'Espetacularização', Poder Judiciário e Estado de Direito
Eduardo Ramires*
O agravamento desse quadro vem provocando a reação de umas poucas vozes, que se atrevem a navegar contra a corrente, opondo o direito de defesa à essa avalanche acusatória que se criou com a associação do poder de polícia com a exploração midiática das acusações. Entre essas vozes destemidas merece destaque a posição assumida pelo Supremo Tribunal Federal, através de seu atual presidente Ministro Gilmar Mendes.
O Ministro Gilmar Mendes já manifestou, em diversas ocasiões, sua disposição de enfrentar e conter o abuso de autoridade e os excessos no manejo do poder de polícia, de maneira a evitar o menoscabo aos direitos e garantias individuais, dando ensejo a verdadeiras campanhas midiáticas de acusação, para as quais nenhum cidadão têm instrumentos de defesa adequados.
No recente episódio em que a posição do Ministro Gilmar Mendes foi confrontada pela Magistratura Federal de Primeira Instância, chama a atenção a defesa da existência de investigações secretas não apenas em relação aos investigados como em relação às próprias instâncias do Poder Judiciário. A justificação para essa defesa não deixa dúvida: é vilipendiar o direito de defesa dos acusados, afastando, sobretudo, qualquer possibilidade de que possam resistir ao massacre diante da mídia.
A combinação proposta de investigações informais e secretas, de um lado, com prisões e acusações vazadas e alardeadas na imprensa, do outro, tampouco deixa dúvida do poder de destruição que se poderá abater não apenas sobre as reputações de uns tantos cidadãos que vierem a ser alvos dessa "nova técnica" de persecução criminal - mesmo que por ledo engano, como já se experimentou mais de uma vez -, mas também do poder de instabilidade que se transporta para o ambiente político e institucional, através da contaminação dos embates partidários com o discurso policialesco e autoritário.
Esperemos que o Poder Judiciário reúna-se sob a bandeira do Estado Democrático de Direito, afastando o abuso de autoridade e o messianismo moralista, mesmo quando suas decisões possam desagradar a opinião pública. Abdicar da tarefa máxima da defesa do Estado Democrático de Direito, mesmo que em prol de um projeto de limpeza ética, poderia conduzir o Poder Judiciário à partidarização e ao descrédito, com graves conseqüências para o futuro da democracia brasileira.
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*Advogado-sócio do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques, Advocacia
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