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Idas e vindas na área jurídica das comunicações

A Imunidade Tributária sobre os veículos da mídia impressa. É até de certo modo paradoxal que o Brasil, ao que se sabe, o único País do mundo a consagrar, no texto constitucional, o princípio da imunidade tributária para os veículos da mídia impressa, incluindo o papel destinado à sua impressão, fato de inegável significância para a difusão da cultura e da informação, mantenha também por longo tempo, na mesma norma, princípio restritivo à livre capitalização das empresas jornalísticas - referindo-se aqui às editoras - e às empresas de radiodifusão, o que representa fator limitativo à expansão da atividade cultural e de informação no país.

26/2/2008


Idas e vindas na área jurídica das comunicações

Lourival J. Santos*

Sumário: 1. Ações antitéticas em defesa da difusão da cultura e da comunicação. 1.1 A Imunidade Tributária sobre os veículos da mídia impressa. 1.2. Restrições constitucionais à capitalização das empresas de comunicação. Repercussões negativas provocadas. 2. O avanço tecnológico e seus reflexos na comunicação. Necessidade da quebra de paradigmas. 3. Emenda Constitucional n° 36. 4. Cenário atual. 5. Considerações finais.

1. Ações antitéticas em defesa da difusão da cultura e da comunicação no País.

1.1 A Imunidade Tributária sobre os veículos da mídia impressa.

É até de certo modo paradoxal que o Brasil, ao que se sabe, o único País do mundo a consagrar, no texto constitucional, o princípio da imunidade tributária para os veículos da mídia impressa, incluindo o papel destinado à sua impressão1, fato de inegável significância para a difusão da cultura e da informação, mantenha também por longo tempo, na mesma norma, princípio restritivo à livre capitalização das empresas jornalísticas - referindo-se aqui às editoras - e às empresas de radiodifusão, o que representa fator limitativo à expansão da atividade cultural e de informação no país2.

De um lado, portanto, o favorecimento à maior disseminação da cultura e da informação pelo barateamento dos custos de produção e circulação dos bens de natureza editorial, beneficiados pela não incidência tributária consagrada na Constituição e, de outro, em linha reversa, as barreiras criadas pela própria Carta à obtenção, pelas empresas de comunicação, de recursos financeiros vitais à manutenção e expansão de suas atividades.

Coincidência ou não, tanto o ponto positivo representado pelo benefício tributário, quanto à questão negativa alusiva à restrição ao livre aporte de capital nas referidas empresas de comunicação, nasceram de discursos com inflexões semelhantes, tendo, ambos, como tema central, a proteção da cultura nacional.

Para a melhor clareza do assunto deve o pesquisador conduzir-se pela linha da história, que o levará, no caso da imunidade tributária pela supressão da competência impositiva para tributar3, à constituinte de 1946, na qual o então deputado federal, o notável escritor Jorge Amado, que sempre manteve o interesse cultural como ponto fundamental da sua argumentação política, foi o responsável pela inclusão na Carta Magna de então da imunidade tributária sobre o livro, a revista, o jornal e outros periódicos, bem como sobre o papel destinado à impressão4.

O benefício trazido pela franquia tributária à mídia impressa, refletido no barateamento do preço das publicações específicas e, por conseqüência, na maior possibilidade de acesso por público mais numeroso, foi mantido, até os dias de hoje nos sucessivos textos constitucionais e representa fator de inegável engrandecimento político por projetar o Brasil, neste mister, como um país preocupado em beneficiar, amparar e estimular a disseminação da cultura e das idéias, pela eliminação do ônus fiscal.

O jurista Aliomar Baleeiro, ao comentar a referida previsão constitucional de 46, observou que o legislador, na oportunidade: "optou pelos valores espirituais que, ao mesmo tempo, coincidiam com a necessidade de preservar-se a liberdade de crítica e de debate partidário através da imprensa"5.

Não poderá haver dúvida de que o incentivo à liberdade de expressão do pensamento seja condição essencial à real consolidação dos valores democráticos, pois, sem a livre troca de experiências, idéias e informações, ficam obliterados os canais naturais do crescimento cultural da sociedade, em evidente prejuízo do aperfeiçoamento das normas de convivência social e da efetiva e necessária participação política individual na vontade geral do estado.

Afinal o homem culto, como bem disse o filósofo e grande jurista Miguel Reale, é "aquele que se mostra aberto a todas as palpitações da vida"6. Tal dimensão, contudo, somente será alcançada se houver liberdade de transmissão do pensamento e franco e irrestrito intercâmbio das idéias e informações, que são os instrumentos fundamentais do progresso cultural.

