Novas regras societárias valorizam propriedade intelectual das empresas brasileiras
Guilherme Leite*
André Zonaro Giacchetta*
Camilo Gerosa Gomes**
2. Alguns séculos depois, a propriedade intelectual passou a ocupar cada vez mais um lugar de destaque nas empresas, tornando-se ao longo do tempo um ativo de alto valor e, em muitas vezes, essencial para a continuidade e prosperidade dos negócios. Isso pode ser visto com a criação e avanço da legislação de proteção à propriedade intelectual, tamanha a sua relevância e necessidade de regulamentação.
3. Foi o caso da constituição do Acordo Trips - Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights em 1994, no âmbito da Organização Mundial do Comércio - OMC - que determina os requisitos mínimos de proteção dos titulares de direitos de propriedade intelectual nos países signatários.
4. Posteriormente, constituiu-se a Wipo - World Intellectual Property Organization, que tem se incumbido de harmonizar as regras internacionais de proteção aos direitos de propriedade intelectual, bem como de solucionar controvérsias a respeito do comércio internacional envolvendo direitos de propriedade intelectual.
5. Em vista do crescente investimento empresarial em propriedade intelectual, o Brasil modernizou o seu sistema de proteção de direitos de propriedade intelectual com a criação, em 1996, da Lei nº. 9.279 (clique aqui), em consonância com o Acordo Trips e representando uma das legislações mais avançadas no mundo sobre propriedade intelectual.
6. Nesse mesmo sentido de modernização da legislação interna, a Lei nº. 11.638, de 28 de dezembro de 2007 (clique aqui) trouxe uma série de modificações e inovações à Lei nº. 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (clique aqui) no que diz respeito à elaboração e divulgação de demonstrações financeiras.
7. A Lei nº. 11.638/07 tem como um de seus principais objetivos a modernização e harmonização da legislação societária brasileira com os melhores princípios e práticas contábeis internacionais, adequando assim o Brasil aos sistemas contábeis mais utilizados e aceitos no exterior. Um dos avanços da Lei nº. 11.638/07 foi alterar as regras aplicáveis ao tratamento de ativos intangíveis (direitos de propriedade intelectual) no balanço das sociedades.
8. Anteriormente à edição da Lei nº. 11.638/07, o artigo 179, IV da Lei das Sociedades por Ações definia ativo imobilizado como "direitos que tenham por objeto bens destinados à manutenção das atividades da companhia e da empresa, ou exercidos com essa finalidade, inclusive os de propriedade industrial ou comercial".
9. Embora existisse a previsão de contabilização dos ativos de propriedade industrial ou comercial, poucos direitos eram de fato “ativáveis” e não havia na legislação a definição de um parâmetro específico e claro para realizar a completa avaliação e registro de ativos intangíveis. Na prática, bens como marcas, patentes e direitos autorais eram registrados apenas pelo custo incorrido para sua obtenção (e somente pelas parcelas mensuráveis de forma direta e objetiva, capazes de gerar benefícios incrementais no futuro).
10. Agora, a Lei nº. 11.638/07 mudou significativamente o tratamento dos ativos intangíveis no balanço das sociedades. De fato, criou-se um grupo contábil específico para tais bens (art. 179, VI da Lei 11.638/07), que são definidos como os direitos que tenham por objeto bens incorpóreos destinados à manutenção da sociedade ou exercidos com essa finalidade, inclusive o fundo de comércio adquirido. A criação desse grupo contábil específico contribuiu para uma melhor identificação e individualização da propriedade intelectual das empresas no contexto do seu efetivo patrimônio.
11. A Lei nº. 11.638/07 também prevê a inclusão, no balanço, de novo critério de avaliação dos bens. Dessa forma, os direitos classificados como intangíveis serão avaliados pelo custo incorrido na aquisição, deduzido o saldo da respectiva conta de amortização, o que permitirá uma determinação mais clara e exata do real valor dos bens intangíveis da empresa.
12. Não obstante tal disposição, o artigo 183, parágrafo 3º, da Lei das Sociedades por Ações, alterado pela Lei nº. 11.638/07, também atribui à sociedade o dever de efetuar, periodicamente, a análise sobre a recuperação dos valores registrados no grupo intangível com o objetivo de assegurar que sejam:
(I) registradas as perdas de valor do capital aplicado, quando houver decisão de interromper os empreendimentos ou atividades a que tais ativos se destinavam, ou quando comprovado que não poderão produzir resultados suficientes para a recuperação desse valor; ou
(II) revisados e ajustados os critérios utilizados para a determinação da vida útil econômica estimada de tais bens do grupo intangível e para o cálculo da respectiva depreciação, exaustão e amortização.
13. Com a criação de um grupo específico para os ativos intangíveis no balanço das sociedades, é natural que possa haver a reclassificação de certos ativos das sociedades hoje registrados em outros grupos e que passariam a ser classificados como intangíveis. Como conseqüência, tal reclassificação deverá identificar de forma mais precisa a relevância da propriedade intelectual no balanço das sociedades.
14. Finalmente, vale mencionar que recentemente a Comissão de Valores Mobiliários – CVM - regulamentou a Lei nº. 11.638/07 em diversas questões e disponibilizou em seu website o Edital de Audiência Pública SNC 03/2008. Referido Edital tem como propósito aprovar o Pronunciamento Técnico CPC 04, emitido pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis, que visa adequar à regulamentação brasileira às normas do International Accounting Standards Board – IASB sobre bens intangíveis. Com o final do prazo para envio de sugestões e comentários ao Edital, aguarda-se o pronunciamento definitivo da CVM com relação à nova regulamentação contábil sobre ativos intangíveis.
15. De qualquer forma, espera-se que a regulamentação do assunto pela CVM esteja em harmonia com o desenvolvimento da proteção dos direitos de propriedade intelectual das empresas, a fim de que não se criem barreiras ou dificuldades desnecessárias para o incremento das atividades e dos investimentos empresarias no desenvolvimento de novas tecnologias.
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*Sócios do escritório Pinheiro Neto Advogados
**Associado do escritório Pinheiro Neto Advogados
* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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