Oxigênio da Justiça
Alberto Zacharias Toron*
Acredita-se que o direito é aplicado estritamente de acordo com preceitos de natureza técnica previamente definidos. Nessa linha, a grande crítica que se faz ao julgamento pelo tribunal popular é a de que, fora dos padrões técnicos, não se faz justiça. Nada mais enganoso.
Para tomarmos um exemplo, a jurisprudência, com incomum reiteração, tem assinalado que o depoimento de policiais é plenamente válido e indigno de suspeitas apriorísticas. Mais do que isso, prestigiando confissões obtidas na polícia, há vozes que insistem em afirmar que estas são válidas não pelo lugar em que são feitas, mas pela força do seu convencimento em termos de verossimilhança.
No entanto, após o caso Bodega, no qual se viu, para dizer o menos, que em nome de resultados criaram-se confissões, ou mesmo após Diadema, quando, pela enésima vez, constatou-se que a Polícia Militar age com violência, o questionamento da validade da confissão produzida na polícia perante o homem comum, que leva em consideração a experiência do cotidiano, ganha mais sustentação.
Assim, trabalhando com dados não necessariamente técnicos, pode-se chegar a um bom julgamento perante o júri, mais suscetível à realidade do que os juízes togados, que sempre estarão a exigir a dificílima prova da tortura.
Por outro lado, há uma trama interpretativa em torno das provas, de tal modo que, de acordo com a capacidade de oratória (argumentativa) de promotores e advogados, a aquiescência dos juízes populares é obtida por meio da mobilização de seu imaginário, provocando a sua adesão fora de uma lógica preestabelecida e, não raro, por razões emocionais. Critica-se o júri por isso e porque o bom acusador pode "massacrar" o réu pobre defendido por profissional despreparado.
Esquece-se, porém, que nos processos desenvolvidos sem a oralidade dos profissionais o mesmo pode ocorrer - isto é, aquele mais bem preparado consegue reunir mais provas, apresenta mais e melhores argumentos e, enfim, projeta com mais força a sua pretensão.
Na mesma linha de raciocínio, o juiz de direito, embora se veja compelido a decidir segundo as leis, além das influências ideológicas a que todos estamos sujeitos, pode sofrer com pressões, o que nunca acontece com os jurados, que somente são sorteados na hora do julgamento e permanecem incomunicáveis durante a sua realização.
Afora tudo, o direito comumente apresenta questões cuja resolução encontra eco não na dogmática, mas na cultura de uma época. Ora, é precisamente aí que o povo, no conselho de sentença, oxigena o Poder Judiciário, ao prestigiar teses inovadoras como a inexigibilidade de conduta diversa (pense-se no aborto) ou mesmo para dar novos contornos à legítima defesa, banindo a tese da legítima defesa da honra nos casos dos assim chamados homicídios passionais.
Ninguém ignora que o júri popular tenha falhas, mas, com todos os seus defeitos, é uma instituição que não encontrou ainda outra que a pudesse substituir com vantagem. Isso para não falar na Justiça americana, que emprega o júri de forma muito mais ampla. Ao que consta, esse modelo tem se revelado mais eficaz que o nosso.
Para oxigenar a Justiça, não há forma mais segura do que a participação popular, que também no Brasil deve ser ampliada, como, de resto, prevê a própria Constituição (clique aqui) quando trata da criação dos juizados especiais para julgar delitos de menor potencial ofensivo.
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Publicado em 31.5.97 na Jornal Folha de S.Paulo
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*Advogado do <_st13a_personname w:st="on" productid="em São Paulo">escritório Toron, Torihara e Szafir Advogados
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