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As incorporações e o compromisso de venda de imóveis a construir ou em construção: não-incidência do ISS

13/3/2008


As incorporações e o compromisso de venda de imóveis a construir ou em construção: não-incidência do ISS

Robson Sitorski Lins*

Com o aquecimento do mercado imobiliário e a conseqüente proliferação das incorporadoras e construtoras, diversos Municípios têm aproveitado o momento para ampliar a arrecadação. O problema surge quando a Administração Municipal extrapola os limites constitucionais ao poder de tributar e passa a exigir dos contribuintes recolhimentos infundados, sem o devido respaldo legal.

O presente estudo analisa a impossibilidade da tributação pelo ISS sobre a atividade das empresas incorporadoras que constroem em terreno próprio para venda posterior. O tema já foi abordado pelos tribunais superiores, recebendo tratamento, ao nosso ver, incauto e desarrazoado.

O entendimento que tem ganhado força nos tribunais superiores sustenta a bipartição do contrato realizado entre as incorporadoras e seus clientes. Sob este prisma, o compromisso de compra e venda de imóveis ainda não construídos ou em construção traria em seu bojo dois contratos: o de compra e venda, naturalmente, e o de empreitada1. Logo, em razão deste último, ocorreria a hipótese de incidência da norma tributária prevista no item 7.02 da lista anexa à Lei Complementar n°. 116/2003 (clique aqui), que disciplina o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza.

Entretanto, tal concepção é de toda incorreta, pois ao analisar a situação, o intérprete subverte conceitos do direito privado, partindo de premissas falsas, resultando por conseqüência em conclusão inválida. Expliquemos.

O art. 110 do CTN (clique aqui) é claro ao veicular que a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, (...) para definir ou limitar competências tributárias. Mister a análise pormenorizada do conceito privado de 'obrigação de dar' e a presente situação.

No caso em comento, as partes comprometem-se a realizar futuramente o negócio jurídico de compra e venda descrito no pré-contrato (compromisso de compra e venda de imóvel). Esta avença firmada pela compromissária-vendedora e pelo compromissário-comprador configura-se, inevitavelmente, como obrigação de dar coisa certa, disciplinada pelo Código Civil (clique aqui) nos artigos <_st13a_metricconverter productid="233 a" w:st="on">233 a 242.

Em seus comentários ao Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, Clóvis Beviláqua (Ed. Rio, vol. IV, p. 9) conceitua a obrigação de dar como sendo "aquela cuja prestação consiste na entrega de uma coisa móvel ou imóvel, para a constituição de um direito real (venda, doação, etc.), a concessão de uso (empréstimo, locação) ou a restituição ao dono."

Por certo, a distinção entre as obrigações de dar e de fazer não é tarefa das mais simples. Muitos são os doutrinadores que incorrem em erro ao tentar definir a tênue linha que as separa2. Ainda, há quem diga que em alguns contratos haveria tanto a prestação de dar como a de fazer3. Segundo tais autores, a compra e venda seria um exemplo. O vendedor contrai a obrigação de entregar a coisa (dar), bem como responder pela evicção e vícios redibitórios (fazer). Para diferençá-las, Carvalho de Mendonça4 ensina que "na prática, o recurso é considerar o caráter dominante para determinar a classificação."

O pensamento dos que dividem o compromisso de compra de imóveis em construção ou por construir em duas prestações sob o ponto de vista lógico não é de todo infundado, mas juridicamente é incabível. Aires Barreto5 explica que o "alvo de tributação é o esforço humano prestado a terceiros como fim ou objeto. Não as suas etapas, passos ou tarefas intermediárias, necessárias à obtenção do fim. Não a ação desenvolvida como requisito ou condição do facere (fato jurídico posto no núcleo da hipótese de incidência do tributo). As etapas, passos, processos, tarefas, obras, são feitas, promovidas, realizadas 'para' o próprio prestador e não 'para terceiros', ainda que estes os aproveitem (já que, aproveitando-se do resultado final, beneficiam-se das condições que o tornaram possível)." E continua: "somente podem ser tomadas, para sujeição ao ISS, as atividades entendidas como fim, correspondentes à prestação de um serviço integralmente considerado. No caso específico do ISS, podem decompor um serviço – porque previsto, em sua integralidade, no respectivo item específico da lista da lei municipal – nas várias ações-meios que o integram, para pretender tributá-las separadamente, isoladamente, como se cada uma delas correspondesse a um serviço autônomo, independente. Isso seria uma aberração jurídica, além de constituir-se em desconsideração à hipótese de incidência desse imposto." (grifado)

Pedimos vênia pela repetição, mas voltando ao nosso estudo de caso, temos a compromissária-vendedora que se vincula a entregar (dar) em prazo determinado um imóvel com características devidamente discriminadas (coisa certa).

