Parceria Público Privada
Morvan Meirelles Costa Júnior
Rafael Collachio de Almeida*
Esta nova figura jurídica tem a finalidade de aglutinar todos esses interesses, ou seja, atender a necessidade de infraestrutura básica, gerar desenvolvimento de novos negócios, atrair investidores, captar recursos, incentivar novos mercados e, sobretudo viabilizar a boa aplicação de recursos financeiros.
Pela própria característica versátil, multidisciplinar e dinâmica deste mecanismo, as PPPs carregam consigo uma ampla aplicabilidade dentro do atual cenário das diversas necessidades básicas do setor público, sendo difícil dimensionar a extensão de sua atuação.
Embora represente uma proposta inovadora ao mercado brasileiro, as PPPs já são conhecidas mundialmente. Calcula-se que as “Public Private Partnerships” sejam usadas com êxito em mais de 50 países, dos quais destacam-se os Estados Unidos, Alemanha, Itália e Inglaterra, este último pioneiro no projeto que foi planejado e executado pelo governo de Margareth Thatcher.
Panorama atual
Buscando, eminentemente, a volta dos investimentos em infra-estrutura, o Governo Brasileiro anunciou, no final do ano de 2003, a implementação do projeto de Parcerias Público-Privadas – as “PPPs”.
A idéia de gerar um crescimento econômico sustentável para o país tornou-se prioridade para o governo atual, que entendeu pela impossibilidade de haver uma verdadeira expansão econômica ou mesmo investimento na proporção adequada às necessidades do país, sem a atuação direta do setor privado.
Aliado a este fato, o segmento empresarial da economia interna estabeleceu uma forte pressão sobre o atual governo, a exemplo da indústria de base e da agroindústria, que não encaram as PPPs como oportunidade de negócio propriamente dita, mas como um obstáculo a ser transposto, que precisa ser solucionado em caráter emergencial, e assim corrigir sérios problemas estruturais de escoamento de produção, de redução de custos e ampliação das fronteiras de comércio.
Diante deste difícil cenário e da possibilidade de criação de uma nova forma de interação dos setores público e privado, foi apresentada pelo ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, Guido Mantega, a instituição das normas gerais de Parceria Pública-Privada, tendo como escopo a implementação dos projetos de infra-estrutura nas áreas de saúde, transportes (rodoviário, ferroviário e marítimo), telecomunicações, educação, energia, habitação, entre outros destinados ao fornecimento de serviços de utilidade pública.
O atual programa possui uma ampla extensão de aplicação, uma vez que as iniciativas para regulamentação de projetos de PPPs podem partir tanto da esfera Federal, Estadual ou Municipal, ou seja, de todos os níveis da administração pública.
No Estado de São Paulo, o Projeto de Lei nº 1.141, que institui normas gerais para contratação de parcerias público-privadas no âmbito da administração pública estadual, foi encaminhado à Assembléia Legislativa em novembro de 2003, tendo como enfoque estrutural a constituição de um fundo composto por uma série de ativos do Estado que garantirá o pagamento das empresas privadas.
Este fundo será constituído sob a forma de uma sociedade anônima de capital autorizado, cuja titularidade das ações representativas de mais da metade do capital social será do Estado, denominada Companhia Paulista de Parcerias – CPP, a qual também tornou-se a titular dos poderes de celebração de contratos com o ente privado interessado nesse regime de parceria, em âmbito estadual, como veremos mais adiante.
A iniciativa pública já demonstrou interesse em viabilizar projetos de PPPs para ligação rápida de trem entre os aeroportos de Cumbica e Viracopos, no empreendimento de ligação do centro de São Paulo ao aeroporto de Cumbica, assim como o término das obras do Rodoanel e Ferroanel Norte, com o objetivo de amenizar o tráfego de caminhões em São Paulo.
Em Minas Gerais, por exemplo, paralelamente à criação do programa de PPPs, o governo iniciou a criação de uma empresa que irá administrar os imóveis desse Estado, com poderes para alienar esses ativos, com objetivo de viabilizar as garantias do fundo garantidor de Minas, que conta com os recursos de bancos nacionais e internacionais, além de outros instrumentos financeiros.
Formas de condução do projeto
As normas gerais para condução das contratações partem do princípio da união de empresas para executar um projeto de infra-estrutura, principalmente em função de sua dimensão e do elevado aporte financeiro necessário.
A contratação das parcerias público-privadas deverá ser precedida de licitação na modalidade de concorrência e, para apuração das propostas poderão ser adotados os critérios de menor valor de tarifa, melhor técnica e menor contraprestação da administração pública.
