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A sempre polêmica substituição Tributária do ICMS

A substituição tributária é um instituto criado e implementado pelas Unidades da Federação antes do advento da atual Constituição Federal, por intermédio de legislação infraconstitucional, ou seja, de Convênios e Protocolos celebrados entre os secretários de fazenda estaduais. Durante muito tempo, a sua constitucionalidade e legitimidade ficou submetida em juízo pelos contribuintes, sob a alegação de falta de previsão constitucional e de lei complementar para a sua implementação. Em face da eficiência desse instituto, uma vez que a sua aplicação fez diminuir a evasão fiscal e facilitou a fiscalização, a atual Constituição Federal, incorporou-o definitivamente e a Lei Complementar nº. 87/96(clique aqui) veio legitimá-lo.

28/4/2008


A sempre polêmica substituição Tributária do ICMS

Sandra Regina Alencar Guarita Bezerra*

A substituição tributária é um instituto criado e implementado pelas Unidades da Federação antes do advento da atual Constituição Federal, por intermédio de legislação infraconstitucional, ou seja, de Convênios e Protocolos celebrados entre os secretários de fazenda estaduais. Durante muito tempo, a sua constitucionalidade e legitimidade ficou submetida em juízo pelos contribuintes, sob a alegação de falta de previsão constitucional e de lei complementar para a sua implementação. Em face da eficiência desse instituto, uma vez que a sua aplicação fez diminuir a evasão fiscal e facilitou a fiscalização, a atual Constituição Federal, incorporou-o definitivamente e a Lei Complementar nº. 87/96 (clique aqui) veio legitimá-lo.

A implementação do regime de substituição tributária implica basicamente em cinco aspectos: maior controle por parte do Fisco, por auditoria fiscal, sobre o correto recolhimento do tributo que passa a ser feito sobre um número reduzido de contribuintes e não nos pontos-de-venda; pagamento do ICMS antecipado ao fabricante, ao importador ou na entrada do território do Estado; débito do ICMS sobre o valor do estoque com base de cálculo presumida no preço do varejo; aumento da carga tributária para empresas comerciais do Simples Nacional; e, forma definitiva de tributação para atacado e varejo, não admitindo crédito nem débito de ICMS nas operações subseqüentes, salvo raras exceções.

Introdução

Desde a sua regulamentação, no início dos anos 90, o regime da substituição tributária para frente tem sido objeto de discussões e críticas pelos contribuintes e tributaristas, na medida em que se tributam, antecipadamente, operações que irão se realizar num momento posterior e incerto.

A substituição tributária é aplicada pelos Estados como forma de tornar mais eficiente a cobrança de ICMS e a fiscalização em setores com muita concentração na etapa industrial, e que têm a venda a varejo extremamente diluída. Ela pode evitar a venda triangulada de um produto com o fim exclusivo de pagar menos ICMS.

Até junho do ano de 2007, estavam sujeitas ao regime da substituição tributária, de um modo geral, as seguintes mercadorias, podendo haver alguma diferença entre Estados da Federação: água, cerveja, chope, refrigerantes, cigarros e produtos derivados do fumo, cimento, combustíveis, lubrificantes e aditivos, pneumático, tintas, vernizes, e outras mercadorias da indústria química, filmes fotográfico e cinematográfico, sorvetes, veículos, veículos de duas rodas, discos fonográficos (CD) e fitas cassete.

No segundo semestre do ano passado, a Lei nº. 12.681/2007 (clique aqui) introduziu diversas alterações na Lei nº. 6.374/1989, entre as quais incluiu os incisos XXVI a XXXVII ao art. 8º desse diploma legal, que dispõem sobre a aplicação do regime de substituição tributária nas operações com bebidas alcoólicas, produtos da indústria alimentícia, ração animal, produtos de perfumaria, produtos de higiene pessoal, produtos de limpeza, produtos fonográficos, materiais de construção e congêneres, autopeças, pilhas e baterias, lâmpadas elétricas e papel.