O objeto do contrato é justamente o de entregar um dado bem (apartamento) em momento futuro, mediante o pagamento do preço ajustado. Inegável o caráter dominante da obrigação de dar e não de fazer na situação <_st13a_personname productid="em tela. A" w:st="on">em tela. A empresa incorporadora e construtora adquire o terreno e edifica sobre ele unidades autônomas em seu nome e por sua conta e risco. Impossível se pensar em prestação de serviço a si próprio.

Ademais, o sistema de direito privado adotado em nosso ordenamento traz a tradição como fator distintivo nas obrigações de dar. É pela tradição que se considera transferida a propriedade da coisa. Ora, o art. 237 do diploma civil vigente repete o disposto no art. 868 do Código de Clóvis e estabelece que até a tradição, pertence ao devedor a coisa.

De suma importância para a elucidação da controvérsia é estabelecer o momento da execução da obrigação, o momento de seu termo, em que a parte devedora se libera do vínculo obrigacional pelo cumprimento e a parte credora não mais tem o direito de exigi-lo. Este instante é que deve ser considerado para a caracterização da obrigação firmada. Nenhum outro. Antes dela, o compromissário-comprador não tem qualquer direito real sobre a coisa, mas apenas um direito pessoal de exigir o cumprimento do contrato. Destarte, a compromissária-vendedora é beneficiária e responsável pelos frutos e prejuízos que eventualmente ocorram até a tradição, ou o ato fictício que o represente.

Não se olvide que a construção é feita em nome da incorporadora e em seu nome será concedido o "habite-se" pela autoridade municipal. Igualmente em seu nome será registrado o bem no Cartório de Imóveis. Perceba que, conforme exaustivamente demonstrado linhas acima, a condição de proprietário não se altera pelo fato de haver promessa de venda durante a construção do imóvel.

Fica patente, portanto, que o ato de incorporação e construção em sua propriedade não acarreta à compromitente-vendedora o nascimento do fato jurídico tributário descrito no antecedente da norma do ISS.

Isto ocorre porque conforme explicitado no art. 1° da LC n°. 116/03, o ISS tem como fato gerador a prestação de serviço constante na lista trazida no anexo da Lei, a qual é taxativa. A prestação de serviço não descrito na lista da legislação complementar não se submete à tributação! Ademais, o fato eleito pelo legislador como apto para que incida a norma tributária mostra-se um evidente fazer. Qualquer outra interpretação levaria ao alargamento da hipótese de incidência prevista para a imposição do tributo, cominando-lhe a pecha da inconstitucionalidade.

Dessa maneira, após análise detida e comprometida com os princípios constitucionais que regem a tributação, mostra-se inexorável a conclusão pela não-incidência do ISS sobre o compromisso de compra e venda de imóvel em construção ou a construir, firmado entre incorporadoras e seus clientes, seja porque

i) o serviço de incorporação não consta na lista taxativa anexa à Lei Complementar n°. 116/2003 e, portanto, a cobrança não encontra respaldo legal;

ii) a na incorporação, a construtora constrói para si e em nome próprio, deixando de configurar a empreitada;

iii) é impossível e antijurídica a bipartição do contrato típico de compromisso de venda futura para fins de tributação.

____________________

1 (Resp 57.478/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 15.5.1995)

2 Entre eles, Washington de Barros Monteiro (1979, v. 4:87).

3 Sílvio de Salvo Venosa (2003, v. 2:101).

4 Doutrina e Prática das Obrigações, v. 1, n°. 61.

5 “ISS – Atividade-meio e Serviço-fim”, Revista Dialética de Direito Tributário, vol. 5, p. 83

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*Advogado do escritório Newley, Romanowski, Araújo & Guerra Advogados Associados

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