, o 2º Tribunal de Alçada Civil e o Tribunal de Alçada Criminal mantêm quatro grandes edifícios: um na Avenida Paulista, outro na Alameda Jaú, mais um na Rua Conde de Sarzedas e outro mais na Rua Conselheiro Furtado, exclusivamente para que nossos dignos julgadores tenham, neles, seus confortáveis gabinetes de trabalho. Cada prédio dispõe de amplo estacionamento (para uso privativo de Suas Excelências), e os gabinetes contam com todos os modernos recursos de informática e com vasta equipe de seguranças, assistentes e assessores (tudo pago pelo Estado). Sem contar que cada Tribunal tem sua estrutura de poder e de representação (Presidente, Vice-Presidente, assessoria, etc.).

Nada contra o conforto cada vez maior dos nobres magistrados, mas verba pública, num país carente como o nosso, deve ter outras prioridades. Há alguns anos, quando a Justiça paulista era bem mais rápida, juízes e desembargadores não dispunham de gabinetes custeados pelos impostos que pagamos. Todos trabalhavam nos fóruns e nas suas residências, ou em salas que eles próprios compravam ou alugavam – como qualquer cidadão. Também não utilizavam automóveis oficiais e motoristas (denominados “agentes de segurança”) para o seu transporte pessoal. Tampouco contavam com “assistentes” (que não são juízes) para assessorá-los na elaboração dos votos. Hoje, grande parte do orçamento do Judiciário paulista destina-se a assegurar tais comodidades a seus ilustres membros.

Qual a contrapartida, em termos de rapidez e qualidade na distribuição da Justiça, às tantas facilidades que atualmente se oferecem aos membros do Judiciário paulista? Nenhuma: em qualquer de nossos Tribunais, o infeliz cidadão que tem “fome e sede de Justiça”, após longa e difícil caminhada pela 1ª Instância, tem de esperar mais cinco (5) ou seis (6) anos apenas para ver distribuído ao Relator um recurso de apelação! Convenhamos: justiça tardia é a maior das injustiças!

Para que esta calamitosa situação tenha fim, há que se entregar à administração da verba do Poder Judiciário a profissionais competentes e integralmente dedicados, deixando para juízes e desembargadores tão somente a nobre tarefa que lhes cabe: a de julgar. Enquanto juízes também administrarem, empregarão nesta atividade (que não lhes é própria) o tempo em que deveriam estar debruçados sobre os processos. Além disso, com o vezo de quem não é administrador, continuarão a destinar a verba orçamentária do Poder Judiciário a atividades não prioritárias, como se prioritárias fossem, e a baixar “portarias”, “provimentos” e “ordens de serviço” que, em grande parte, só dificultam a vida dos advogados e aumentam a burocracia nos fóruns paulistas.

Outro ponto crucial é o de, há tempos, terem sido oficializados os cartórios judiciais – que hoje são entregues a funcionários públicos, desde o Escrivão-Diretor até o mais humilde dos serventuários. Por isso temos, quase todos os anos, as absurdas greves que paralisam a Justiça de nosso Estado. Quando chamo tais greves de “absurdas” não me refiro ao fato de serem justas, ou não, as reivindicações dos funcionários públicos grevistas. Ocorre que, por receberem do Poder Público uma remuneração que consideram indigna, os serventuários fazem greve e a Justiça pára – prejudicando toda a população que precisa do Judiciário para resolver suas questões (e aí reside o absurdo!). No Estado de São Paulo a Justiça está praticamente paralisada desde o final de junho, com gravíssimas conseqüências para o povo que, em última análise, é quem paga, com seus impostos, os proventos dos funcionários públicos.

Qual a solução? A meu ver, é muito simples: basta que, tal como em passado não muito distante, as serventias de justiça voltem a ser privatizadas. Por que existirem cartórios oficiais, entregues a funcionários públicos insatisfeitos? Por que ter o Estado de arcar com o elevado custo de tais serventias, sem poder pagar aos serventuários a remuneração que eles pleiteiam? Por que sermos obrigados a aturar greves e mais greves dos funcionários da Justiça?

Olhemos como exemplo os cartórios de protesto de títulos, os de notas, os de registro de imóveis, os de títulos e documentos, os de registro civil – todos privados. São modelos de eficiência e de bom atendimento à população. Não oneram o Estado, pois são entregues a um “tabelião”, “oficial” ou “escrivão” devidamente concursado, delegado do Poder Público, que contrata às suas expensas os funcionários de que precisa e todos os equipamentos indispensáveis ao bom desempenho do cartório e ao ótimo atendimento ao público e aos advogados. Quem necessita de seus serviços paga custas e emolumentos fixados em lei estadual, destinando-se parte das taxas para remunerar seus titulares e parte aos cofres do Estado, ao Tribunal de Justiça, às Santas Casas, etc. Quem trabalha nos cartórios privados não faz greve, pois não é funcionário público e sim empregado dos respectivos titulares (se não estiver satisfeito com o que ganha ou se não produzir a contento, vai embora). Os titulares dos cartórios privados, por sua vez, são fiscalizados permanentemente pela Corregedoria da Justiça e punidos – até com a perda do cargo – em caso de faltarem com os seus deveres. As instalações dos cartórios privados não são fornecidas pelo Estado, mas adquiridas ou locadas por seus próprios titulares.

Comparemos a eficiência e os bons serviços dos cartórios privados com aquilo que nos oferecem os ofícios de justiça existentes nos fóruns, entregues a funcionários públicos, e chegaremos à inevitável conclusão de que nada justifica a continuidade da oficialização. Lutemos, pois, para que se privatizem os ofícios de justiça, pondo fim às greves, à insatisfação generalizada e ao alto custo para os cofres do Estado!
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*Advogado




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