A abertura de processo licitatório para contratar sob o regime PPP terá aplicação da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, já que o dispositivo contido na legislação específica que regula as PPP’s foi retirado do texto final do projeto, levado a votação no plenário da Câmara dos Deputados.
Muito embora utilize-se toda a abrangência da legislação concernente às licitações, a qual estabelece normas gerais sobre licitações pertinentes a obras, serviços, publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, o regime PPP tem potencial para atrair investimentos para outras áreas de infra-estrutura que estabeleçam vínculo para implantação ou gestão, no todo ou em parte, de serviços, empreendimentos e atividades de interesse público, tais como, habitação, transportes e saneamento, os quais não garantem, por sua natureza, retorno em função da atuação prolongada do agente privado quando da prestação do serviço eminentemente público.
Sendo assim, as PPPs têm como marco inicial de sua estruturação os processos licitatórios atualmente existentes para contratação com a administração pública, com praticamente 2 maneiras para consolidação desta união por parte da iniciativa privada, quais sejam: a constituição de Consórcios ou de Sociedades de Propósitos Específicos (SPE).
Entende-se que, a despeito das exigências concretas de cada projeto sujeito à investimento pela iniciativa privada sob o âmbito da PPP, o Consórcio, pela flexibilidade e dispersão de risco entre os participantes, deve ser a figura mais utilizada para estas contratações, vez que a responsabilidade perante os órgãos públicos envolvidos no projeto, assim como quaisquer outras entidades que gravitem em torno da execução da operação, é necessariamente solidária.
Tal como nas licitações tradicionais que exigiam uma garantia antecipada para início de um processo de licitação, a empresa que desejar se habilitar em um projeto de PPP deverá comprovar de forma mais ampla a possibilidade de financiamento da operação, ou seja, de que o projeto é “auto-sustentável” economicamente, exigindo desta forma, a prévia comprovação da existência do financiamento, mesmo que decida por não utilizar o crédito disponível, da forma apresentada, futuramente.
São passíveis de utilização: o capital próprio (o que em muitos casos, senão a quase totalidade, é inviável) ou a busca de financiamentos, (captando recursos no mercado financeiro ou de capitais); neste último caso através de emissão de ações, de debêntures simples ou conversíveis, ou mesmo outros valores mobiliários, como o direito creditório.
Assim, o setor privado seria responsável pela construção, pelo financiamento, pela exploração do serviço e, com o término ou no curso do próprio empreendimento, o setor público realizaria o pagamento do preço estabelecido no projeto que poderá ser diluído em até 35 anos.
Como forma de solução das controvérsias decorrentes dos contratos de PPP, é facultada a adoção de arbitragem.
A rigor, o mecanismo de arbitragem é uma forma alternativa à jurisdição estatal, tratando-se de um sistema célere de resolução de conflitos que envolvam direitos patrimoniais disponíveis.
Atendendo a principal reivindicação do setor privado, o Projeto de Lei encaminhado ao Congresso Nacional em 19 de novembro de 2003, prevê em seu artigo 9º a criação de um fundo garantidor. Trata-se de uma segurança adicional ao cumprimento das obrigações assumidas pela administração pública aos investidores que desejarem participar de projetos de PPPs.
Este fundo, denominado “Fundo Fiduciário de Incentivo às Parcerias Público Privadas”, poderá ser lastreado com ações de empresas estatais, como Petrobrás e Eletrobrás, com dotações consignadas no orçamento público, pela transferência de ativos não financeiros e pela transferência de direitos sobre bens móveis e imóveis pertencentes à União. O fundo garantidor deverá ser administrado por uma instituição financeira oficial, que poderá ser a Caixa Econômica Federal (CEF), o Banco do Brasil (BB) ou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Pretende-se também contar com fundos de financiamento que serão viabilizados através de investimentos externos, bem como, recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Banco Mundial (BIRD) que já asseguraram sua participação para compor os fundos que serão criados no programa PPPs.
Esta última possibilidade representa grande atrativo à iniciativa privada, em função das baixas taxas de financiamento praticadas no mercado internacional, comparadas às elevadas taxas vigentes no setor financeiro nacional, além de possibilitar a atuação daquelas instituições internacionais de fomento no projeto.
A contraprestação da administração pública nesses contratos poderá ser feita através de pagamento em dinheiro, cessão de créditos não tributários, outorga de direitos em face da administração pública, outorga de direitos sobre bens públicos ou outros meios previstos na legislação vigente. Esta remuneração do parceiro privado poderá, ainda, sofrer atualizações periódicas com base em fórmulas paramétricas, para recomposição econômica do valor do projeto, conforme previsto no edital de licitação.