É importante destacar que a implementação desse regime está sendo efetivada de maneira gradual, ou seja, da seguinte forma:

a) desde 1.2.2008, a substituição tributária está sendo aplicada para as operações com bebidas alcoólicas, exceto cerveja e chope, medicamentos e produtos de perfumaria e de higiene pessoal, na forma dos arts. 313-A a 313-H do Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto nº. 45.490/2000 (clique aqui), acrescentados ao Regulamento pelo Decreto nº. 52.364/2007 (clique aqui), com efeitos a partir de 1.1.2008, tendo sua vigência sido prorrogada para 1.2.2008, nos termos do art. 1º do Decreto nº. 52.587/2007 (clique aqui);

b) a partir de 1.4.2008, para as operações com ração animal, produtos de limpeza, produtos fonográficos, autopeças, pilhas e baterias, lâmpadas elétricas e operações com papel (arts. 313-I a 313-V, acrescentados ao Regulamento pelo Decreto nº. 52.804/2008 (clique aqui), com efeitos a partir de 1.4.2008);

c) a partir de 1.5.2008, para as operações com produtos alimentícios e materiais de construção e congêneres (Comunicado CAT nº. 13/2008).

A inclusão dos produtos mencionados nessa sistemática, o que não era de se estranhar, de início também gerou muita polêmica, visto que os setores atingidos alegavam que a margem de lucro presumida pelo Fisco para cálculo da antecipação do pagamento do ICMS era superior a efetivamente praticada pelo comerciante varejista.

O grande problema é que se tributa com base em margens de valor agregado fixadas pelos fiscos estaduais, na maior parte das vezes arbitrada unilateralmente e com percentuais muito acima da realidade do setor, o que abre a possibilidade de bater às portas do Judiciário, caso a negociação com a Fazenda não surta resultados.

Nesse sentido, alguns setores buscaram esses acertos e ingressaram com pesquisas perante empresas especializadas na apuração e demonstração do preço efetivamente praticado no mercado, ocasionando a publicação de alterações nesses índices para adaptá-los à realidade de cada setor.

Sabemos que muitos outros setores passarão a ser diretamente afetados pelas novas margens de lucros estipuladas, já que diversos convênios firmados no final do ano passado, já entraram em vigor no início deste ano.

No entanto, o setor que se sentir efetivamente prejudicado pela margem de lucro imposta pelo Governo deve, em primeiro lugar, tentar a negociação. Se não houver negociação, há a possibilidade de ajuizar uma ação na Justiça, por meio de uma associação do setor.

Se a margem considerada alta não for modificada, essa diferença passa a ser transferida para o consumidor final, com um aumento do preço do produto.

1. Setor de cosméticos

Exemplo disso é o setor de cosméticos em São Paulo, que conseguiu obter uma diminuição da margem de lucro estipulada por meio da negociação e do desenvolvimento de um estudo que comprovou que a margem utilizada pelo governo não estava condizente com o real.

Segundo o primeiro cálculo da Secretaria da Fazenda, a margem de lucro do setor variava de 61,21% a 165,55%. Com a negociação, a margem foi reduzida para 38% a 165, 55%.

Para a área de cosméticos, em que já entrou em vigor, o prazo para o recolhimento do imposto ocorre só depois de dois meses, para dar tempo de o empresário receber o valor da venda antes de pagar o tributo. O prazo estendido é para haja fluxo de caixa para as empresas arcarem com o custo inicial mais elevado.

2. Setor de Autopeças

O regime de substituição tributária em São Paulo, já em vigor para as montadoras e concessionárias, passou a abranger também o setor de autopeças desde 1º de abril. Com o novo sistema, a cobrança do ICMS, é feita diretamente ao fabricante ou ao atacadista e não mais aos lojistas.

Agora, para o cálculo do ICMS retido, foi elaborado um cálculo percentual para ser aplicado sobre o preço da fábrica. A operação considera a margem de valor agregado, que no caso das autopeças foi fixado em 40%. Por exemplo, se uma peça custava R$ 10 para o fabricante e chegava ao cliente final por R$ 14, é sobre esses R$ 4 que o novo ICMS será cobrado.

O novo sistema de tributação, que contempla apenas o setor de reposição, simplificará o processo de arrecadação de impostos, o que facilitará a fiscalização e reduzirá as possibilidades de sonegação.

