Competência para julgamento de crime militar doloso contra a vida
Damásio de Jesus*
"Homicídio simples
Art. n°. 205. Matar alguém:
Pena – reclusão, de seis a vinte anos.
Minoração facultativa da pena
§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o Juiz pode reduzir a pena, de um sexto a um terço.
Homicídio qualificado
§ 2º Se o homicídio é cometido:
I – por motivo fútil;
II – mediante paga ou promessa de recompensa, por cupidez, para excitar ou saciar desejos sexuais, ou por outro motivo torpe;
III – com emprego de veneno, asfixia, tortura, fogo, explosivo, ou qualquer outro meio dissimulado ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV – à traição, de emboscada, com surpresa ou mediante outro recurso insidioso, que dificultou ou tornou impossível a defesa da vítima;
V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime;
VI – prevalecendo-se o agente da situação de serviço:
Pena – reclusão, de doze a trinta anos.
[...]
Provocação direta ou auxílio a suicídio
Art. n°. 207. Instigar ou induzir alguém a suicidar-se, ou prestar-lhe auxílio para que o faça, vindo o suicídio consumar-se:
Pena – reclusão, de dois a seis anos.
Agravação de pena
§ 1º Se o crime é praticado por motivo egoístico, ou a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer motivo, a resistência moral, a pena é agravada.
Provocação indireta ao suicídio
§ 2º Com detenção de um a três anos, será punido quem, desumana e reiteradamente, inflige maus tratos a alguém, sob sua autoridade ou dependência, levando-o, em razão disso, à prática de suicídio.
Redução de pena
§ 3º Se o suicídio é apenas tentado, e da tentativa resulta lesão grave, a pena é reduzida de um a dois terços.
Genocídio
Art. n°. 208. Matar membros de um grupo nacional, étnico, religioso ou pertencente a determinada raça, com o fim de destruição total ou parcial desse grupo:
Pena – reclusão, de quinze a trinta anos.
Casos assimilados
Parágrafo único. Será punido com reclusão, de quatro a quinze anos, quem, com o mesmo fim:
I – inflige lesões graves a membros do grupo;
II – submete o grupo a condições de existência, físicas ou morais, capazes de ocasionar a eliminação de todos os seus membros ou parte deles;
III – força o grupo à sua dispersão;
IV – impõe medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
V – efetua coativamente a transferência de crianças do grupo para outro grupo."
O julgamento de todos os crimes militares é de competência exclusiva da Justiça Militar, nos termos dos arts. n°. 124 e 125, §§ 3º a 5º, da Constituição Federal (CF).
Quando o agente for integrante das Forças Armadas, o julgamento ficará a cargo da Justiça Militar Federal; quando, entretanto, tratar-se de membro da Polícia Militar ou do Corpo de Bombeiros Militar, da Justiça Militar Estadual.
De ver-se que a Justiça Militar Federal tem autorização constitucional (implícita) para julgar civis (autores de crimes militares). O mesmo não ocorre, contudo, com a Justiça Militar Estadual (veja Súmula n°. 53 do STJ).
Até o advento da Lei n°. 9.299/96, o crime militar doloso contra a vida ou, em outras palavras, o crime doloso contra a vida cometido por militar, fosse a vítima civil ou militar, era de competência da Justiça Castrense. Cuidando-se de sujeito ativo integrante das Forças Armadas, o fato era julgado pela Justiça Militar Federal. Caso se tratasse de membro da Polícia Militar ou do Corpo de Bombeiros Militar, a competência era da Justiça Militar Estadual (veja arts. n°. 124 e 125 da CF).
A Lei n°. 9.299/96 determinou que crimes dolosos contra a vida cometidos por militares contra civis passassem a ser julgados pelo Tribunal do Júri. Houve quem dissesse que a lei, ao transferir ao Júri a competência para julgamento de crimes militares, mostrava-se inconstitucional. Não pensamos assim, uma vez que a interpretação correta a ser dada, teleológica e não puramente gramatical, revela que a lei passou a considerar comuns esses delitos. Em outras palavras, não se trata de determinar o julgamento de crimes militares pela Justiça Comum, mas da modificação da natureza do delito, que de militar passou a ser considerado comum e, portanto, de competência da Justiça Comum (Estadual ou Federal). Note-se que o critério utilizado no Brasil para a definição de crimes militares é o ratione legis, isto é, considera-se crime militar aquele descrito pela lei como tal.
