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CPMF: ecos de uma batalha inútil

O fim da chamada CPMF aconteceu, como se viu (e de resto já se previa), precedido de uma sofrida e inglória batalha inútil; inútil, sem duvida alguma, pois não havia razão por que devesse ter acontecido.

14/2/2008


CPMF: ecos de uma batalha inútil

Flávio Bauer Novelli*

O fim da chamada CPMF aconteceu, como se viu (e de resto já se previa), precedido de uma sofrida e inglória batalha inútil; inútil, sem dúvida alguma, pois não havia razão por que devesse ter acontecido.

A verdade é que o governo, por motivos aparentemente inexplicáveis, malbaratou tempo e esforços, sem proveito algum, quando poderia, em tempo hábil, ter conseguido o resultado que perseguia, sem os custos e os vexames sofridos, para, ao contrário, por improficiência, recolher o fiasco que se viu.

Mas, abstraindo de tais aspectos "políticos" negativos, o fato – em termos rigorosamente objetivos – é que, depois de uma vida jurídico-politica relativamente bonançosa, mas, de qualquer modo saudável e extraordinariamente fecunda, do ponto de vista pecuniário, chegou-se ao ponto de negar, à "CPMF", o mínimo – ou seja, até o direito elementar a uma identidade certa (imposto?..., contribuição?...) -. O fato é que melhor seria tivesse o malsinado e também desejado tributo cessado na paz de seu natural desenlace, no termo que lhe fora sucessivamente assinado, sem dano ou detrimento.

É fato, também – e este, intensamente lamentado – que embora extinto, vem o governo federal empenhando-se – meio estabanadamente, é verdade – em fazer sobreviver o renegado tributo, mediante desajeitadas manobras de transfusão ou transfiguração fiscal, mas essas tentativas de sortilégio, a franca linguagem do próprio Sr. Vice-Presidente da República já as desqualificou, chamando-as, com admirável propriedade, "simples remendos".

Vamos, porém, ao que doravante realmente importa. Note-se, antes do mais: o que é realmente de admirar (quase escrevo "estarrecer"), é que, ao longo da maçante e inconseqüente discussão da matéria na Câmara Alta, não tivesse, que se saiba, ocorrido à perspicácia da ilustrada maioria governamental, ante a evidência da iminente derrocada parlamentar, a providencial e simplíssima idéia de sugerir ao "empíreo", que mudasse o rumo da questão. Mas, é obvio, que mudasse na direção certa, a da então única restante perspectiva de sobrevivência, conseguindo, desse modo, sem milagres ou artimanhas, escapar à fatal estocada da aritmética constitucional. Tudo embalde, é lógico.

Essa fácil alternativa – qualquer um pode, sem muito esforço, perceber – estaria explicitamente em renovar o Poder Executivo, fora do âmbito constitucional, perante o foro competente do Poder Legislativo, a propositura da matéria, abandonando-se, naturalmente, a velha (cerca de 15 anos) e já condenada "contribuição", em estado terminal, ao seu "inevitável" termo legal (art. n°. 90 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), em 31.12.2007.

Escusem-me, se insisto: nas difíceis e constrangedoras circunstâncias políticas em que se desenvolvia, naquela crucial situação, a tramitação da matéria no Senado Federal, parecia, pois, não restar outra alternativa, que não a de repropor o Poder Executivo, de logo, nos termos do procedimento legislativo constitucionalmente cabível (arts. n°. 61 e segs. da Constituição Federal - clique aqui), a instituição de "novo" tributo (imposto, é claro!), correspondente, substancialmente, à "velha" contribuição, exausta e em vias de extinção.

Observe-se, aliás, que um tal "novo" imposto – custa crer! – já se encontrava, de muito, genericamente prefigurado, como imposto federal (ordinário) (não sobre o "dinheiro", como se disse, mas sobre a circulação financeira), no art. n°. 153, V, da Constituição Federal e, mais especificamente, no Código Tributário Nacional (clique aqui); e neste, clara e insofismavelmente descrito, pela lei, como imposto ordinário (de competência federal) sobre operações relativas e títulos e valores mobiliários (art. n°. 63, IV).

De resto, como bem se sabe, tal imposto – sob o bisonho disfarce da incorreta denominação de "contribuição provisória" – vigorava, até 31.12.07 (art. n°. 90 do Ato das disposições constitucionais transitórias), em virtude de haver sido instituído pela Lei (ordinária) nº. 9.311, de 24.10.96 (clique aqui), sucessivamente modificada e prorrogada, tendo o seu art. 2º casuisticamente definido: o respectivo fato gerador, os casos de não-incidência, a base de cálculo, enfim, os seus elementos essenciais.

Ora, se assim é, e sendo, ademais, certamente inaplicável à hipótese, como acaba de ver-se, o art. n°. 154, I, da Constituição Federal, uma vez que: 1) por um lado, o imposto em questão está previsto em seu art. n°. 153, V; e 2) que, por outro, as diversas formas de exteriorização do respectivo fato gerador não são próprias de outro imposto ali previsto, parece, acima de qualquer duvida, inteiramente legitimo reinstituir-se corretamente o imposto de que trata a já citada Lei nº. 9.311/96, com fundamento nos termos do art. n°. 150 da Constituição federal, excluída, no caso, como é certo, a aplicação do chamado "princípio" da anterioridade, segundo expressamente dispõe o art. n°. 150, §1º, da citada Constituição.

O resto é, em meu modesto entender, descontadas inadvertências e boas intenções, simples insciência ou demagogia tributária.

NOTAS :

1) Para uma breve e objetiva notícia a respeito da CPMF (e do seu predecessor, o IPMF), cons., por todos (com uma que outra reserva), RICARDO LOBO TORRES, Curso de direito financeiro e tributário, 14ª ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2006.

2) Com vista a uma informação doutrinaria (não atualizada, mas ainda útil), a respeito dos impostos sobre circulação financeira (Verkehrsteuern) particularmente na Alemanha, anteriormente ao atual Código Tributário (AO-77), com precisas observações designadamente sobre os impostos sobre cheques, títulos de créditos, loterias, etc., cons. FRIEDRICH KLEIN, Impuestos al tráfico, in W. GERLOFF e F. NEUMARK, Tratado de finanzas, trad. esp., vol. II, p. 635 e segs., Ed. "El Ateneo", Buenos Aires, 1961.

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*Professor Titular (Emérito) de Direito Tributário das Faculdades de Direito da Universidade do Estado do RJ (UERJ) e da Universidade Federal do RJ (UFRJ)








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