Como o cálculo para o ICMS considerou a média da margem do valor agregado às peças, ainda é difícil saber se haverá conseqüências para os consumidores finais. Mas a tendência é de que os preços dos componentes que tinham margem maior do que 40% possam sofrer redução.

Importante atentar para os produtos que estarão sujeitos à substituição tributária, conforme relação taxativa constante no art. 313-O do RICMS-SP/00. Pode ocorrer que nem todas as mercadorias comercializadas pelo estabelecimento estejam sujeitas à substituição tributária.

3. Produtos alimentícios e materiais de construção e congêneres

Recentemente, por meio do Decreto nº. 52.921 de 18.4.2008 (clique aqui), publicado na imprensa oficial do dia 19.4.2008, foi introduzido ao Capítulo I do Título II do Livro II do RICMS-SP/2000, a Seção XXII, composta pelos artigos 313-W e 313-X, que regulamentam e dispõem sobre as operações com produtos da indústria alimentícia, tais como: chocolates, sucos e bebidas prontas, laticínios e matinais; snacks; molhos, temperos e condimentos; barras de cereais; alimento infantil em conserva e preparações para caldos e sopas em embalagens igual ou inferior a 1kg.

Esse mesmo Decreto também introduziu a Seção XXIII, composta pelos artigos 313-Y e 313-Z e trouxe a regulamentação para as operações com materiais de construção e congêneres e revoga o art. 56-A do regulamento paulista, que dispunha sobre a obrigatoriedade da aplicação da alíquota interna na operação que destinasse mercadorias a empresa de construção civil localizada em outra unidade da Federação.

O ato legal acima mencionado entra em vigor na data de sua publicação, mas produzirá efeitos somente a partir de 1° de maio de 2008.

4. Outras dificuldades

Não bastasse toda mudança, o empresário se depara com outro problema: o comerciante não entende que não terá mais de pagar o ICMS e que seu item subiu de preço porque já tem embutido o tributo que deixará de ser pago pelo lojista.

Em resumo, a mudança traz um impacto para a cadeia até o consumidor final.

A indústria passa a ser responsável pelo recolhimento antecipado dos impostos, ou seja, terá que ter capital em caixa para custear toda a carga tributária que agora recairá sobre ela. Deste modo, terá que disponibilizar mais recurso financeiro para cumprir suas obrigações. Os prazos médios ficarão descasados uma vez que a indústria certamente recolherá o tributo antes de receber.

Tendo em vista que a indústria tem um papel fundamental no fomento comercial, ela deverá rever seus critérios de concessão de prazos de pagamento aos seus clientes. Também seus métodos de pagamento de comissões aos representantes deverão ser revistos. Para aqueles que faturam diretamente aos seus clientes a tendência é que deverão certamente buscar o modelo de distribuidor próprio. Aqueles que operavam 100% na formalidade saíram prejudicados com os IVAs. Quem operava na informalidade terá que recolher antecipadamente e sentirá de forma expressiva a carga tributária. Não obstante isso, até que o mercado compreenda as medidas, os estabelecimentos industriais sentirão mudanças na performance de suas vendas (para o canal indireto especialmente).

Os clientes no geral terão, provavelmente, prazos mais enxutos e o crédito ficará mais limitado.

Para os atacadistas, as operações comerciais ficaram inviabilizadas com a diferença do IVA. A saída neste momento seria negociar com as indústrias e operacionalizar os sistemas.

Para o varejo, em especial para aqueles que operavam na informalidade, será necessário uma adaptação e reajustes de preços ao consumidor.

5. Fiscalizações de fronteiras

Um problema identificado pelo empresariado se refere à dificuldade de se fiscalizar as fronteiras do Estado. Isso porque o governo instituiu a exigência de se recolher o ICMS de substituição tributária para produtos trazidos de outros Estados para a venda em São Paulo.

O recolhimento também vale para a importação. No desembaraço aduaneiro, as companhias que trazem mercadorias de fora terão de pagar a tributação adicional como se a fabricação fosse feita no País. A idéia foi impedir a entrada de itens em condições desleais para a indústria paulista, o que geraria perda de competitividade no mercado interno.