Nos termos do artigo 6º, parágrafo primeiro do Projeto de Lei encaminhado ao Congresso Nacional, os contratos de PPPs poderão prever que as receitas relativas às contraprestações devidas pela administração pública possam ser liquidadas em favor da instituição que financiou o projeto de parceria, como garantia do cumprimento das condições de financiamento, sendo que o direito da instituição será limitado à habilitação para receber diretamente o valor verificado pela administração pública na fase de liquidação, excluída sua legitimidade para impugná-lo.
Este último caso representa atrativo mútuo às agências de fomento internacionais, assim como a iniciativa privada diretamente envolvida no projeto, tendo em vista que o financiamento é lastreado não só pelo fundo garantidor constituído, como pelo próprio Estado, sempre em respeito às manobras orçamentárias extraordinárias.
Comparativo entre as PPPs e as Concessões Públicas
O Projeto de Lei que trata das parcerias público-privadas se assemelha muito aos contratos de concessão, diferenciando-se destes em sua forma de pagamento e instrumentos de financiamento e liquidação de débitos, sendo que não só a remuneração do setor privado se dará principalmente após a conclusão da obra, como mais mecanismos de financiamento e liquidação de obrigações estarão disponíveis às empresas participantes.
Além disso, há mais garantias oferecidas no regime PPP em comparação às concessões, seja quantitativa ou qualitativamente.
Neste último caso, conjuntamente às modalidades de financiamento acima, as garantias oferecidas também representam elemento de atração à participação do setor privado, pela preocupação generalizada do mercado com a idoneidade e clareza de regras.
Por último, ainda em comparação à concessão, a amplitude do regime PPP propicia investimentos nas áreas não atingidas pelos contratos de concessão, como hospitais, presídios, escolas públicas, saneamento e meio ambiente.
Conclusão
Como todo novo projeto causa inquietação, as PPPs dividem opiniões quanto a sua confiabilidade. Muitos empresários demonstram preocupação com as garantias regulatórias do programa e com o retorno adequado aos investimentos que realizarem.
Outra corrente, mais otimista, toma como base os empreendimentos que foram financiados como parcerias público-privadas pelo mundo e levam em conta o comprovado aumento dos investimentos institucionais resultantes das participações em projetos de PPPs.
Neste sentido, o mais importante é, não só a instituição de fórmulas eficientes de garantia dos projetos, além da disponibilidade de uma gama de opções para seu financiamento, como também estabelecer um real marco regulatório forte e na medida do possível, estar desprovido de influências políticas.
Em linha com a motivação existente no mercado, a administração pública iniciou um processo gradual de reestruturação interna e assim sinaliza positivamente a esta nova forma de parceria pública-privada, tal como o projeto de PPP paulista, o qual prevê a constituição de uma sociedade a qual se delega a responsabilidade de articulação e contratação dos futuros projetos regidos por este instituto.
Não há previsão de qualquer autonomia administrativa ou poder fiscalizador/regulador. Mas, sem dúvida representa um passo importante para que se obtenha a tão reclamada segurança contratual quando da interação dos setores público e privado.
Nesse novo cenário, a eficácia do regime PPP parece realmente palpável, desde que efetivamente garanta o retorno do investimento inicial aos investidores, adquirindo credibilidade frente ao setor privado. Além disso, a conciliação dos vários objetivos conflitantes entre os setores envolvidos é essencial para que a meta do projeto PPP logre êxito.
A grande revolução no regime PPP está na configuração de uma nova e equilibrada relação entre os entes públicos e privados. De um lado o setor privado terá a oportunidade de encontrar oportunidades de negócio e retorno para seus investimentos, de outro o Estado assegurará a satisfação dos interesses públicos.
Como a parceria reflete a conjugação dos interesses das partes envolvidas, estamos diante de uma oportunidade promissora de alcançar resultados permanentes e com reflexos significativos no mercado nacional nas próximas décadas.
No entanto, é necessário um desempenho responsável dos reguladores setoriais que em seu exercício, a despeito do estágio em que se encontra a formulação do marco regulatório, deverá compreender que um conjunto estável de regras é essencial para que qualquer projeto de PPP tenha sucesso, e que esse novo programa de desenvolvimento não seja considerado como mais um grande projeto que não conseguiu sair do papel.
____________
* Advogados do escritório LOTTI º ARAÚJO - Sociedade de Advogados