Quando a Lei n°. 9.299/96 entrou em vigor, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) passou a decidir que ela deveria ter aplicação imediata, atingindo, inclusive, processos em andamento, salvo se houvesse decisão de mérito (ainda que não transitada em julgado).
A Emenda Constitucional n°. 45, de 8.12.2004, modificou os parágrafos do art. n°. 125 da CF e incorporou ao Texto Maior a regra prevista na Lei n°. 9.299/96. Pode-se dizer, então, que a competência para julgamento de crimes militares dolosos contra a vida é de natureza constitucional:
"Art. n°. 125. [...]
[...]
§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao Tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças."
Em suma, as regras de competência são as seguintes:
Crime doloso contra a vida cometido por militar:
a) se a vítima for civil – Tribunal do Júri;
b) se a vítima for militar – Justiça Militar (Federal ou Estadual, conforme o caso envolva interesses das Forças Armadas ou das instituições militares estaduais).
O Supremo Tribunal Federal (STF), em 2002, entendeu que o crime doloso contra a vida cometido por militar contra militar, ainda que fora das dependências militares, deve ser julgado pela Justiça Castrense:
"Julgando conflito de competência suscitado pelo STM em face do STJ, o Tribunal, por maioria, com fundamento no art. 9º, II, 'a', do Código Penal Militar, assentou a competência da Justiça Militar para o julgamento de crime de homicídio cometido por militar, em face de outro militar, ocorrido fora do local de serviço. Considerou-se que, embora o homicídio tenha ocorrido na casa dos envolvidos, por motivos de ordem privada, subsiste a competência da Justiça Militar porquanto qualquer crime cometido por militar em face de outro militar, ambos em atividade, atinge, ainda que indiretamente, a disciplina, que é a base das instituições militares. Vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e Marco Aurélio, que assentavam a competência da Justiça Comum para o julgamento da espécie (CPM, art. 9º: 'Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: [...] II – os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados: a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;'). Precedentes citados: RE n°. 122.706/RJ (RTJ 137/408) e CJ n°. 6.555/SP (RTJ 115/1095)." (STF, Plenário, CC n°. 7.071/RJ, rel. Min. Sydney Sanches, j. em 5.9.2002, Informativo STF n°. 280).
Em maio de 2007, o STF julgou competir à Justiça Militar Federal o julgamento de civil autor de homicídio contra militar:
"A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que se alegava a incompetência da justiça militar para processar e julgar civil denunciado por homicídio qualificado praticado contra militar, que se encontrava de sentinela em posto de vila militar, com o propósito de roubar-lhe a arma. Pleiteava-se, na espécie, a nulidade de todos os atos realizados pela justiça castrense, ao argumento de ser inconstitucional o art. 9º, III, do CPM, por ofensa ao art. 5º, XXXVIII, da CF (Tribunal do Júri). Entendeu-se que, no caso, a excepcionalidade do foro castrense para processar e julgar civis que atentam dolosamente contra a vida de militar apresenta-se incontroversa. Tendo em conta o que disposto no art. 9º, III, 'd', do CPM ('Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: [...] III – os crimes praticados por [...] civil [...]: d) [...] contra militar em função de natureza militar ou no desempenho de serviço de vigilância [...]'), asseverou-se que, para se configurar o delito militar de homicídio, é necessário que a vítima esteja efetivamente exercendo função ou desempenhando serviço de natureza militar, não bastando a sua condição de militar.
Assim, considerou-se que, no caso, estariam presentes quatro elementos de conexão militar do fato:
a) a condição funcional da vítima, militar da aeronáutica;
b) o exercício de atividade fundamentalmente militar pela vítima, serviço de vigilância;
c) o local do crime, vila militar sujeita à administração militar e
d) o móvel do crime, roubo de arma da Força Aérea Brasileira – FAB.
Vencido o Min. Marco Aurélio que deferia o writ por não vislumbrar, na hipótese, exceção à regra linear da competência do Tribunal do Júri para julgar crime doloso contra a vida praticado por civil. Precedentes citados: RHC n°. 83.625/RJ (DJU de 28.5.99); RE n°. 122.706/RJ (DJU de 3.4.92)." (STF, 1ª T., HC n°. 91.003/BA, relatora Ministra Cármen Lúcia, j. em 22.5.2007, Informativo STF n°. 468).
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*Presidente do CJDJ - Complexo Jurídico Damásio de Jesus e sócio-administrador e consultor criminal do escritório Damásio Evangelista de Jesus Advogados Associados
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