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Desafios dos novos membros do Cade

No momento em que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) passa por importante transição de presidência e composição, com a mudança de quatro de seus integrantes, cabem algumas reflexões.

16/8/2004

Desafios dos novos membros do Cade


Gianni Nunes de Araújo*

No momento em que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) passa por importante transição de presidência e composição, com a mudança de quatro de seus integrantes, cabem algumas reflexões. Tanto o Cade como o direito da concorrência evoluíram de forma significativa nos últimos dez anos. Inquestionavelmente, houve um amadurecimento institucional, com análises e críticas mais profundas, votos mais técnicos jurídica e economicamente. Em casos complexos, deparamo-nos com decisões bem fundamentadas, que se abrigam na dita regra da razão e em teorias econômicas recentes, demonstrando uma sofisticação sobre a matéria, e que servem de guia às comunidades jurídica e empresarial.

Neste contexto, o novo Plenário do Cade terá a grande responsabilidade de não apenas dar continuidade ao trabalho exemplar de seus pares em casos complexos, como também adequar, aprimorar e lapidar a interpretação e aplicação da legislação concorrencial.

É inquestionável o amadurecimento do órgão na análise de processos complexos. Mas pouco se evoluiu na aplicação da Lei 8.884/94 em casos que não trazem em si qualquer preocupação concorrencial, sequer potencial. As decisões emitidas pelo órgão demonstram um número significativo de atos que não produzem concentração horizontal ou mesmo integração vertical, que dizem respeito ao ingresso de um grupo econômico no mercado brasileiro, ou na entrada em um novo mercado e que são analisados para, ao final, terem a aprovação, quando na realidade sequer mereciam passar pelo Cade, posto que não recepcionados pela lei, como se depreende da leitura do parágrafo 3º do artigo 54, da Lei 8.888/94 aliado ao caput deste dispositivo legal.

Salvo única exceção: reestruturação societária em um mesmo grupo econômico, sem alteração do controle, em todos os demais atos (e contratos) envolvendo apenas um dos grupos participantes com faturamento bruto mundial superior a R$ 400 milhões, que afetem o mercado brasileiro, o Cade se declara competente para os apreciar.

Tal fato é um paradoxo. Como evoluir de forma lógica e eficiente, com o resguardo e apoio da própria coletividade a quem defende, se o órgão, muitas vezes, não se coaduna com os preceitos da lei e se declara competente para analisar atos sem qualquer potencialidade de dano à concorrência? Como ser eficiente com os parcos recursos financeiros e humanos de que dispõe, analisando um sem número de atos vazios e que, de fato, estão fora do âmbito da aplicação da lei? Como se preocupar e eficazmente agir na repressão de condutas abusivas, estas sim geradoras de inquestionável dano à sociedade e ao mercado, se muito de seus esforços ainda se voltam para operações que efetivamente não necessitariam ser apresentadas?

Estas questões, reconhecidas por poucos conselheiros que pela casa passaram, precisam finalmente ser enfrentadas, senão pela unanimidade, pela maioria do Plenário. Para isto podem e devem se utilizar não de novos instrumentos, como um novo projeto de lei, mas dos recursos já disponíveis como a própria Lei 8.884/94, mediante uma interpretação sistemática e lógica, com expedição de ementas jurisprudenciais, para que se tenha maior segurança jurídica e claro entendimento da orientação dada pelo órgão. A isto se somam as resoluções, que não se sobreponham à lei ou extrapolem suas competências, mas que elucidem os questionamentos decorrentes de suas interpretações e experiências ou criem procedimentos que permitam a aplicabilidade dos preceitos legais.

O Cade do amanhã tem ainda a necessidade de, senão lutar pela absorção dos demais órgãos do sistema (Secretaria de Acompanhamento Econômico - (Seae), do Ministério da Fazenda, e Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça), conferindo maior segurança jurídica e institucional e melhor atenção à cláusula do devido processo legal, buscar a efetiva integração operacional com estas secretarias. O objetivo é a análise célere dos casos, a escorreita instrução dos processos administrativos (pautada nos princípios, dentre outros, da ampla defesa, contraditório, publicidade, motivação e eficiência), a cooperação técnica e a definição conjunta de prioridades e objetivos na análise de casos complexos.

Se o Cade conseguir, calçado no quilate curricular de seus integrantes, ter por escopo a análise somente de operações que efetivamente tragam em si potencialidade de dano ao mercado -que é possível revendo a atual interpretação, mas respeitando-se os preceitos e limites da lei- e dedicar-se com estrita tecnicidade jurídica e econômica à análise das condutas anticompetitivas, conseguirá dar cabal cumprimento aos ditames da lei de defesa da concorrência. Mas acima de tudo, estará dando à sociedade a resposta aos seus reais anseios: garantia da coibição ao abuso do poder econômico, fundada no respeito aos direitos e garantias individuais dos agentes econômicos, como a Constituição Federal exige.

A atuação, portanto, eficiente do Cade na ação preventiva e mais efetiva na ação repressiva garantirá o respeito dos administrados e das comunidades jurídica e empresarial, nacional e estrangeira. Além disso, fomentará o ingresso do capital externo para investimentos diretos em nosso País e fortalecerá a instituição a alcançar e realizar sua função social, na medida em que possibilitará o desenvolvimento econômico tão desejado pelo carente povo brasileiro. kicker: Amadurecimento do órgão na análise de processos complexos é inquestionável.
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* Advogada do escritório Franceschini e Miranda - Advogados









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