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Garantias, pagamentos, penalidades e exclusão de responsabilidades nos contratos internacionais

Nos contratos internacionais os mecanismos de seleção do foro, da lei de regência, do local da execução das sentenças, assim como do site da arbitragem e dos efeitos das leis e da jurisprudência interna dos países que constituam normas de ordem pública no direito internacional privado desses países, em relação a pagamentos, multas, limitações de garantias, sanções e compensações de prejuízos, são fatores que afetam o cumprimento, sobretudo a execução, em caso de descumprimento, desses contratos e das sentenças a eles relacionadas.

2/7/2008


Garantias, pagamentos, penalidades e exclusão de responsabilidades nos contratos internacionais

José Maria Rossani Garcez*

Nos contratos internacionais os mecanismos de seleção do foro, da lei de regência, do local da execução das sentenças, assim como do site da arbitragem e dos efeitos das leis e da jurisprudência interna dos países que constituam normas de ordem pública no direito internacional privado desses países, em relação a pagamentos, multas, limitações de garantias, sanções e compensações de prejuízos, são fatores que afetam o cumprimento, sobretudo a execução, em caso de descumprimento, desses contratos e das sentenças a eles relacionadas.

É que as matérias que contrariem a ordem pública no direito interno, teoricamente, podem ser um obstáculo à execução das sentenças judiciais ou arbitrais estrangeiras. No Brasil, tanto a Lei de Introdução ao Código Civil (DL 4.657, de 4.8.42, art. 17 – clique aqui), quanto às regras para homologação de sentenças judiciais, ou, ainda, sobre reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras, hoje de competência do STJ, contém dispositivos a respeito. Conforme o art. 6º da Res. nº. 9/2005 do STJ (clique aqui), não será homologada sentença estrangeira que ofenda a soberania ou a ordem pública.

Nos EUA a homologação de sentenças estrangeiras é de competência das cortes estaduais. Existe uma lei uniforme, a Uniform Foreign Money-Judgments Recognition Act - UFMJRA - lei modelo elaborada pela National Conference of Commissioners on Uniform State Laws, órgão que trabalha para a harmonização das normas em todo o país, promulgada em mais de 30 Estados norte-americanos, entre eles Nova York, Califórnia, Massachusetts, Texas e Flórida.

A definição de "sentença estrangeira" na seção 1 da UFMJRA compreende "qualquer sentença de um país estrangeiro deferindo ou indeferindo a recuperação de um valor em dinheiro" e pode, assim, ser homologada nos Estados Unidos, desde que não seja de natureza penal, tributária ou de direito de família (para cobrança de alimentos). As seções 2 e 3 do UFMJRA prevêem que uma sentença estrangeira será homologada quando esta for "final e conclusiva" e executável no local onde foi prolatada e que o teor da sentença homologada terá o mesmo poder executório que uma sentença provinda de outro Estado norte-americano. Na sua Seção 4 (a), a UFMJRA dispõe que uma sentença não será considerada "conclusiva" se:

(1) o ordenamento jurídico de onde provém não proporciona tribunais imparciais ou procedimentos condizentes com o devido processo legal;

(2) o tribunal estrangeiro não tinha competência para citar o réu; ou

(3) o tribunal estrangeiro não tinha competência para resolver a lide.

E, na Seção 4 (b) da UFMJRA acham-se listadas circunstâncias em que o tribunal que homologar a sentença pode fixar condições, dentre elas se a causa de pedir ferir a ordem pública do Estado onde a sentença está sendo homologada.

A homologação da sentença arbitral estrangeira segue no Brasil a Lei nº 9.307/96 (clique aqui) de Arbitragem, e a Convenção de Nova Iorque - NYC - cujos termos tinham sido já antecipados nos artigos 38 e 39 da lei de arbitragem, prevendo, dentre outras restrições, que o tribunal que a homologue poderá não fazê-lo se ela ferir a ordem pública interna.

