Dever de sigilo no procedimento arbitral: reflexos das ações anulatórias de sentença arbitral no mercado financeiro
Joaquim Augusto de Queiroz*
Neste cenário econômico favorável, a grande vedete dos últimos tempos tem sido o mercado de valores mobiliários. O crescente número de IPO's (sigla em inglês para initial public offering – oferta pública inicial), vem refletindo sobremaneira o vigoroso estágio em que se encontra a economia nacional e o ambiente de negócios em nosso país.
Neste quadro de ampliação e consolidação do mercado de capitais um ponto merece análise: a quantidade e qualidade das informações que circulam diariamente sobre as empresas e que influenciam diretamente no humor do mercado.
Sabendo-se que o mercado de capitais tem como tônicas a volatilidade e o poder da especulação, não há dúvida de que cada informação posta em circulação deve ser cuidadosamente analisada. Sem este exame criterioso, existe o sério risco de que uma mera suposição venha a ser encarada, erroneamente, como fato, de modo a prejudicar investimentos e abalar a credibilidade das empresas. Exemplo disto é uma informação confidencial que alcança o conhecimento do grande público, podendo gerar prejuízos inestimáveis às empresas e seus acionistas.
Neste panorama, insere-se o tema do presente artigo: o dever de confidencialidade que deve permear o procedimento arbitral.
Forma alternativa de solução de conflitos, a arbitragem vem sendo eleita por considerável parcela de empresas, especialmente as de grande porte. Duas são as formas de instauração de um procedimento arbitral: por meio da cláusula compromissória ou pelo compromisso arbitral.
A cláusula compromissória nada mais é do que uma convenção, um negócio jurídico. Geralmente trata-se de uma cláusula inserida em um contrato dispondo que qualquer eventual litígio decorrente daquele contrato será dirimido por um órgão julgador escolhido livremente pelas partes. A segunda hipótese de instauração da arbitragem é o compromisso arbitral. Neste caso as partes já se encontram em disputa, razão pela qual firmam o compromisso elegendo o órgão que decidirá a pendenga. Em ambos os casos o órgão julgador poderá ser tanto um único árbitro quanto um tribunal especializado, a critério das partes.
É importante dizer que a arbitragem significa uma opção das partes por um procedimento jurisdicional que geralmente possui características que lhes são mais favoráveis, se comparado com a tradicional jurisdição estatal.
A primeira vantagem seria a celeridade do procedimento arbitral em relação à morosidade que não raro ataca, e imobiliza, a jurisdição estatal. No contexto empresarial, no qual quase sempre as decisões gerenciais são tomadas em estreito lapso temporal, uma decisão rápida seduz muito mais do que uma decisão longínqua.
Outra característica que atrai as empresas a optarem pela via arbitral, e que nos interessa no momento, é o dever de confidencialidade que permeia todo o procedimento (antes, durante e após). Trata-se da obrigação imposta às partes e aos árbitros de não divulgar ou publicar dados e informações relativas àquela disputa.
Esse sigilo, analisado sob a lupa das relações comerciais, tem o inegável intuito de proteger as partes contra o uso indevido de informações por terceiros estranhos à relação. Inúmeros serão os casos em que as disputas terão como cerne informações privilegiadas sobre desenvolvimento de produtos, pesquisas realizadas, potenciais mercados, etc., informações e dados estes que certamente seriam utilizados por seus concorrentes se pudessem ter acesso.
Além disto, a confidencialidade existente no procedimento arbitral impede que a disputa havida entre as partes possa vir a repercutir negativamente no mercado financeiro (no caso de se tratarem de empresas de capital aberto). Fosse a disputa travada perante a jurisdição estatal, não haveria lugar para esta guarida, haja vista que o processo judicial é público, de acordo com o princípio da publicidade dos atos processuais, consagrado no artigo 5º, inciso LX, da Constituição Federal (clique aqui), salvo raras exceções previstas em lei. Imagine-se, por exemplo, o estrago ocasionado na imagem de uma companhia de capital aberto que, subitamente, se depara com a veiculação de uma determinada disputa envolvendo uma patente. A questão que em princípio era confidencial poderá agora reverberar negativamente, com a exposição de dados sigilosos daquela companhia.
Fica clara, portanto, a importância do sigilo tutelado pelo procedimento arbitral, principalmente se examinada a relevância da confidencialidade diante das influências perniciosas, no âmbito do mercado de capitais, da divulgação indevida de dados e informações relativos à disputa.