Daí a importância inconteste dessa providencial franquia tributária, como era chamada pelo citado ilustre Aliomar Baleeiro, segundo o qual, o imposto: "pode ser meio eficiente de suprimir ou embaraçar a liberdade da manifestação do pensamento, a crítica (...) enfim de direitos indispensáveis à pureza do regime democrático"7.

1.2. Restrições constitucionais à capitalização das empresas de comunicação. Repercussões negativas provocadas à própria atividade.

Se a imunidade fiscal, fator claramente benéfico ao desenvolvimento e expansão do setor editorial e, por conseguinte, da difusão da cultura, teve como grande idealizador, como foi dito, um dos mais celebrados escritores do país, a limitação à livre capitalização societária, que ainda hoje engessa as empresas jornalísticas e de radiodifusão por obstaculizar o crescimento dessa atividade midiática, contou com um dos grandes e aclamados vultos da história política do Brasil, o estadista Getúlio Vargas, como protagonista principal da sua introdução no sistema legal interno.

No governo Vargas foi promulgada, sob forte clima nacionalista8, a Carta Constitucional de 1.934 (clique aqui), que continha no texto a restrição à liberdade de capitalização das empresas editoriais ou noticiosas: "vedada a propriedade de empresas jornalísticas, políticas ou noticiosas a sociedades anônimas por ações ao portador e a estrangeiros".

O eminente professor Afonso Arinos destaca, em sua obra "Teoria da Constituição – As Constituições Brasileiras", alguns dispositivos que bem exemplificam o forte caráter nacionalista daquele momento: "A promulgação da Constituição deu-se em julho de 1934. O seu conteúdo reflete o que os autores da época chamavam o sentido social do direito, expressão mais ampla do que o nome Direito do Trabalho, porque abrange interesses e relações situados em círculo mais largo do que a legislação trabalhista. Aparecem, também, dispositivos de caráter nacionalista, tais como a nacionalização das minas e das fontes de energia elétrica, ou o monopólio, para os nacionais de certas atividades"9.

Na verdade, o governo na ocasião esboçava o golpe político que seria deflagrado em 1937, cognominado de Estado Novo e esse clima de nacionalismo exacerbado foi o cenário ideal para a introdução da aludida restrição constitucional à área de comunicação, sob a justificativa de se estar criando mecanismos de proteção aos valores sociais contra eventual ingerência alienígena que era tida, segundo o senso político dominante na época, como nociva à cultura e aos interesses nacionais.

Abstraindo os motivos políticos pelos quais as restrições à comunicação foram insertas no texto constitucional de 34, será sempre válido refletir a respeito das suas conseqüências negativas, num primeiro momento sobre as atividades editoriais impressas e radiofônicas e, posteriormente, após o advento da televisão, também às operações audiovisuais.

Para evitar a participação estrangeira nas empresas de comunicação a capitalização destas passou a ser permitida, e isto perdurou até e na constância da Constituição de 196710 (clique aqui), apenas a brasileiros natos e a pessoas jurídicas nacionais em até 30% do capital não votante.

A Emenda Constitucional nº 1, de 196911 (clique aqui), manteve, na íntegra, o texto de 67 e somente a Carta de 8811.1 (clique aqui) abriu a possibilidade da participação societária também a brasileiros naturalizados há mais de dez anos. Isto teve pouco significado e nada aliviou a situação, pois, em verdade, o que se esperava era que fossem afastadas as barreiras à participação das pessoas jurídicas constituídas por nacionais no capital social daquelas empresas e minorados os entraves ao capital externo.

A realidade é que tais restrições constitucionais sempre afetaram negativamente as empresas jornalísticas e de radiodifusão, freando a sua capacidade de expansão regular, pelo fechamento de canal importante à obtenção de recursos financeiros, vitais ao desenvolvimento e modernização, diminuindo o grau de competitividade e discriminando-as, em nome de uma pretensa defesa à segurança e soberania nacionais, sentimentos certamente herdados do Estado Novo, em relação a qualquer outra atividade desenvolvida no País.

Não se poderia sinceramente esperar que pessoas jurídicas nacionais investissem em sociedades nas quais sequer exercessem o direito do voto, tampouco que pessoas físicas, ordinariamente, tivessem capacidade financeira para fazer os aportes na proporção exigida pela demanda tecnológica crescente.