Cobrança e execução de juros moratórios

As cláusulas visando a liquidação de danos ou prejuízos face à inadimplência de uma das partes e as que, simplesmente, impõem penalidades, que atinjam volumes desproporcionais do que seria razoável esperar, tem sido objeto de distinção e restrição na doutrina, legislação e jurisprudência dos países.

Na common law da Austrália, essa distinção consta de decisão da Suprema Court (High Court) Ringrow v. BP Austrália (2005) que apontou alguns testes para distinguir uma cláusula puramente penal de uma para liquidação de indenização por inadimplência. A simples distinção entre os títulos das cláusulas ("liquidated damages" ou "penalty") não seria conclusiva, na jurisprudência australiana, para avaliar suas conseqüências; a essência da "penalty clause" é a exigência de pagar um montante em dinheiro como punição ("threat") em benefício da parte prejudicada, enquanto a cláusula de "liquidate damages" serve como um genuíno ajuste prévio como estimativa para liquidação de prejuízos. No contexto das circunstâncias e condições de cada caso os ajustes feitos como cláusulas penais e que devem ser rejeitados são aqueles cujas sanções ultrapassem uma proporção normal a ser representada pela indenização a ser considerada em face da inadimplência.

No Brasil discutiu-se se os juros remuneratórios (juros de mora) deviam ser fixados somente até 12% a.a. em todos os casos ou se as instituições financeiras estariam isentadas desse limite. No RE n°. 680.237/RS, julgado em 14/12/2005, a conclusão é a de que, para os contratos de agentes do Sistema Financeiro Nacional celebrado após a vigência do novo CC, que é lei ordinária, os juros remuneratórios não estariam sujeitos à limitação, devendo ser cobrados na forma ajustada entre os contratantes, conforme o tratamento dado antes do advento da Lei nº. 10.406/02 (clique aqui) na mesma linha da Súmula n°. 596 do STF (clique aqui).

Recentemente, ainda que rejeitada a limitação a 12% ao ano, o STJ vem revendo sua jurisprudência, sobretudo diante do reconhecimento da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras, sedimentado na Súmula 297 (clique aqui) do mesmo Tribunal, assim como na ADIn 2591(clique aqui) julgada pelo STF, predominando a orientação de que a abusividade na pactuação dos juros deverá ser apreciada caso a caso.

No mesmo sentido, em outros sistemas legais. Pesquisa numa arbitragem pelas regras da ICC em que foi requerida a execução de juros moratórios no país da parte executada, em comparação com as regras de ordem pública desse país e de vários outros, ficou demonstrada a diversidade de limites fixados pelas legislações nacionais, com grandes variações quanto ao teto desses juros, praticamente, de 3% a 30%.

O artigo 39 da nossa Lei 9.307/96, assim com o art. V, 2, b, da Convenção de Nova York, determinam que poderão ser recusados o reconhecimento e a execução de uma sentença arbitral se a autoridade competente do país em que o reconhecimento e a execução forem pedidos constatar... (b) que o reconhecimento e a execução da sentença são contrários à ordem pública desse país.

Limitação da responsabilidade contratual. Multas excessivas.

Com freqüência são encontráveis cláusulas aceitas pelas partes, mas que depois podem dar margem às discussões judiciais ou na solução de controvérsias por outros métodos, objetivando a limitação (em proporções variadas) da responsabilidade civil nos contratos internacionais. Nessas cláusulas, as indagações ou investigações a serem feitas devem preocupar-se com a medida da validação dessas cláusulas quando submetidas às leis que as determinam ou aos tribunais que as terão de analisar e sobre elas decidir, nos países em que as sentenças executórias devam ser cumpridas.

As discussões sobre o tema são variadas, porque tais cláusulas limitativas são encontráveis com freqüência nos chamados contratos de adesão. O interesse dessa análise aqui se deve à padronização da utilização pelo comércio internacional deste tipo de contrato, sobretudo na linha veloz dos negócios bancários, de seguros e de importação e exportação.

