Responsabilidade Corporativa pelas informações do balanço social
Ana Carolina Brito*
Devido à progressiva conscientização ambiental, natural é o crescimento da demanda por transparência no quesito sócio-ambiental. Por isso, torna-se imprescindível não apenas a atuação social da empresa, mas também a publicidade dos seus resultados nessa área. Diante desse contexto, o balanço social das empresas vem ganhando destaque, pois consiste em um instrumento estratégico de avaliação e indicador de como são conduzidos assuntos de responsabilidade social pela sociedade, sendo certo que os investidores têm demonstrado preferência por quem sabe melhor cuidar dos valores próprios e alheios.
No Brasil a adoção do balanço social é recomendada por ONG’s e tem recebido incentivos para sua publicação, mas não há exigência legal alguma para que o mesmo seja feito. Registre-se que o Conselho Federal de Contabilidade - CFC editou a Resolução nº. 100/04, que aprovou procedimentos técnicos para a elaboração do balanço social, os quais deveriam ser aplicados a partir de janeiro de 2006. No entanto, essa resolução tem caráter doutrinário contábil, sendo dirigida aos profissionais registrados naquela associação, não tendo nenhum caráter vinculante para terceiros, porque não se trata de lei. De igual modo, a Comissão de Valores Mobiliários já veiculou ofícios dirigidos às companhias abertas recomendando fortemente a adoção do balanço social, sem que isso configure uma exigência para atuação no mercado.
Tal como uma fotografia, o balanço social reflete a posição dos assuntos de responsabilidade social da empresa em um determinado momento. Embora haja alguns modelos disponíveis com diversas configurações - como o do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas) - não há conteúdo previamente determinado para o balanço social.
É usual que no balanço social constem informações sobre o meio ambiente natural e os recursos humanos, tais como valores investidos em ações protetivas, investimentos em tecnologia, perfil dos trabalhadores da empresa, benefícios concedidos aos funcionários e comunidade. Contudo, tais informações ainda não são oficialmente consideradas para que companhias abertas figurem em índices que considerem a boa governança.
A importância desse balanço se destaca ao formar a opinião do mercado acerca da empresa, influenciando análises positivas, agregando valor à marca, respeitabilidade, preferência do consumidor e transparência. Em comparação de quase trezentas companhias abertas que negociaram papéis na bolsa de valores em 2006, as empresas que desempenhavam boa governança apresentaram melhor desempenho, sendo superiores em rentabilidade patrimonial, lucro líquido e valor médio de mercado1. Nesse contexto, indaga-se: quais as conseqüências jurídicas da inserção de dados inverídicos no balanço social da empresa?2 Deixando um pouco de lado os valores intangíveis acima mencionados, lancemos o questionamento nas searas penal, administrativa e cível.
Na esfera penal, em análise superficial e considerando apenas as normas penais gerais, poder-se-ia alegar que a inserção de dados fraudulentos poderia configurar o crime de fraude em balanço ou o de falsidade ideológica, previstos respectivamente nos artigos n°. 177, inciso I, e 299 do Código Penal (clique aqui). No entanto, tendo em vista que o balanço social não trata a priori das condições econômicas da empresa, não haveria tal espécie de fraude. Quanto ao tipo penal da falsidade ideológica, ainda não existindo a obrigação de divulgação dessas informações, ficaria o crime descaracterizado? Parece que não, desde que presentes o dolo e o fim específico do agir. Isso porque o bem jurídico tutelado pelo artigo n°. 299 é a fé pública, sobretudo a genuinidade ou veracidade do documento; sendo o sujeito passivo o Estado e, secundariamente, a pessoa prejudicada pela falsidade3.
No âmbito cível, o balanço social fraudulento pode gerar o dever de indenizar, desde que identificado o nexo de causalidade entre o mesmo e algum prejuízo sofrido por terceiro. Nesse ponto, vale lembrar que havendo inobservância de um dever de conduta essencial para a formatação ou execução do negócio jurídico, há violação ao dever de boa-fé objetiva, estampado no artigo n°. 422 do Código Civil (clique aqui). Essa norma de conduta pode ser aplicada em conjunto com outras disposições legais que a completam, como a regra de interpretação-integração dos negócios jurídicos, prevista no artigo n°. 113, do Código Civil, e de limitação ao exercício do direito subjetivo, consignada no artigo n°. 187 do mesmo Diploma Legal, que versa sobre o abuso de direito.
Ainda no campo civil, pode-se imaginar a anulação de um negócio jurídico que houvesse adotado os fatos declarados no balanço social como premissas para a realização de determinado ato jurídico, em razão de erro ou dolo, conforme previsto, respectivamente, nos artigos n°. 138 a 144 e <_st13a_metricconverter productid="145 a" w:st="on">145 a 150 do Código Civil.
Na seara administrativa, se as práticas ambientalmente saudáveis decorrem de alguma condicionante da licença ambiental da empresa ou constituem alguma medida compensatória, a fraude no balanço social pode acarretar medidas administrativas severas como a revogação da licença, suspensão das atividades, sem prejuízo da responsabilização civil e administrativa pelo descumprimento das obrigações estipuladas em lei ou licença. Tais sanções não decorreriam, de forma imediata, da divulgação errônea dos dados, mas da constatação do descumprimento de normas ambientais. Por outro lado, a divulgação fraudulenta de dados poderia, por si só, ser objeto de investigação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), se a empresa estiver dentro do escopo de fiscalização daquele órgão.
Considerando que o balanço social não é uma exigência legal, mas uma realidade, pode-se concluir que a aclamada nova consciência ambiental não pode ser tratada apenas como estratégia de marketing. O balanço social reflete nos resultados da empresa e agrega valores intangíveis, mas pode gerar conseqüências legais para aqueles que tentam aproveitar-se do momento sem a esperada contrapartida para toda a sociedade.
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1 Anuário 2007, Análise Companhias Abertas, editora Análise, distribuição dirigida (clique aqui)
2 Discussão iniciada entre os membros da ABAA - Associação Brasileira de Advogados Ambientalistas em 2007.
3 DELMANTO, Celso. [Et al]. 5ª edição, Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2000. págs. 531/532.
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*Advogada do escritório Trigueiro Fontes Advogados
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