No entanto, principalmente em relação aos outros Estados, exigir o recolhimento do tributo pode não ser tarefa fácil. São Paulo não tem barreiras fiscais, isso é um fato – mas é um problema de fiscalização, criando a necessidade de controle nas empresas.

Espera-se que todas as divergências sejam solucionadas o quanto antes e não reflitam no preço de venda ao consumidor final que de fato é quem paga pelo imposto que está embutido no preço dos produtos.

Deste modo, chamamos a atenção dos contribuintes dessas atividades para que acompanhem a legislação a respeito, pois até que todos os pontos divergentes sejam ajustados, considerando as particularidades de cada setor, provavelmente ainda haverá muitos questionamentos por parte dos interessados, bem como algumas alterações por parte do Estado.

6. Optantes pelo Simples nacional

Para aqueles que são optantes pelo Simples Nacional a situação também não é muito animadora.

O que a princípio parecia um pacote de facilidades e desoneração do fardo tributário, passou a ser uma preocupação para os micros e pequenos empresários.

Nos termos da Lei Complementar nº. 123/2006 (clique aqui), estão excluídas do regime do Simples Nacional, na parcela pertinente ao ICMS, dentre outras, as receitas decorrentes de operações com os produtos sujeitos ao regime de substituição tributária. Ou seja, esses produtos não entram no cálculo do Simples e a empresa seguirá as regras normais do recolhimento do regime da sujeição passiva de substituição.

Isso ocorre, justamente, porque tais operações são tributadas, antecipadamente, com a retenção e recolhimento do imposto realizado pelo substituto tributário até a etapa final, com base em margens de valor agregado e aplicação das alíquotas normais.

Deste modo, independente da empresa ser ou não optante do regime simplificado, todos que atuam diretamente ou indiretamente com os novos produtos sentirão os ditames da nova sistemática. Para alguns, essas alterações não foram por acaso e não passou de uma grande sacada do Governo, ao perceber a iminência adesão de um número maior de contribuintes ao Simples Nacional e à perda de arrecadação.

Vale lembrar que o Simples Nacional gera uma característica peculiar à empresa optante: não recebe e nem transfere crédito. Esse tipo de restrição legal discrimina as micro e pequenas empresas, impondo-lhes perda de capacidade de competição com empresas que não estão sujeitas a esse impedimento. Com a impossibilidade de creditarem impostos, essas empresas repassam o valor do ICMS aos consumidores finais e, conseqüentemente, esses empresários perdem mercado em razão do aumento do preço de seus produtos.

Até o momento, não há legislação expressa quanto à possibilidade de crédito em relação aos insumos utilizados no processo de industrialização de produtos sujeitos ao regime de substituição tributária, tampouco nenhum posicionamento do Fisco Federal e/ou Estadual para essa questão.

Desta maneira, a impossibilidade de creditamento permanece como condição às empresas que desejam continuar no Regime Simplificado. Isso contribui com o aumento da onerosidade às pequenas empresas de forma regressiva, pois quanto menor for a empresa, maior será a sua tributação, posto que não poderá se creditar.

Contudo, ainda resta uma esperança, pois, recentemente, a Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio aprovou o Projeto de Lei Complementar 111/07, do deputado Geraldo Thadeu (PPS-MG), que permite que as micro e pequenas empresas optantes pelo Simples Nacional (Supersimples) transfiram créditos relativos ao ICMS e ao IPI para empresas da mesma cadeia produtiva. A proposta altera o Estatuto Nacional da Microempresa (Lei Complementar 123/06). O projeto ainda está pendente de votação pelas comissões de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). Depois, seguirá para o Plenário. Vamos esperar!

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Referências Bibliográficas

BEZERRA, Sandra Regina Alencar, MARIANO, Paulo Antônio, WERNECK Raphael – Substituição Tributária no ICMS – Aspectos jurídicos e práticos - 1. edição. São Paulo: IOB, 2007
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*Advogada do escritório Duarte e Tonetti Advogados Associados em São Paulo, Pós-graduada em Direito Tributário pelo IBET- São Paulo e Co-Autora do livro Substituição Tributária no ICMS - Aspectos jurídicos e práticos



 

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