No direito de vários países a elaboração das técnicas de apreciação dessas cláusulas passa em geral pela verificação do abuso do poder econômico. Segundo a jurisprudência da maioria dos países, aquele que firma um contrato de adesão deve, presumidamente, conhecer seu conteúdo, a menos que o conteúdo do contrato seja de tal forma insólito que não possa ser presumida a sua aceitação. Os cuidados relacionados com esses aspectos relacionam-se também com os documentos posteriores ao contrato, como as faturas, bilhetes de transporte e outros, que podem igualmente conter condições standard cuja aceitação pode ser presumida.

A legislação da Inglaterra e País de Gales, o Unfair Contract Terms Act 1977- UCTA é a mais conhecida fonte do regime jurídico da statutory law, relacionada às cláusulas exoneratórias ou de limitação da responsabilidade contratual na common law.

O UCTA não se destina apenas a regular, genericamente, os unfair contract terms, sendo o seu âmbito de aplicação a um só tempo mais restrito e mais amplo, pois se ocupa daqueles que tem por objeto excluir ou limitar a responsabilidade do devedor em alguns tipos de contratos, mas também trata do regime dos avisos (notices) destinados a afastar a negligence liability de certas partes, ainda que essa responsabilidade não tenha por fundamento o descumprimento do contrato e a sua exclusão não tenha base no acordo de vontades, mas sujeitem a pessoa que o exerça a uma conseqüência desvantajosa ou, ainda, excluam regras sobre prova ou processo. O Act absolutamente proíbe cláusulas que afastem a responsabilidade por negligence em caso de morte ou dano pessoal, e as notices com idêntico objetivo. Quanto às demais excludentes da negligence liability estão elas subordinadas à prova eficaz de que a cláusula satisfaz o requisito da razoabilidade.

A jurisprudência francesa aceita que as condições gerais de um contrato de adesão façam parte integrante do contrato se a parte contratante delas tomou conhecimento antes da conclusão do pacto e cláusulas especiais, como, a de reserva de domínio, podem constar de um contrato de adesão, mas, nesse caso, deve ser chamada de alguma forma a atenção da parte para a referida cláusula. Desde os anos 70 a idéia de proteção ao consumidor vem impondo avanços na legislação francesa para impedir abusos da utilização de condições gerais padronizadas em contratos de adesão. O art. 35 da Lei n. 76/23, de 1978, outorga ao governo o poder de interditar as "clauses abusives dans les contrats conclus entre professionnels et non-professionnels et les consommateurs".

O direito brasileiro não admite a generalização das cláusulas excludentes de responsabilidade, admitindo-as apenas em casos especiais. E a jurisprudência tem tido trabalho em reconhecer quais são esses casos especiais e quais as atividades que, "por sua natureza", como dispõe o parágrafo único do art. 927 do CC pátrio, trariam a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa do agente.

A arbitragem nos contratos de adesão e naqueles envolvendo relações de consumo no direito brasileiro e estrangeiro.

O § 2º do art. 4º da Lei brasileira de Arbitragem prevê que nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar expressamente com a sua instituição. Essa concordância deve ser por escrito, em documento anexo, em negrito, com a assinatura ou visto especial para essa cláusula.

A Lei de arbitragem, que é posterior em seis anos ao Código de Defesa do Consumidor, de 11.9.1990 (clique aqui), ao trazer tal dispositivo, cuidou na verdade de compatibilizar a arbitragem nos contratos de adesão e naqueles envolvendo relações de consumo, uma vez que o Código, no seu artigo 51, tinha disposto serem nulas de pleno direito, por abusivas, entre outras, as cláusulas que determinassem a utilização compulsória da arbitragem.

O dispositivo do art. 51 do CDC, mesmo considerando o tema da aceitação da arbitragem demonstrada de forma ostensiva, na forma do art. 4º da Lei de arbitragem para os contratos de adesão, que, via de regra, se encontram entre os contratos de relações de consumo, pode dar margem a questionamentos. Para afastar, porém, a impressão de que nas relações tipificadas como de consumo poderiam ser restringidos a casos especiais os efeitos da arbitragem devemos, no entanto, refletir por um momento que se, mesmo nos contratos de adesão, onde existe uma sensibilidade concentrada na hiposuficiência do aderente e na possível ausência da expressão de sua vontade, a lei previu uma fórmula para que seja constatada a aceitação da arbitragem pela parte aderente, não seria lógico concluir-se que a arbitragem pudesse estar afastada dos contratos das relações de consumo.