A prova disso é que são hoje tão raros os grupos fortes de comunicação no Brasil, concentrados, normalmente, nas mãos de poucos empresários que, por conta da capacidade financeira para a diversificação de atividades, podem manter com qualidade e em escala razoável esse ramo, malgrado todas as limitações apontadas.

2. O avanço tecnológico e seus reflexos na comunicação. Necessidade da quebra de paradigmas.

Dispiciendo afirmar que de Vargas para cá o mundo passou por sensíveis transformações em todos os aspectos, principalmente no campo do necessário intercâmbio cultural entre as nações, razão que, por si, é suficiente para fragilizar qualquer eventual discurso em defesa do isolamento do país, ou da necessidade da criação de barreiras ou reservas de mercado, para proteger a soberania nacional ou os valores culturais da nação.

Nos últimos decênios a tecnologia disparou em avanço extraordinário, colocando à disposição das sociedades um arsenal multifacetário de recursos, principalmente no terreno da comunicação, com sinais transmissíveis pelos mais variados suportes, como as fibras óticas, cabos, antenas, microondas, satélites e outros tantos e sofisticados meios agregados ao cotidiano do homem moderno, de tal sorte a viabilizar a sintonia deste com os mais remotos recantos do planeta12.

As sociedades, principalmente sob regime de liberdade política, vêm se agrupando em blocos concisos, com objetivos voltados para os interesses comuns, ao tempo em que as vidas públicas sofrem os reflexos desse intercâmbio nos campos social, político e cultural, para os quais qualquer isolamento poderá ser letal às perspectivas de desenvolvimento, muitas vezes embaladas por convenientes parcerias externas ou participações úteis e oportunas em acordos internacionais.12.1

A imprensa mundial, e serão bons exemplos disso as rodadas mexicanas de Chapultepec13 em 1997 e a realizada em 2006 na cidade do México14, patrocinadas pela SIP (Sociedad Interamericana de Prensa), aponta, cada vez mais, na direção da comunicação sem barreiras, independente de limites territoriais, como condição fundamental para que os povos resolvam seus conflitos e protejam sua liberdade, sempre dentro do contexto da cooperação eqüitativa entre as Nações.

A Internet possibilitou quebras de paradigmas jamais imaginadas, criando o comércio eletrônico, no qual os fatores tempo e distância são praticamente desprezados e as operações de sincronização instantânea substituíram, definitivamente e com grande êxito, as operações seqüenciais.15

Abriu-se, assim, ampla expectativa para a rediscussão de princípios legais até então cristalizados no sistema jurídico e um exemplo claro disso são as pactuações à distância, pois além dos recursos eletrônicos tornarem virtualmente presentes as pessoas, independentemente do espaço físico que as separe, também eliminaram, como foi dito, o lapso temporal entre uma proposta, sua discussão e a efetiva aceitação, possibilitando, de quebra, a assinatura digital imediata.

Vem à mente a célebre manifestação do grande civilista Orlando Gomes, no seu clássico "Contratos", quando escreveu que: "Os progressos da técnica dos meios de comunicação permitiram que pessoas separadas por longa distância celebrem contrato como se estivessem frente a frente. Foi necessário recorrer a uma ficção para dar como presentes pessoas que realmente são ausentes. Assim, considera-se presente quem contrata por telefone ou telex".16

Que diria o saudoso jurista baiano diante dos recursos atuais fornecidos pelo ambiente cibernético?

São essas, portanto, razões mais que determinantes para que as antigas crenças xenofóbicas e os receios feéricos das invasões estrangeiras em prejuízo da soberania nacional cedam lugar aos procedimentos mais consentâneos com o momento de integração e de interação universal, e de que haja maior e mais realística reflexão sobre os conceitos de liberdade e de soberania.

Até porque, como escreveu o já citado jurista Miguel Reale: "graças aos novos paradigmas a soberania deverá ser entendida como o poder de preservar e desenvolver os interesses próprios de cada País; cooperando eqüitativamente com os demais em razão do bem comum das nações; e a liberdade como condição primordial assegurada a todos os homens para participarem, na medida individual e social possíveis, dos benefícios propiciados pelo desenvolvimento cultural".17

3. A Emenda Constitucional n° 36

Apesar de todo esse cenário de mudanças, a Constituição Brasileira sobre o tema comunicação permaneceu inerte por quase 70 anos, tendo sido alterada somente em 2002, no seu artigo 222, pela Emenda Constitucional n° 3618 (clique aqui), por força da qual foi admitida a capitalização das empresas jornalísticas e de radiodifusão por pessoas jurídicas nacionais, com ações exclusivamente nominativas, sem limitação quanto ao percentual de participação e por estrangeiros até o limite de 30% do capital votante.

