A Evolução da marca notoriamente conhecida
Mauro J. G. Arruda*
I. - O Histórico
2. Os fatos que antecederam a promulgação da Lei 9.279, em 14 de maio de 1996 (Lei da Propriedade Industrial - clique aqui) revelavam uma grande preocupação com a inserção do Brasil na comunidade internacional, no que concerne à proteção aos direitos de propriedade industrial. No início da década de 90, durante o Governo do Presidente Collor, ocorreu um fato relevante que trouxe à baila essa questão e deixou à mostra quão precária era a proteção que o nosso país concedia aos direitos de propriedade industrial de empresas estrangeiras. Naquela ocasião, determinada empresa sediada no exterior teve frustrado o seu plano de investimento no Brasil, em razão de embate com empresa nacional que tentava apropriar-se de sua marca. Mesmo que se evidenciasse o conhecimento notório de determinada marca nessas condições, não se reconhecia administrativamente os direitos de uso exclusivo dessa marca no Brasil, quando em conflito com marca brasileira, se não estivesse aqui registrada.
3. Em seu conceito, a marca notoriamente conhecida difere da marca notória ou de alto renome: marca notoriamente conhecida é aquela que concentra um alto poder de conhecimento pelo consumidor, porém restrito ao seu ramo de atividade; a marca notória ou de alto renome, por sua vez, é a que detém um alto grau de conhecimento pela população em geral, independentemente da atividade comercial ou industrial em que atua.
4. A Convenção da União de Paris ("Convenção de Paris"), tratado internacional instituído em 1883, que dispõe sobre a proteção dos direitos de Propriedade Industrial em seu artigo 6bis, reconhece à proteção as marcas notoriamente conhecidas e prevê os procedimentos que devem adotar os países contratantes para assegurar a proteção a essas marcas.
II. - O entendimento anterior
5. Não obstante o Brasil seja um dos primeiros signatários da Convenção de Paris, havia uma discrepância de entendimentos entre a legislação brasileira, o antigo Código da Propriedade Industrial e esse Tratado Internacional. Embora já estivesse em vigor na maioria dos demais países contratantes a Revisão de Estocolmo, de 14 de julho de 1967, vigia ainda no Brasil a Revisão de Haia, realizada em 6 de novembro de 1925, que não contemplava a proteção às marcas notoriamente conhecidas de empresas estrangeiras que não estivesse registradas no Brasil. Isso porque o sistema de proteção de propriedade industrial existente no Brasil é o atributivo da propriedade, através do qual só o registro da marca, devidamente concedido no Brasil, pelo Instituto Nacional da propriedade Industrial – INPI, atribui o direito de uso exclusivo da respectiva marca no Brasil.
6. Como conseqüência dessa dicotomia de entendimento, algumas marcas de empresas estrangeiras, embora fossem consideradas notoriamente conhecidas não só no seu país de origem como nos demais, inclusive no Brasil, não tinham essa proteção reconhecida pelo INPI se aqui não estivessem devidamente registradas. Ficavam, portanto, a mercê de concorrentes desleais que se aproveitavam dessa circunstância para delas se apoderarem em benefício próprio.
7. Esse fato estimulou a pirataria de marcas e a única alternativa que tinham as empresas que se sentiam prejudicadas era recorrer aos tribunais brasileiros, reivindicando a proteção aos seus direitos, mediante a aplicação do artigo 6 bis da Convenção de Paris, que, todavia, ainda não tinham essa questão pacificada. Em alguns casos, quando ocorria coincidência entre a marca e a parte principal do nome comercial da empresa, a argumentação legal era reforçada com base no artigo 8º da Convenção de Paris. Tal dispositivo confere ampla proteção ao nome das empresas, em todos os países contratantes, independentemente de qualquer registro ou formalidade.
III. - A Evolução
9. Foi em razão da pressão da comunidade internacional que o Brasil sofria naquela época, bem como da necessidade de se inserir o País nessa comunidade que surgiu uma nova mentalidade. Evidenciou-se a necessidade de se ter uma nova lei de propriedade industrial moderna, que fosse compatível com os princípios da Convenção de Paris. Enquanto se debatia o texto dessa nova lei no Congresso Nacional, em 10 de outubro de 1994, através do Decreto nº 1.263, o Brasil decidiu ratificar, em definitivo, o texto da Revisão de Estocolmo da Convenção de Paris, que passou, a partir daquela data, a ser adotada como norma de direito interno em nosso país. A partir daí essa questão evoluiu até chegarmos ao texto final e a promulgação da atual Lei da Propriedade Industrial, Lei 9.279, em 14 de maio de 1996. A matéria pertinente à proteção da marca notoriamente conhecida foi enfim regulamentada através do seu artigo 126 que assim dispõe:
"Art. 126. A marca notoriamente conhecida em seu ramo de atividades nos termos do art. 6 bis (I) da Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial, goza de proteção especial, independentemente de estar previamente depositada ou registrada no Brasil.
§ 1º - A proteção de que trata este artigo aplica-se também às marcas de serviço.
§ 2º - O INPI poderá indeferir de ofício pedido de registro de marca que reproduza ou imite, no todo ou em parte, marca notoriamente conhecida."
10. Não obstante permaneça vigente no Brasil o Sistema Atributivo da Propriedade, mediante o qual só o registro da marca concedida no Brasil lhe atribui o direito de uso exclusivo, criou-se uma exceção em relação à proteção da marca notoriamente conhecida que não necessita dessa formalidade.
IV. - Conclusão
11. Atualmente, essa proteção especial é reconhecida tanto na esfera administrativa pelo INPI, como pelos tribunais brasileiros já estando pacificada na nossa jurisprudência. A abertura política e o desenvolvimento econômico que o País atravessa no momento é alvo do interesse de vários grupos estrangeiros que aqui pretendem investir. A implantação de uma legislação moderna, reconhecendo e dando origem à conscientização e a necessidade do respeito aos direitos alheios, certamente constituem um dos elementos essenciais à criação de uma grande nação e à sua inserção na comunidade internacional.
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*Advogado especializado em Propriedade Intelectual. Sócio do escritório Gonçalves, Arruda, Brasil & Serra - Sociedade de Advogados
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