A precaução contida no dispositivo do artigo 4º da Lei de arbitragem quanto aos contratos de adesão decorre da necessidade de demonstrar-se que a mesma, resultante do acordo de vontade das partes, baseia-se realmente no exercício dessa liberdade. E também da aplicação dos princípios da preservação dos direitos e da liberdade do consumidor e da legibilidade das cláusulas contratuais a elas relativas, em especial quanto às cláusulas contidas nesses contratos, no sentido que lhes dá os §§ 3º e 4º da Lei nº. 8.078/90 (clique aqui):

"§ 3º - Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor. § 4º - As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo a sua imediata e fácil compreensão."

O artigo 51 do CDC diz serem nulas as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:...VII – determinem a utilização compulsória da arbitragem.” Esse artigo gera dúvidas, aliás, justificáveis, porque, em primeiro lugar, não pode realmente haver, em tese, arbitragem obrigatória, senão a que decorresse de lei que a tornasse obrigatória e esta seria inconstitucional e, assim, nula de pleno direito. Se o contrato, por sua vez, é aberto a aceitação ou não da parte e isto até os contratos de adesão o são, posto que o aderente sempre possa procurar outro fornecedor de serviço, outro segurador ou financiador, por exemplo, a arbitragem não poderia ser obrigatória.

Na verdade o que a lei quis dizer foi que o consumidor não pode ser forçado a aceitar a arbitragem, que decorre, justamente, do livre acordo de vontade entre as partes. Se a isto for compelido, se não houver contrato e caso ele não aceite que tal cláusula lhe seja imposta, esta ou não será firmada ou, se o for, sob a pressão ou coação com base na hiposuficiência do aderente, será nula.

Mas é o próprio CDC que, no art. 4º, estimula a utilização dos meios alternativos de solução de conflitos ao dispor que na política das Relações de Consumo um de seus princípios será o do "incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança dos produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo."

Em todo o mundo as críticas aos contratos de adesão passam, inevitavelmente, pelo tema do abuso aos direitos das partes, que, por desconhecimento ou pela sua hiposuficiência, sofrem passivamente tais abusos. A notícia adiante fixa este parâmetro. Em maio de 1999 o Washington Post, que circula na capital dos Estados Unidos, publicou um longo artigo com o título "Mais companhias bloqueiam o consumidor", insurgindo-se contra a arbitragem compulsória instituída pela American Express Card a partir de 1o de junho daquele ano para seus usuários, mediante uma simples nota que foi inserida na Newsletter enviada aos mesmos, juntamente com a última fatura.

Segundo as normas estabelecidas pela American Express somente não seria compulsória a arbitragem para os usuários em casos que ultrapassassem US$ 100.000 (cem mil dólares). A iniciativa da American Express foi copiada por outras companhias norte-americanas, como o First USA Bank, o maior emissor dos cartões Visa, com 58 milhões de consumidores. A matéria do Washington Post chamava a atenção para o fato de que o Federal Reserve Board e a Federal Trade Comission estariam, porém, se posicionando, como o fizeram de forma enérgica para combater a iniciativa, pois a mesma bloquearia, inclusive, o direito do consumidor em participar das "class actions" a serem movidas contra as companhias de cartões de crédito.

Mas, se mesmo nos contratos de adesão a lei brasileira de arbitragem previu uma fórmula para que fosse constatada a aceitação deste método pela parte aderente, não seria a nosso ver lógico concluir-se que a arbitragem poderia estar afastada dos contratos nas relações de consumo. Nessas questões, ante a necessidade evidente de maior rapidez no atendimento às queixas dos consumidores, parece natural que a arbitragem constitua, ao contrário, um método eficaz e desejável de solução de conflitos, guardadas as cautelas na formalização da cláusula arbitral.

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*Advogado





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