A lei ordinária 10.610/0219 (clique aqui), reguladora do preceito constitucional em comento, instituiu mecanismos e regras de controle severos, para que as flexibilizações permitidas pela emenda sejam cumpridas à risca, nos exatos limites estabelecidos. Foi assim que determinou a participação estrangeira somente indireta, por intermédio de pessoa jurídica constituída sob as leis brasileiras e que tenha sede no País, além de obrigar que quaisquer alterações de controle societário de empresas jornalísticas e de radiodifusão sejam comunicadas às autoridades ligadas ao Poder Executivo e, deste, ao Congresso Nacional, (artigos 1° a 4°).

Tem-se, portanto, que a limitação da participação estrangeira, por força dos rígidos controles estabelecidos pelo legislador ordinário, é ainda prioritária, como se fosse preocupante, neste momento da história, que a entrada de capital externo nas empresas de comunicação pudesse ser considerada danosa à cultura e à soberania nacionais, como outrora se preconizava. Assim pensar, será desconsiderar a predita globalização cultural, dentro da qual o cidadão é naturalmente levado, até por obrigação, a cientificar-se e inteirar-se de tudo o que acontece no mundo, pois os interesses das nações interligaram-se a tal ponto que a troca de informações entre os povos cada vez mais desconsidera os limites geográficos de cada país ou a distância que os aparta.

Sem contar que a Constituição sobre o tema e a legislação menor que a regula prevêem regras rígidas de controle sobre a responsabilidade editorial e sobre a gestão, seleção e direção da programação veiculada pelas empresas jornalísticas e de radiodifusão, exigindo que as mesmas sejam obrigatoriamente exercidas por brasileiros natos ou naturalizados há mais de (10) dez anos. Isto já representa importante proteção contra a possibilidade da ingerência alienígena na produção e disseminação de conteúdo, motivo pelo qual nenhum prejuízo haveria se uma maior flexibilização na participação societária de tais empresas houvesse sido determinada.

Uma redução do lapso temporal, hoje de dez anos, para que o estrangeiro naturalizado brasileiro pudesse participar livremente das atividades voltadas à comunicação de massa talvez significasse também um início promissor.

Em verdade, toda essa mecânica empregada na proteção do capital social e do conteúdo dessas empresas, no sentido de evitar a participação externa fora dos limites desejados, acaba por entravar os movimentos da própria empresa, em razão das exigências burocráticas que cercam toda e qualquer deliberação societária, realizada na busca de abertura de capital ou outros esforços objetivando a expansão e o desenvolvimento mercadológico.

4. Cenário atual

Por conta de todas essas tretas e retretas jurídicas, circundadas por discursos veementes e quase sempre com fortes e anacrônicas tonalidades nacionalistas, a área da comunicação hoje no Brasil se apresenta em cenário no mínimo curioso, resvalando até para o paradoxal.

As empresas jornalísticas ligadas à mídia impressa e às de radiodifusão, sonora e de sons e imagens, com possibilidade da recepção de sinais, direta e livremente, pelo público em geral (art. 222 da C.F., c/c alínea "a", art. 6°, CBT)20, cujas regras de capitalização e gestão foram parcialmente alteradas pela Emenda Constitucional n° 36, como ficou anotado, permitem somente a participação de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos e pessoas jurídicas nacionais sem restrição e de estrangeiros até o limite de 30% (trinta por cento) no seu capital votante.

Contudo a Internet, apesar de divulgar, com incomparável maior amplitude territorial, o mesmo conteúdo cultural disseminado pelas empresas jornalísticas e de radiodifusão (art. 222, C.F.), não sofre restrição de qualquer natureza, quer seja em relação à nacionalidade do seu capital social, quer seja em relação à administração do seu conteúdo.

Em relação às empresas de televisão em circuito fechado, que também desenvolvem atividade de comunicação e de divulgação de conteúdo de qualquer natureza, inclusive jornalístico ou opinativo, pelo sistema de vendas de assinaturas, as limitações são impostas por normas específicas desprovidas de qualquer critério lógico.

Nas operadoras de TV a cabo, que distribuem seus sinais audiovisuais mediante transporte por meios físicos (cabos), a restrição à participação de capital estrangeiro é limitada ao percentual máximo de 49% (quarenta e nove por cento).