Embora as empresas que se submetem ao procedimento arbitral aceitem em princípio o dever de confidencialidade inerente a esta forma de resolução de conflitos, o que se nota, na prática, é a mudança de postura diante de uma sentença desfavorável. Não raro, quem perde no procedimento arbitral propõe a ação anulatória prevista no artigo 33 da Lei de Arbitragem (Lei nº. 9.307/96 - clique aqui). Muitas vezes a parte autora desta ação anulatória visa apenas à desconstituição da sentença arbitral que lhe trouxe prejuízo, valendo-se dos mais variados argumentos para atingir este objetivo. Uma das hipóteses previstas no artigo 32 da Lei de Arbitragem é a anulação da sentença que não decidiu todo o litígio submetido à arbitragem (artigo 32, inciso V, da Lei nº. 9.307/96). Por meio de um raciocínio engenhoso, advogados hábeis argüirão que determinado fato/prova/circunstância não foi analisado pelo órgão julgador, sendo que o exame dessas questões mostrava-se essencial para a resolução do litígio. Argumentar-se-á, então, que a sentença não cuidou de todo o litígio o que a macularia inexoravelmente a sentença e permitiria a sua anulação. Percebe-se, portanto, a utilização de um meio legítimo (a ação anulatória) para um fim inidôneo (rediscussão do mérito da sentença proferida).
Não se quer falar aqui que a ação anulatória seja sempre utilizada de maneira maliciosa pelas partes. Há casos, sim, em que a ação anulatória tem de ser acolhida pelo juiz, como forma de coibir abusos ou nulidades insanáveis havidas no procedimento arbitral. São os casos, por exemplo, de nulidade do compromisso arbitral (art. 32, inciso I, da Lei nº. 9.307/96), de existência de flagrante violação aos princípios do contraditório e da igualdade das partes (§ 2.º do artigo 21, da Lei de Arbitragem), ou ainda de sentença proferida sem os requisitos previstos no artigo 26 da Lei nº. 9.307/96 (relatório, fundamentos da decisão e parte dispositiva).
Importa ressaltar que a ação anulatória, ajuizada perante a justiça estatal, geralmente não é revestida com o beneplácito do segredo de justiça, o que acaba por tornar público os dados e informações antes sigilosos. E como visto, inúmeras são as conseqüências nocivas da publicidade dos dados e informações concernentes à disputa.
Assim, ante a possibilidade de repercussões negativas com a veiculação de dados confidenciais do procedimento arbitral e nos casos em que se vislumbrar claramente o propósito ilegal da ação anulatória ajuizada, deverão ser ponderadas algumas medidas que permitam a salvaguarda da parte vencedora quanto aos efeitos maléficos da publicidade das questões relativas ao procedimento arbitral.
A primeira medida seria o exame, de plano, pelo magistrado que recebe a ação de conferir-lhe o manto do segredo de justiça. Valorar-se-ia com esta precaução o direito de sigilo da parte vencedora. O exame, certamente, seria feito caso a caso, de modo a verificar se as condições envolvidas na controvérsia demandariam a concessão do segredo de justiça. Entretanto, o juiz deveria, preferencialmente, inclinar-se à concessão do segredo de justiça, de forma a evitar prejuízos irreversíveis com a publicidade dos dados na ação estatal.
A segunda proposta seria a elaboração de um sistema de multas para a parte que se vale ilegalmente da ação anulatória. Caso fique comprovado que o objetivo da ação era meramente procrastinatório, a parte perdedora arcaria com uma pesada sanção pecuniária, com o intuito de desestimular o inconformismo tinhoso e despropositado. Logicamente, esta avaliação deverá ser empreendida de forma cautelosa para que não seja violado o direito de ação consagrado na Constituição Federal.
São propostas que poderiam valorizar ainda mais a arbitragem como um procedimento seguro e de resultados confiáveis. Isto porque acarretariam o amadurecimento da postura das partes envolvidas, que acatam os resultados do procedimento arbitral, mesmo se negativos, e cumprem o seu dever de sigilo. A rejeição pela jurisdição estatal das ações anulatórias despropositadas, por seu turno, seria mais uma prova da seriedade de nosso país e do respeito às regras previamente estabelecidas pelas partes ao optarem pela arbitragem. Talvez essa maior credibilidade na arbitragem desenvolvida no Brasil pudesse auxiliar o país na obtenção do título de grau de investimento concedido por outras agências como "Moody's", "Fitch Atlantic", "SR" e "Austin". Todo este processo certamente concretizaria a confiança em nossos pilares institucionais. E, como se percebe com a recente obtenção pelo Brasil do título de grau de investimento, está em voga a busca pela confiança e amadurecimento de nossas instituições, fatores indispensáveis a toda economia que almeja desenvolver-se.
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*Advogado do escritório Araújo e Policastro Advogados.
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