Agora, nem com uma flor!
Maria Berenice Dias*
Todos sonham com a felicidade, mas a mulher deposita seu sonho no casamento. Uma casa para cuidar, filhos para criar e um marido para amar. Não há casamento em que as casadoiras não suspirem pelo buquê da noiva.
Ao depois, venderam para a mulher a idéia de que é frágil e necessita de proteção. Foi delegado ao homem o papel de protetor, de provedor. Daí à dominação, da superioridade à agressão, é um passo. Essas posturas acabam sendo chanceladas pelo Estado, que sempre estanca na porta da casa, sacrário inviolável que não é invadido sequer para fazer cessar a violência, precisando da chancela da agredida.
Soma-se a tudo isso o desserviço da Lei dos Juizados Especiais, que condicionou o delito de lesão corporal à representação da vítima. Olvidou-se o legislador de que esse é o crime que mais freqüentemente ocorre no âmbito familiar, e a hierarquização que existe em seu âmago torna quase intransponível a dificuldade de quem tem a auto-estima aniquilada e um exacerbado sentimento de menos-valia.
As mulheres sempre contaram apenas com as feministas, que, no entanto, são alvo do repúdio e do escárnio de todos. Ainda assim, o movimento de mulheres não cansa de denunciar os índices da violência na tentativa de sensibilizar a sociedade. Saudável a estratégia das parlamentares femininas, que, em face de seu pequeno número, encontraram uma forma de serem ouvidas: uniram-se acima do colorido partidário e passaram a empreender articulações em conjunto.
A Lei nº 10.886, de 17/6/2004, que cria o tipo especial “Violência Doméstica”, chega em boa hora, deixando clara a rejeição às ações criminosas perpetradas no reduto do lar, prevalecendo-se o agressor de sua ascendência sobre a vítima. São previstas penas maiores às lesões corporais praticadas contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro.
Lastimavelmente continua o delito a depender de representação. Ainda é possível que a pena seja substituída por uma cesta básica. Mas, ao menos, ficam todos sabendo que o Estado não aceita, a Lei penaliza e a sociedade reprova a agressão contra quem se deveria amar. Afinal, “Em mulher não se bate nem com uma flor”.
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*Desembargadora do Tribunal de Justiça do RS
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