A operadoras de MMDS (Multipoint Multichannel Distribution System), que distribuem os seus sinais via microondas, apesar de divulgarem conteúdo semelhante ao distribuído pelas Cable TV, para público idêntico e pelo mesmo sistema e com o mesmo alcance, não sofrem qualquer restrição à participação estrangeira no capital.

Esse tratamento, de absoluta liberdade, quanto à formação do capital social e administração de conteúdo é também conferido às empresas de DTH (Direct to Home) e DSS (Direct Satellite System), que transmitem sinais via satélite.

Conclui-se, por tudo isso, que o controle do aporte do capital externo deixou, nos exemplos acima, de se condicionar à criação e divulgação de conteúdo de natureza cultural pelas empresas, para ficar adstrito à natureza dos recursos tecnológicos por elas utilizados, o que é insólito.

5. Considerações finais.

As idas e vindas apontadas têm ainda, como maior agravante, o fato de que a TV digital acaba de aportar no país, trazendo consigo, além de tecnologia de ponta, a possibilidade da convergência de mídias e de atividades e determinando, com maior nitidez, o caminho irreversível da formação das grandes e necessárias parcerias, nacionais e internacionais.

A propósito do assunto, lembro-me de ter lido manifestação interessante atribuída ao grande entrepreneur da área tecnológica Bill Gates dizendo que, em razão do espantoso e rápido progresso da tecnologia, será muito difícil explicarmos aos nossos netos que a nossa geração conheceu o telefone, a televisão e o computador, funcionando em aparelhos distintos.

Mais cedo do que se imaginava, a preconização do famoso empreendedor tornou-se absoluta realidade e exemplo disso é o chamado triple play, que mais não é que a denominação criada pelo marketing para um jogo triplo, formado a partir da convergência de três serviços: "internet, televisão (vídeo na demanda ou transmissões regulares) e telefonia de alta velocidade sobre uma única conexão broadband"21.

Não se questiona a real necessidade de se preservar e defender, com rigor, os valores culturais do país, tampouco se desconhece que tal predisposição é geral, com maior ou menor intensidade, em todos os países, porém, o que se espera é uma reflexão dos nossos legisladores, mais coerente e compatível com a realidade do momento, dentro do qual a concreta possibilidade de ampla convergência de tecnologias e a integração política e cultural cada vez maior entre as nações determinam que paradigmas sejam quebrados em nome do progresso cultural, que avança a passos cada vez mais largos e velozes.

Por outra, as incoerências legislativas somente contribuem para a formação de ambientes ilógicos e contraditórios, como o verificado entre as modalidades de televisão em circuito fechado acima citadas, o que gera insegurança ao sistema jurídico e somente prejudica e retarda, dentro deste contexto, o necessário desenvolvimento das atividades de comunicação, em prejuízo da disseminação da cultura e da própria democracia.

______________

1Constituição Federal, 1988, art. 150, VI, alínea "d":
"Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
.......................................
VI- instituir impostos sobre:
........................................
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão."

2Constituição Federal, 1988, art. 222:
"Art. 222 – A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, aos quais caberá a responsabilidade por sua administração e orientação intelectual.
§ 1º - É vedada a participação da pessoa jurídica no capital social de empresa jornalística e de radiodifusão, exceto a de partido político e de sociedades cujo capital pertença exclusiva e nominalmente a brasileiros.
§ 2º - A participação referida no parágrafo anterior só se efetuará através de capital sem direito a voto e não poderá exceder a trinta por cento do capital social”.

3Fato Gerador da Obrigação Tributária, "Nascimento da Obrigação Tributária Principal", Forense, 2002, p. 64 – "a imunidade é, assim, uma forma de não-incidência pela supressão da competência impositiva para tributar certos fatos, situações ou pessoas, por disposição constitucional".

4Constituição Federal, 1946, art. 160. Hoje é pacífica a admissão do benefício da imunidade a outros "suportes físicos" de bens culturais abrangidos pela imunidade, v.g. Cd-rom.
"Art. 160 – É vedada a propriedade de empresas jornalísticas, sejam políticas ou simplesmente noticiosas, assim como a radiodifusão, a sociedades anônimas por ações ao portador e a estrangeiros. Nem esses, nem pessoas jurídicas, excetuados os Partidos Políticos nacionais, poderão ser acionistas de sociedades anônimas proprietárias dessas empresas. A brasileiros (art. 129, nºs I e II) caberá, exclusivamente, a responsabilidade principal delas e a sua orientação intelectual e administrativa".

