Lei 11.767/08: governo sai à francesa
Mário Gonçalves Júnior*
O veto ao parágrafo 5º., que definia os "instrumentos de trabalho" dos advogados de maneira exemplificativa (isto é, especificando "computadores, telefones, arquivos impressos ou digitais, bancos de dados, livros e anotações, documentos, objetos e mídias de som ou imagem recebidos de clientes ou de terceiros"), poderá, na prática, ser inócuo, vez que, embora excluída tal definição, os instrumentos de trabalho em si estão protegidos pelo inciso II já referido.
Ainda que a lei venha a ser omissa em relação ao conteúdo de "instrumento de trabalho" dos advogados, uma vez garantida a sua inviolabilidade, algum conteúdo haverá de ser atribuído por hermenêutica, a fim de viabilizar a eficácia da inviolabilidade.
E, do ponto de vista da razoabilidade, é óbvio que os arquivos e os bancos de dados dos escritórios de advocacia, por exemplo, estão sob o manto do sigilo profissional. Quem haverá de sustentar que esses itens não sejam "instrumentos de trabalho" dos advogados, ou que não estejam guardados pelo sigilo da profissão? Se nem fosse preservado, o conceito de "instrumentos de trabalho" ou a própria inviolabilidade garantida no inciso II restaria totalmente esvaziada, ou seja, nada mais se enquadraria no conceito.
A comunidade de juristas, aliás, não é de hoje, não é simpática à técnica de inserir em textos legais conceitos, sustentando que essa tarefa cabe mesmo à doutrina e à jurisprudência.
Pouco importam em hermenêutica, outrossim, as razões do veto, ou, em suma, os motivos do legislador ("mens legislatoris"). Quando uma norma jurídica entra em vigor e se insere no sistema pré-existente, assume "vida própria", como que se "acomodando" ao ordenamento, a fim dde sanar antinomias ou conflitos aparentes. É a "mens legis".
Já o veto ao parágrafo 6º. jamais estaria a salvo de críticas. Quando o próprio advogado é suspeito de crimes, a sua inviolabilidade não é garantida, porém esse parágrafo 6o. previa um limite para a violação: não atingir as informações dos clientes e de outros advogados da mesma banca, e apreensões condicionadas à presença de um representante da OAB.
Seria mais razoável, e possível, preservar informações relativas à clientela do advogado, bastando o acesso às provas porventura existentes contra o próprio advogado. O parágrafo 7º., também vetado, previa ademais que se os clientes do advogado suspeito fossem também suspeitos de co-autores, as provas encontradas com os advogados não seriam invioláveis.
Enfim, o texto original e vetado traçava linhas bem nítidas de inviolabilidade, de maneira a atender aos interesses, ambos públicos, de preservação do sigilo profissional dos advogados e das investigações criminais. Outra supressão legislativa inócua, todavia, visto que a inviolabilidade foi mantida no inciso II.
Enfim, o Governo saiu duplamente à francesa: coincidência ou não, coube ao Vice-Presidente vetar o projeto, e os vetos em si têm tudo para serem insossos na prática, a sugerir que se quis dar a aparência de uma decisão salomônica (falsamente salomônica, porque a criança não foi cortada ao meio).
Mas não chega a ser uma vitória, do ponto de vista dos advogados. É preciso lembrar que compete ao Judiciário a aplicação das leis, e não aos advogados. A julgar pela posição pública das entidades representativas dos magistrados, contrária à PL 36/06, provavelmente os julgamentos supervalorizarão os vetos. A Advocacia ainda deverá se interessar pela derrubada desses vetos no Legislativo.
__________
*Advogado do escritório Demarest e Almeida Advogados
____________