Direito e Cinema: uma interlocução necessária
Fernando J. Armando Ribeiro*
Todavia, se a literatura e as artes plásticas funcionaram como canais de representação e projeção da realidade até o século dezenove, o século vinte traria, juntamente com aquilo que ficaria conhecido como "cultura de massas", novos meios de manifestação artística e cultural, dentre as quais passaria a figurar, com destacada proeminência, o cinema. Não que se possa acolher a tese – sempre apressada e superficial – dos que o apresentam como a síntese de todas as demais formas de arte, nem tampouco dizer que o século vinte foi o século do cinema, mas é inegável a influência que a projeção cinematográfica teve, tem e certamente continuará a ter na formação do homem contemporâneo. A linguagem das imagens torna-se verdadeiro paradigma – consolidado posteriormente pela televisão – e o cinema, como arte, adquire papel preponderante na cultura.
Ao contrário da televisão, por sua própria natureza invasiva e sempre pronta a nos fustigar com suas imagens e informações, o cinema é mais passivo, quase silencioso, e espera pacientemente ser conquistado. Parece-nos, portanto, ser ele o lugar por excelência, não apenas para reconhecer os limites e excessos de uma sociedade imagética – contribuindo, pois para a construção de uma consciência crítica –, com também explorar as múltiplas possibilidades de sentidos que os fenômenos culturais nele adquirem.
Assim é que a análise do Direito a partir do cinema pode contribuir para uma abordagem mais próxima ao próprio projeto de ciência jurídica de nossos dias, na luta pela superação de uma visão meramente dogmática e normativamente recortada do fenômeno jurídico. Cuida-se aqui de inseri-lo na dinâmica das relações de vida, única, segundo os jusfilósofos contemporâneos, capaz de dimensionar o correto sentido das normas. Abre-se também a possibilidade para uma compreensão mais efetiva de como a sociedade de massas percebe o Direito, além de suscitar espaço para uma permanente crítica aos institutos jurídicos, mediante a abertura ao diálogo com outras ciências e fenômenos sociais.
Visando fomentar esta conquista do mundo cinematográfico por parte dos profissionais do Direito é que, há um ano, fundamos o projeto "Cinema e Direito", realizado mensalmente como parte da programação cultural do Instituto dos Advogados de Minas Gerais (IAMG). Vasta e rica é a abordagem cinematográfica que tem sido dada ao Direito e a temas que lhe são correlatos. Além das clássicas temáticas há muito explicitadas em filmes de nítida abordagem jurídica, o Direito, na ampla acepção do vocábulo, faz-se presente até mesmo em obras que inicialmente pareceriam mais despretensiosas ou até mesmo infensas a ele. Trata-se, em última instância, de uma abertura para as múltiplas possibilidades de olhar, de pensar e argumentar sobre e a partir do Direito.
Trata-se, pois, de um projeto que, além de fomentar e divulgar a cultura jurídica serve como importante lugar de reflexão e crítica do Direito, tanto pela perspectiva comparatística que lhe é inerente, quanto por permitir repensar problemas, tradições e pré-compreensões que se internalizam – tanta vez de forma irrefletida – às práticas jurídicas cotidianas. Sejam todos bem vindos ao "Cinema e Direito": bom filme e boas reflexões!
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*Advogado e Professor da PUC Minas e da Faculdade de Direito Milton Campos. Diretor do Departamento de Teoria do Direito do IAMG - Instituto dos Advogados de Minas Gerais
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