5BALEEIRO, Aliomar, “Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar”, 7ª ed., 2003, atualizada pela Doutora Misabel Abreu Machado Derzi, Forense, p. 339.

6REALE Miguel, “Filosofia do Direito”, 1º volume, Saraiva, 1972, p. 202.

7BALEEIRO, Aliomar, op. cit, p. 340.

8Constituição Federal de 1934 – artigo 131: "É vedada a propriedade de empresas jornalísticas, políticas ou noticiosas a sociedades anônimas por ações ao portador e a estrangeiros. Estes e as pessoas jurídicas não podem ser acionistas das sociedades anônimas proprietárias de tais empresas. A responsabilidade principal e de orientação intelectual ou administrativa da imprensa política ou noticiosa só por brasileiros natos pode ser exercida. A lei orgânica de imprensa estabelecerá regras relativas ao trabalho dos redatores, operários e demais empregados, assegurando-lhes estabilidade, férias e aposentadoria".

9FRANCO, Afonso Arinos de Melo, “Direito Constitucional, Teoria da Constituição”, Forense, 1976, p. 169.

10Constituição Federal de 24 de janeiro de 1967, art. 116.

11Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969: "A propriedade e a administração de empresas jornalísticas, de qualquer espécie, inclusive de televisão e de radiodifusão, são vedadas: I- a estrangeiros; II- a sociedades por ações ao portador; e III- às sociedades que tenham, como acionistas ou sócios, estrangeiros ou pessoas jurídicas, exceto partidos políticos". 11.1 Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988.

12SANTOS, Lourival J., "O Novo Estado e o Estado Novo" Folha de São Paulo, 21 de abril de1998, Seção: Opinião Econômica – Trabalho publicado durante a tramitação do projeto da Emenda Constitucional n° 36.12.1

13Declaração de Chapultepec, México, março de 1994 – adotada pela Conferência Hemisférica sobre liberdade de expressão.

14Assembléia Geral realizada na cidade do México, § 2º, em setembro/outubro de 2006. Temas principais da discussão: Impunidade contra agressões a jornalistas e órgãos de imprensa e o emprego da censura.

15MCLUHAN, <_st13a_city w:st="on"><_st13a_place w:st="on">Marshall, “Understanding Media: The Extentions of Man”, 2ª Ed. New York, 1964, citado <_st13a_personname w:st="on" productid="em o Direito Como">em o Direito Como Experiência, Miguel Reale, Saraiva, 1999, pg. 224.

16GOMES, Orlando, “Contratos”, Ed. Forense, 1978, 6ª ed. - p. 82/83

17REALE, Miguel, “O Estado Democrático do Direito e o Conflito das Ideologias”, Saraiva, 1998, p. 82.

18Emenda Constitucional nº 36, 28/05/2002, dá nova redação ao art. 222 da Constituição Federal:
"Art. 222 - A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou se pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País.
§ 1º Em qualquer caso, pelo menos setenta por cento do capital total e do capital votante das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, que exercerão obrigatoriamente a gestão das atividades e estabelecerão o conteúdo da programação.
§ 2º A responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção da programação veiculada são privativas de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, em qualquer meio de comunicação social.
§ 3º Os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art. 221, na forma de lei específica, que também garantirá a prioridade de profissionais brasileiros na execução de produções nacionais.
§ 4º Lei disciplinará a participação de capital estrangeiro nas empresas de que trata o § 1º.
§ 5º As alterações de controle societário das empresas de que trata o § 1º serão comunicadas ao Congresso Nacional."

19Lei n° 10.610, de 20/12/2002, § 4°, editada por força do § 4° do art. 222 da C.F., alterado pelo art. 1° da Emenda Constitucional n° 36. – Dispõe sobre a participação de capital estrangeiro nas empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens.

20Lei nº 4.117, 27/08/1962, que instituiu o Código Brasileiro de Telecomunicações.

21"Jogo Triplo" (Telecomunicações), Wikipedia, p. 1 de 4.

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* Sócio titular do escritório Lourival J. Santos – Advogados, Diretor Jurídico da ANER – Associação Nacional dos Editores de Revistas, Conselheiro do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo e Presidente da Comissão de Estudos das Liberdades Públicas desse Instituto.

Artigo originalmente publicado na Revista do IASP, ano 10, no. 20, Julho/Dezembro 2007.









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